Quem sou eu
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- E nestas lutas vou cumprindo a sorte, até que venha a compassiva morte, levar-me à grande paz da sepultura.
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Juvenal Antunes Encarnação da máxima bondade, Imagem de candura e de beleza, Fardou-te a perdulária Natureza Exemplo de ternura e castidade....
Carlos Arnaud
O Grinch, do monte, vê o mundo humano,
Noite de Natal, o riso estridente lá ecoa,
Deseja ele roubar, em um golpe insano,
Levando todo brilho, que o Natal entoa.
Da vila do Quem, no vale, ergue o canto,
Corações se aquecem, em união repleta,
E o Grinch, em trevas, traça com espanto,
Um plano de levar embora toda a festa.
Naquela noite fria, o roubo se consuma,
Árvores, luzes, presentes, na bagagem,
Esperança furtada, Natal que se desfaz.
Mas o coração do Grinch, de gelo em suma,
Desperta ao som do amor, e na passagem,
Descobre que Natal é um momento de paz.
Carlos Arnaud
No céu de bruma, Angelina emerge,
Como um sonho etéreo, intocável.
Olhar misterioso, na noite diverge,
Num enigma brando, impenetrável.
Os teus passos ecoam na penumbra,
Sussurros suaves em uma extasia,
Cada gesto teu, mais que vislumbra,
Revela e oculta a própria fantasia.
Bela Angelina, na dúvida do não dito,
És a mulher que desvenda o infinito,
E no teu ser, o mistério é presente.
O perfume de teu corpo é incenso,
E no silêncio, sua voz é fogo imenso,
Que invade e desperta a alma da gente.
Amélia de Oliveira
Não te peço a ventura desejada,
Nem os sonhos que outrora tu me deste,
Nem a santa alegria que puseste
Nessa doce esperança já passada.
O futuro de amor que prometeste
Não te peço! Minha alma angustiada
Já não te pede, de impossível, nada,
Já não te lembra aquilo que esqueceste!
Nesta mágoa sorvida ocultamente,
Nesta saudade atroz que me deixaste,
Nada te peço! Nada! Tão somente
Neste pranto que choro ainda por ti,
Peço-te agora a paz que me roubaste,
Peço-te agora a vida que perdi!
Juvenal Antunes
Encarnação da máxima bondade,
Imagem de candura e de beleza,
Fardou-te a perdulária Natureza
Exemplo de ternura e castidade.
No indizível horror desta saudade,
Em que minha alma se debate, preza,
Fazes da própria mágoa, e de tristeza,
Um misto de tortura e suavidade.
Bendita seja, pois, mulher querida,
Que escreves e dispões de minha sina,
Como causa e razão de minha vida...
Realças na confecção de qualquer verso:
E, sendo assim tão fraca e tão franzina,
És a obra mais perfeita do Universo!
João Ribeiro
Ó Musa, cujo olhar de pedra, que não chora,
Gela o sorriso ao lábio e as lágrimas estanca!
Dá-me que eu vá contigo, em liberdade franca,
Por esse grande espaço onde o Impassível mora.
Leva-me longe, ó Musa impassível e branca!
Longe, acima do mundo, imensidade em fora,
Onde, chamas lançando ao cortejo da aurora,
O aureo plaustro do sol nas nuvens solavanca.
Transporta-me, de vez, numa ascensão ardente,
À deliciosa paz dos Olímpicos-Lares,
Onde os deuses pagãos vivem eternamente.
E onde, mum longo olhar, eu possa ver contigo,
Passarem, através das brumas seculares,
Os Poetas e os Heróis do grande mundo antigo.
Carlos Arnaud
Na aurora de teu rosto esplendoroso,
Desliza a luz que enche a minha vida.
Teus olhos, estrelas em céu de gozo,
Refletem a mais pura alma, querida.
Nos campos do amor, és flor purpurina,
A musa que inspira a vida deste poeta.
Teu nome em versos leio, Bela Angelina,
E no teu recanto meu coração completa.
Ao som da tua voz, terna e sincera,
Meu ser desperta, rompe, se reitera.
Em ti, amiga, encontro paz e glória.
