Os Mais Belos Sonetos

Coletânea de sonetos escritos por poetas brasileiros, lusos e de outros paises

Juvenal Antunes
 
Para os beijos de outrora, não me chamas,
Nem teus braços me chamam como outrora...
Chamo-te em vão! Não vens! Já não me amas...
Amas a outro, talvez que a alma te implora!

Que vale um poeta que se queixa e que chora,
Por quem nem uma lágrima derramas?
E quem se desengana de hora em hora,
Sem decifrar, indecifráveis tramas?

Laura, hoje eu sou um mísero exilado
Que, para alheias terras exportado,
Há de morrer em breve de saudade!

Mas, se a vida no espaço continua,
De lá, do quente sol ou da fria lua,
Eu te amarei com a mesma intensidade!

Augusta Campos

Tenho saudade de umas mãos amigas,
mãos de silêncios doces e eloquentes,
mãos que teciam versos e cantigas
na luz dourada e mística dos poentes.

Resta-me, agora, o peso das fadigas.
E, agora, em minhas mãos sós e frementes,
em vez da ardência das paixões antigas,
sinto horas frias de emoções ausentes.

Mãos amigas, amantes, namoradas,
mãos que embalaram ternas madrugadas
e acalentaram formas e segredos.

Em minhas mãos morreram primaveras.
E eu tenho, agora, inverno e vãs esperas
e saudades chorando nos meus dedos.

Agripino Grieco

Naquele quarto estreito e abandonado,
onde passo, estirado numa rede,
horas de tédio, enquanto o sol despede
as setas de ouro sobre o campo ao lado,

esquecido num canto, e, da parede
junto, entre flores, vasos e um bordado,
há um velho copo de cristal lavrado,
em que, às vezes, aplaco o ardor da sede.

Conta-se que esse copo pertencera,
outrora, a uma esquisita e romanesca
jovem, que nele, muita vez bebera.

E ainda hoje a extravagar cabeça louca!
se ao lábio o levo, sinto na água fresca
o perfume e o sabor daquela boca... 

Alceu Wamosy

Pulcras liriais, bizarramente claras,
Carnes divinas, virginais e puras,
Na ostentação de correções preclaras
E de preclaras pompas e brancuras...

Carnes que sois as sacrossantas aras,
De vagas e de ignotas formosuras...
Ó carnes esquisitas carnes, carnes raras,
De esquisitas e raras contexturas!...

Carnes dadas, sem mancha, em holocausto
Ao amor, e do amor florindo ao fausto,
Virgens da tentação, salvas do vício!

Carnes extraordinárias e perfeitas,
Eleitas para um alto gozo — eleitas
Para o prazer e para o sacrifício!... 

Aníbal Teófilo

Em solitária, plácida cegonha,
Imersa num cismar ignoto e vago,
Num fim de ocaso, à beira azul de um lago,
Sem tristeza, quem há que os olhos ponha?

Vendo-a, Senhora, vossa mente sonha
Talvez, que o conde de um palácio mago,
Loura fada perversa, em tredo afago,
Mudou nessa pernalta erma e tristonha.

Mas eu, que em prol da Luz, do pétreo, denso
Véu do Ser ou Não Ser, tento a escalada
Qual morosa, tenaz, paciente lesma,

Ao vê-la assim mirar-se na água, penso
Ver a Dúvida Humana debruçada
Sobre a angústia infinita de si mesma.

Augusto dos Anjos

No tempo de meu Pai, sob estes galhos,
Como uma vela fúnebre de cera,
Chorei bilhões de vezes com a canseira
De inexorabilíssimos trabalhos!

Hoje, esta árvore de amplos agasalhos
Guarda, como uma caixa derradeira,
O passado da flora brasileira
E a paleontologia dos Carvalhos!

Quando pararem todos os relógios
De minha vida, e a voz dos necrológios
Gritar nos noticiários que eu morri,

Voltando à pátria da homogeneidade,
Abraçada com a própria Eternidade,
A minha sombra há de ficar aqui!

Antero Bloem

Quando depões sobre o teu Cristo amado,
- Esse Cristo que pende de teu peito,
Ungido de ternura e de respeito -
Um beijo de teu lábio imaculado,

Eu, sacrílego, sinto-me levado
- Ou seja por inveja, ou por despeito -
A arrebatar o Cristo do teu peito
E em teu peito morrer crucificado.

Mas quando vejo, do teu lábio crente,
Cair sobre Jesus a prece ardente,
Talvez por nosso amor, talvez por mim