Ó Bela Angelina, o teu meigo sorriso,
És para mim o mais sonhado paraíso,
E a conquista deste será minha vitória...
Carlos Arnaud
Na névoa tênue de um dia primaveral,
As almas suspiram memórias antigas.
Em sombras quietas de um sonho fatal,
Sussurram histórias e eternas cantigas.
Nos túmulos frios, repousa o passado,
Num silêncio da fé que ecoa mistérios.
Flores desbotadas em solo sagrado,
Guardam segredos de amores etéreos.
A manhã fria, pálida, observa serena,
Lágrimas que fluem como um rio lento,
Em prece à brisa que doce envenena.
Finados, instantes de paz e tormento,
Onde a vida e a morte dançam amena,
Num ciclo eterno de puro sentimento.
Guilherme de Almeida
Mas não passou sem nuvem de tristeza
esse amor que era toda a tua vida,
em que eu tinha a existência resumida
e a viva chama de minha alma, acesa.
Nem lemos sem vislumbre de incerteza
a página do amor, lida e relida,
mas pouquíssimas vezes entendida,
sempre cheia de engano e de surpresa,
Não. Quantas vezes ocultei a minha
dor num sorriso! Quanta vez sentiste
parar, medroso, o coração de gelo!
É que nossa alma às vezes adivinha
que perder um amor não é tão triste
como pensar que havemos de perdê-lo.
Cruz e Souza
Por uma estrada de astros e perfumes
A Santa Virgem veio ter comigo:
Douravam-lhe o cabelo claros lumes
Do sacrossanto resplendor amigo.
Dos olhos divinais no doce abrigo
Não tinha laivos de paixões e ciúmes:
Domadora do mal e do perigo
Da montanha da Fé galgara os cumes.
Vestida na alva excelsa dos profetas
Falou na ideal resignação de ascetas,
Que a febre dos desejos aquebranta.
No entanto os olhos dela vacilavam,
Pelo mistério, pela dor flutuavam,
Vagos e tristes, apesar de Santa!
Pe. Antônio Tomás
Ao sopro do terral abrindo a vela,
Na esteira azul das águas arrastada,
Segue veloz a intrépida jangada
Entre os uivos do mar que se encapela.
Prudente, o jangadeiro se acautela
Contra os mil acidentes da jornada;
Fazem-lhe, entanto, guerra encarniçada
O vento, a chuva, os raios, a procela.
Súbito, um raio o prostra e, furioso,
Da jangada o despeja na água escura;
E, em brancos véus de espuma, o desditoso.
Envolve e traga a onda intumescida,
Dando-lhe, assim, mortalha e sepultura
O mesmo mar que o pão lhe dera em vida.
Alphonsus de Guimaraens
Vestido de ouro o Sol, bom padre, canta a missa
Da luz no altar do céu. Véus de celestes damas,
As nuvens voam: cantam pássaros: e viça
Mais do que nunca o olhar de Flora pelas ramas.
Entra o Espectro. Com voz soluçante e submissa
Murmuro-lhe: Por que, se és luz, se já não amas,
Atormentar-me assim? Não haverá justiça
Final no inferno, fogo eterno, eternas chamas?
Para que perseguir-me. Anjo tristonho? Espera.
Ou antes de noite vem, quando o remorso chora,
E o luto os olhos fecha à alma da primavera.
Bem te deves lembrar: quando tu me esqueceste,
Brilhava o mesmo sol no mesmo céu de agora...
Bem te deves lembrar: foi um dia como este.
Alberto de Oliveira
Parado o engenho, extintas as senzalas,
Sem mais senhor, existe inda a fazenda,
A envidraçada casa de vivenda
Entregue ao tempo com as desertas salas.
Se ali penetras, vês em cada fenda
Verdear o musgo e ouves, se acaso falas,
Soturnos ecos e o roçar das alas
De atros morcegos em revoada horrenda.
Amam o luar, entretanto, essas ruínas.
Uma noite, horas mortas, de passagem
Eu a varanda olhava, quando vejo
À janela da frente, entre cortinas
De prata e luz, chegar saudosa imagem
E, unindo os dedos, atirar-me um beijo...
Carlos Arnaud
Eis, qual mármore puro e alabastrina,
Tua figura esculpida pela arte,
Que do tempo resiste à fria parte,
E brilha eterna, Bela Angelina.
Em teus cabelos, negro que fascina,
A luz do sol em fios se reparte,
E nos teus olhos, mares a estandarte,
Onde a beleza encontra a sua sina.
Tua face, em linhas firmes, desenhada
Por mãos divinas, obra consagrada,
Revela o culto à forma, ao ideal.
És na pureza a deusa idolatrada,
Imagem viva, sem igual, encantada,
Bela Angelina, uma mulher monumental.
Alphonsus de Guimaraens
Sempre vivi com a morte dentro da alma,
Sempre tacteei nas trevas de um jazigo.
A sombra que me envolve é eterna e calma,
E sigo sem saber quem vai comigo.
O fantasma que o coração me ensalma
Não me ouve mais as orações que digo.
Não existe no solo uma só palma
Pela alameda olímpica que sigo...
Vós que ao meu lado viestes, visionários
Da esperança! ficastes no caminho,
Envolvidos nas dobras dos sudários...
Que seria de mim, se eu não tivesse
O calor subalar do teu carinho,
Ó minha ânsia, ó meu sonho, ó minha prece!
Corrêa de Araujo
De certo dormes, a tão altas horas,
Horas de espectros pela noite escura;
Lá na vila natal, onde tu moras,
Dormes e sonhas, bela criatura!
Sonhos, tangendo as cítaras sonoras,
Para os céus arrebatam-te a alma pura;
Dormes e eu velo, dormes e ignoras
A saudade infernal que me tortura.
Sonhas talvez com querubins alados,
E eu cismo aqui, entregue ao devaneio
Dos sonhadores e dos namorados...
Dormes, envolta em leves claridades,
E eu velo, e o coração me sangra, cheio
Da mais cruel de todas as saudades.
Alphonsus de Guimaraens
Quando te fores, branca, de mãos postas,
E me deixares neste vale de pranto,
Deitada assim, como as demais, de costas
Sobre o teu leve esquife de pau-santo:
Quando as rosas dos seios, decompostas,
Vierem causar à própria morte espanto,
E nessas tábuas vis, onde te encostas,
Te for o lodo o derradeiro manto:
Ainda hei de ver as lúcidas violetas
Que floriram no teu olhar incerto,
Por sob as tuas sobrancelhas pretas...
Ai! como Inês tu não serás rainha:
Mas amada hás de ser no céu decerto
Porque na terra nunca foste minha...
Corrêa de Araújo
Desfila a procissão... Entre fulgores
Dourados, já declina o sol no poente...
No andor, ornado de ouropéis e flores,
Vai a Santa levada triunfalmente...
Vendo a imagem sagrada, indiferente
Da turba, em roda, aos místicos fervores,
Recordo Essa que adoro doidamente,
Essa por quem enlouqueci de amores.
Meus sonhos junto dela, eram dispersos...
Exibo-a pelas ruas, noite e dia,
Num belo andor, aos ombros dos meus versos.
Alto proclamando-lhe a beleza e a graça...
E em vão! É tudo em vão! Ela é mais fria
Que esta Santa de mármore que passa!...
Alphonsus de Guimaraens
Bendita sois entre as mulheres! Puras
Irradiações de salmos encantados
De glória a ti, Senhora, nas alturas,
Por séculos de séculos sagrados.
Vejo, no entanto, as tuas Amarguras...
Senhora, que há de ser dos desgraçados,
Se tu, a mais feliz das criaturas,
Tens olhos em lágrimas banhados?
Feliz, bem sei, pois és quem Deus mais ama...
Donde me vem que a Mãe do Verbo eterno
Me venha a mim? Santa Isabel exclama.
Passa-te na Alma a inspiração sublime:
E dos teus lábios desce o brando e terno
Hino que a glória da tua Alma exprime...
Gonçalves Crespo
Era austero e sisudo; não havia
Frade mais exemplar nesse convento:
No seu cavado rosto macilento
Um poema de lágrimas se lia.
Uma vez que na extensa livraria
Folheava o triste um livro pardacento,
Viram-no desmaiar, cair do assento,
Convulso, e torvo sobre a lágea fria.
De que morrera o venerando frade?
Em vão busco as origens da verdade,
Ninguém mais disse, explique-a quem puder.
Consta que um bibliófilo comprara
O livro estranho e que, ao abri-lo, achara
Uns dourados cabelos de mulher...
Alphonsus Guimaraens
Voltas a ser de novo aquilo que tu eras.
A evocadora palidez do teu semblante
Faz-me pensar nas Virgens-Monjas de outras eras,
Quando de nós estava o Céu menos distante.
Na áurea correspondência estelar das esferas
A tua Alma nupcial há de passar triunfante.
O teu olhar reflete, entre vagas quimeras,
O Inferno, o Purgatório e o Paraíso de Dante.
Havia tal palidez ao redor do teu vulto,
Que eu disse ao ver-te aqui, nas terrenas idades:
O teu corpo já esteve entre flores sepulto...
Nesses restos de vida arde um fogo celeste:
Passam no teu olhar as longínquas saudades
Do esquife que deixaste ou do Céu de onde vieste...
Corrêa de Araujo
Morria... O abismo embaixo, esboroadas
Fauces horríveis para o espaço abria,
E eu suspenso no vácuo, as mãos pousadas
Nas margens negras, já sem fé morria.
Sei que caí mas que, ao cair, sagradas
Mãos me ampararam na voragem fria;
E, ao despertar, Alguém de asas douradas,
Alguém que eu amo, junto a mim sorria.
Eras tu! Amparaste-me a fugiste:
E eis-me de novo cheio de desditas!
E eis-me de novo desvairado e triste!
E clamo e gemo... que cruel contraste!
És tu agora que me precipitas
No meu abismo donde me tiraste!
Teófilo Dias
Sulcas o ar de um rastro perfumoso
Que os nervos me alvoroça e tantaliza,
Quando o teu corpo musical desliza
Ao hino do teu passo harmonioso.
A pressão do teu lábio saboroso
Verte-me na alma um vinho que eletriza,
Que os músculos me embebe, e nectariza,
E afrouxa-os, num delíquio langoroso.
E quando junto a mim passas, criança,
Revolta e crespa, luxuosa trança,
Na espádua arfando em túrbidos negrumes,
Naufraga-me a razão em sombra densa,
Como se houvera sobre mim suspensa
Uma nuvem de cálidos perfumes!
Augusto Gil
O amor é chama enorme que alumia
E nos consome e gasta o coração.
Uma fagulha o ateia — a simpatia,
Termina em labaredas — a paixão.
Tanto é maior a luz que ele irradia,
Quanto intensa é depois a escuridão.
A indiferença é como a cinza fria
Que fica dessa lenta combustão.
Senhora a quem amei perdidamente,
Não me entristece o seu desdém mordente,
Já nada me preocupa, nem me importa...
Porque, desde que vós me não amais,
O meu corpo doente não é mais
Que a tumba viva da minha alma morta...
Augusto Gil
De banza a tiracolo e capa à trovador,
Eu nunca fui cantar endechas amorosas,
Lirismos de Romeu junto aos balcões em flor,
Por sob o luar dormente e as nuvens vaporosas.
Tão pouco tenho a linha airosa, aristocrata,
Da fina flor do tom, os dândis adamados
Que andam pelos salões, monoculando, à cata
Dum dote que lhes salve a pança de cuidados.
Tenho, como qualquer, a aspiração ideal
Duma noiva gentil, dum ninho conjugal;
Mas tudo se desfaz se penso um só momento
Neste quadro banal, depois do casamento:
O sogro, a sogra, a esposa, um filho já taludo
E eu, muito aborrecido... a olhar para aquilo tudo.
Brasílio Machado
Tudo assim vai: a luz para o adito sombrio,
o verme para o fruto, a flor para o paul;
as asas sobre a chama; o ninho pelo rio;
o espírito na sombra, as nuvens pelo azul;
a fonte para a pedra, a lágrima nos cílios,
nos lábios o soluço, o coração na dor;
a nênia compassando o canto dos idílios,
neblina sobre luz, ciúme sobre amor;
a neve em campo azul, os lírios e a saudade,
o tédio, o sofrimento em plena mocidade,
dos espinhos no ramo, em bando, os colibris...
No entanto quando vem da morte a imagem nua,
ave tonta, nossa alma em lágrimas recua,
se debatendo ao pé do túmulo... feliz!
Antônio Crespo
Fora de portas vive. É silenciosa
A modesta vivenda em que ela habita,
Ali correu-lhe a vida bonançosa,
Ali golpeou-lhe os seios a desdita.
Raro de quando em quando uma visita
Novas lhe traz da vida tumultuosa,
E ela sorrindo a furto, descuidosa,
No azul os olhos em silêncio fita.
Sozinha e triste a pálida viúva,
Por essas noites de invernia e chuva,
A um honesto e feminil labor se entrega.
E, alta noite, levanta, em dor sepulta,
O olhar, que fixa, e demorado prega
No eterno Ausente que num quadro avulta.
Fagundes Varela
Vem despontando a aurora, a noite morre,
Desperta a mata virgem seus cantores,
Medroso o vento no arraial das flores
Mil beijos furta e suspirando corre.
Estende a névoa o manto e o vale percorre,
Cruzam-se as borboletas de mil cores,
E as mansas rolas choram seus amores
Nas verdes balsas onde o orvalho escorre.
E pouco a pouco se esvaece a bruma,
Tudo se alegra à luz do céu risonho
E ao flóreo bafo que o sertão perfuma.
Porém minha alma triste e sem um sonho
Murmura, olhando o prado, o rio, a espuma:
Como isto é pobre, insípido, enfadonho!
Afonso Lopes de Almeida
Essa janela a casa nos amplia...
Por ela, aberta para o panorama,
Vê-se nascer, vê-se morrer o dia,
No esplendor dos crepúsculos em chama.
Dos montes para o plaino, a casaria
Ao pendor das vertentes, se derrama;
Depois, o mar, que ao longe ulula e brama,
Preso na jaula verde da baía.
As destras, finas, hábeis mãos de artista,
A minha Mãe, em frente a essa janela
Urde a trama dos sonhos, imprevista...
E eu, vendo-a, penso então, com os olhos nela:
Se de dentro de casa é linda, a vista,
De fora para dentro, ainda é mais bela!
Nicolau Tolentino
Vens debalde, oh belíssima perjura,
Com o lindo rosto em lágrimas banhado:
Já fui por ti mil vezes enganado,
E sempre me afetaste essa ternura.
Esse alvo peito, que é de neve pura,
Mas de aço, e fino bronze temperado,
Encobre um coração refalseado,
Um coração de viva rocha dura.
Em vão trabalhas, se enganar-me queres,
Vejo correr com ânimo sereno
Esse pranto em que fundas teus poderes:
Mal inventado ardil: ardil pequeno:
Tu mesma me ensinaste, que as mulheres
Misturam com as lágrimas o veneno.
Francisco Mangabeira
Vejo-a por tudo e sempre... Do telhado
A espiar-lhe, entrando com os clarões do dia,
Ou furando a vidraça de lado a lado,
Sempre junta com o sol que além radia.
Por isto eu libo o cálice dourado
Onde treme o licor da fantasia,
Até cair no chão embriagado,
E vela em sonhos, como sempre a via...
Na solidão atroz deste abandono
Como um sonho consola! Que não venha
Algum ditoso perturbar meu sono.
Não me desfaçam este sonho lindo...
Se quer Deus que eu dormindo os gozos tenha,
Passem de longe e deixem-me dormindo!
Ernani Rosas
Noite irmã da tristeza e da ansiedade
e das almas, que ignoram a alegria...
Sombra feita de assomo e claridade,
Evocadora ideal da nostalgia!...
Tua boca não canta uma elegia!
Calou-se a vibração da imensidade...
como um soluço à frouxa luz do dia,
ou, névoa, que velara a eternidade!
Não te ouso contemplar a face escura
e prossigo a cismar à luz dos astros...
Escondendo entre as mãos a fronte impura!
Para ocultar-me a lúgubre presença
do teu espectro, que ficou no rastro
da estrela, que lavrou minha sentença!...
Tobias Barreto
Bela!... nem sentes o ruir da vida,
Celeste arroio que te cobre a planta,
Bafejada dos ecos, estremecida,
Etérea, límpida, impalpável, santa!...
Num fio odoro tua imagem sigo,
Teu nome doce como um hino entoo:
Eleva-me, que amar-te é voar contigo,
Ser águia e de anjo acompanhar-te o voo.
E tua alma também por que não voa?
Podíamos subir, vagar à-toa
Pelo infinito sós;
Eu faria de amor hinos e preces,
Um ninho para ti... Se tu quisesses,
Um ninho para nós...
Cruz e Souza
Pompas e pompas, pompas soberanas
Majestade serene da escultura
A chama da suprema formosura,
A opulência das púrpuras romanas.
As formas imortais, claras e ufanas,
Da graça grega, da beleza pura,
Resplendem na arcangélica brancura
Desse teu corpo de emoções profanas.
Cantam as infinitas nostalgias,
Os mistérios do amor, melancolias,
Todo o perfume de eras apagadas...
E as águias da paixão, brancas, radiantes,
Voam, revoam, de asas palpitantes,
No esplendor do teu corpo arrebatadas!
Luís Delfino
Tinha doze anos; chego; de repente
Enlaça-me com força: vou fugi-la;
Aperta-me inda mais, feroz, tranquila,
Como uma fera angélica e inocente.
Quase achei-me sem mim no atrito quente;
E ao ver-lhe o azul da límpida pupila
Molhar-se todo de um vapor luzente,
E uma inquieta tristeza enfim cobri-la,
Lento e lento arranquei-me dela, e a custo,
E sem que disso ideia exata forme,
Logo um pouco a tremer, num vago susto,
Como cansada de um trabalho enorme,
Sobre o meu colo reclinando o busto,
A face em fogo, e soluçando, - dorme.
Augusto dos Anjos
Pode o homem bruto, adstrito à ciência grave,
Arrancar, num triunfo surpreendente,
Das profundezas do Subconsciente
O milagre estupendo da aeronave!
Rasgue os broncos basaltos negros, cave,
Sôfrego, o solo sáxeo; e, na ânsia ardente
De perscrutar o íntimo do orbe, invente
A lâmpada aflogística de Davy!
Em vão! Contra o poder criador do Sonho
O Fim das Coisas mostra-se medonho,
Como o desaguadouro atro de um rio...
E quando, ao cabo do último milênio,
A humanidade vai pesar seu gênio
Encontra o mundo, que ela encheu, vazio!
Fagundes Varella
Desponta a estrela d’alva, a noite morre.
Pulam no mato alígeros cantores,
E doce a brisa no arraial das flores
Lânguidas queixas murmurando corre.
Volúvel tribo a solidão percorre
Das borboletas de brilhantes cores;
Soluça o arroio; diz a rola amores
Nas verdes balsas donde o orvalho escorre.
Tudo é luz e esplendor; tudo se esfuma
Às carícias da aurora, ao céu risonho,
Ao flóreo bafo que o sertão perfuma!
Porém minha alma triste e sem um sonho
Repete olhando o prado, o rio, a espuma:
Oh! mundo encantador, tu és medonho!
Cruz e Souza
Para as Estrelas de cristais gelados
As ânsias e os desejos vão subindo,
Galgando azuis e siderais noivados
De nuvens brancas a amplidão vestindo...
Num cortejo de cânticos alados
Os arcanjos, as cítaras ferindo,
Passam, das vestes nos troféus prateados,
As asas de ouro finamente abrindo...
Dos etéreos turíbulos de neve
Claro incenso aromal, límpido e leve,
Ondas nevoentas de Visões levanta...
E as ânsias e os desejos infinitos
Vão com os arcanjos formulando ritos
Da Eternidade que nos Astros canta...
Mário Pederneiras
Sob a meiga feição que nos conforta
Da velhice feliz destes Luares,
Sonoro um Sino plange e esta hora morta
Abre em Saudade Roxa pelos Ares.
E logo a Mágoa que este som comporta
Invade os Céus, oscila sobre os Mares,
E a Terra como que feliz suporta
O mais triste de todos os Pesares.
Nem uma sombra neste Céu - nem uma
E deste Eirado nem um som se evola;
Neste vale não afla uma só pluma...
Por esta Noite de alvos tons tristonhos
Em pesado tropel apenas rola
Toda a confusa legião dos Sonhos.
Mário Pederneiras
Da tua branca e solitária Ermida
Por caminhos de Céu que a Lua esmalta
Desces - banhada dessa Luz cobalta
O linho de Asa abrindo sobre a Vida.
Nada teu Passo calmo sobressalta
E quando a Mágoa as Almas intimida
Das Ilusões a turba renascida
Em ronda espalhas pela Noite alta.
E a claridade que se faz é tanta
Que logo a Terra fica cheia dessa
Sonora e estranha Luz que alegra e canta.
E iluminada de um Luar de Outono
A Alma feliz e impávida atravessa
A vasta e longa escuridão do Sono.
Luis Delfino
Quando vejo o teu corpo doentio
Tremer, como haste branda a vento forte,
Amortalha-me um hirto calafrio,
Como se me tocasse a asa da morte.
Um pensamento lôbrego e sombrio
De alguém, que o doce e tênue fio corte
De tua vida, assalta-me; mas rio,
Pensando que hei de ter a mesma sorte.
Tu não podes descer à sepultura,
Sem que leves as horas de ventura,
Que em ti achou minha alma, um vasto arneiro.
Em teu trespasse, pois, quando tu fores,
Morram os sóis no céu, no campo as flores...
E, olha, espera, até logo, eu vou primeiro...
Olavo Bilac
Engelhadas as faces, os cabelos
Brancos, ferido, chegas da jornada;
Revês da infância os dias; e, ao revê-los,
Que fundas mágoas na alma lacerada!
Paras. Palpas a treva em torno. Os gelos
Da velhice te cercam. Vês a estrada
Negra, cheia de sombras, povoada
De atros espectros e de pesadelos...
Tu, que amaste e sofreste, agora os passos
Para meu lado moves. Alma em prantos,
Deixas os ódios do mundano inferno...
Vem! que enfim gozarás entre meus braços
Toda a volúpia, todos os encantos,
Toda a delícia do repouso eterno!
Olavo Bilac
Foram-te os anos consumindo aquela
Beleza outrora viva e hoje perdida...
Porém teu rosto da passada vida
Inda uns vestígios trêmulos revela.
Assim, dos rudes furacões batida,
Velha, exposta aos furores da procela,
Uma árvore de pé, serena e bela,
Inda se ostenta, na floresta erguida
Raivoso o raio a lasca, e a estala, e a fende...
Racha-lhe o tronco anoso... Mas, em cima,
Verde folhagem triunfal se estende.
Mal segura no chão, vacila... Embora!
Inda os ninhos conserva, e se reanima
Ao chilrear dos pássaros de outrora...
Luís Delfino
Eu dizia-lhe um dia: - Essa brancura
De tua carne outrora resplendente
Não vem de um sangue rubro, um sangue quente,
Como pedia a tua formosura.
Que mágoa funda os seios te amargura?
Ninguém sabe que sofres realmente,
Diz-me porém o coração ardente
Que em ti se encontra o amor que se procura.
Quanto mais em ti desço, e mais te sondo,
Quase louca paixão por ti eu sinto...
Aos dois pomos de neve as mãos te pondo,
Nua, e em pé, como estátua sobre um plinto.
Loura cabeça ao colo alvo e redondo,
Murmuraste, inclinando: - Eu nunca minto.
Olavo Bilac
Sonhei que me esperavas. E, sonhando,
Saí ansioso por te ver: corria...
E tudo, ao ver-me tão depressa andando,
Soube logo o lugar para onde eu ia.
E tudo me falou, tudo! Escutando
Meus passos, através da ramaria,
Dos despertados pássaros o bando:
“Vai mais depressa! Parabéns!” dizia.
Disse o luar: “Espera! Que eu te sigo:
Quero também beijar as faces dela!”
E disse o aroma: “Vai, que eu vou contigo!”
E cheguei. E, ao chegar, disse uma estrela:
“Como és feliz! como és feliz, amigo,
Que de tão perto vais ouvi-la e vê-la!”
Luís Delfino
Morre: ninguém te há de querer tão fria,
Nem contigo dormir no mesmo leito;
Ninguém mais ouça, dentro do teu peito,
Bater-te o coração como batia.
Na tua alcova há de cantar o dia;
E o ninho, onde emplumou teu corpo, feito
Do que o céu tem de bom e há de harmonia,
Fique a estranho ludíbrio enfim sujeito.
Leva contigo a luz da tua aurora,
Leva a cruz branca dos teus braços, corta
Tudo que a ti me prende e vai-te embora.
Como és bela inda assim!... isso que importa?
Enquanto em torno tudo é triste e chora...
Oh! que alegria eu sinto em ver-te morta!...
José Albano
Ditoso quem foi sempre desamado
Nem nunca na alma viu pintar-se o gozo
Que lhe promete estado venturoso
Para depois deixá-lo em triste estado.
Já me de todo agora persuado
De que não pôde haver brando repouso
E do afeto mais doce e deleitoso
Se gera às vezes o maior cuidado.
Não quero boa sorte nem sonhá-la,
Pois logo passa, apenas se revela,
Com uma dor que outra nenhuma iguala.
Mas quem desconheceu benigna estrela,
Se não teve a alegria de alcançá-la,
Nunca teve o desgosto de perdê-la.
Cruz e Souza
Eu não busco saber o inevitável
Das espirais da tua vi matéria.
Não quero cogitar da paz funérea
Que envolve todo o ser inconsolável.
Bem sei que no teu círculo maleável
De vida transitória e mágoa seria
Há manchas dessa orgânica miséria
Do mundo contingente, imponderável.
Mas o que eu amo no teu ser obscuro
E o evangélico mistério puro
Do sacrifício que te torna heroína.
São certos raios da tua alma ansiosa
E certa luz misericordiosa,
E certa auréola que te fez divina!
Cruz e Souza
Uma hora só que o teu perfil se afasta,
Um instante sequer, um só minuto
Desta casa que amo — vago luto
Envolve logo esta morada casta.
Tua presença delicada basta
Para tudo tornar claro e impoluto...
Na tua ausência, da Saudade escuto
O pranto que me prende e que me arrasta...
Secretas e sutis melancolias
Recuadas na Noite dos meus dias
Vêm para mim, lentas, se aproximando.
E em toda casa, nos objetos, erra
Um sentimento que não é da Terra
E que eu mudo e sozinho vou sonhando...
Olavo Bilac
Treme o rio, a rolar, de vaga em vaga...
Quase noite. Ao sabor do curso lento
Da água, que as margens em redor alaga,
Seguimos. Curva os bambuais o vento.
Vivo há pouco, de púrpura, sangrento,
Desmaia agora o ocaso. A noite apaga
A derradeira luz do firmamento.
Rola o rio, a tremer, de vaga em vaga.
Um silêncio tristíssimo por tudo
Se espalha. Mas a lua lentamente
Surge na fímbria do horizonte mudo:
E o seu reflexo pálido, embebido
Como um gládio de prata na corrente,
Rasga o seio do rio adormecido.
Alphonsus de Guimaraens
Bem me valeu rezar e ser humilde e justo,
E erguer ao céu piedoso os olhos compassivos:
O dragão que eu temia apareceu-me, o busto,
Fulvo, no resplendor dos clarões redivivos...
Tombei de joelhos, sem poder lutar, a custo,
Diante da luz de sete olhos contemplativos.
Brilhava um sol qualquer no imóvel céu adusto,
Como nunca se viu neste mundo de vivos.
E os sete olhos do monstro olhavam-me, esperando
Que a minha alma cedesse à torpeza sombria
Dos pecados mortais, cada qual mais nefando.
Silêncio e morte em que me vi! Sobressaltada
A minha alma acordou, e o dragão que eu temia,
Fugindo, ante o sinal da cruz desfez-se em nada...
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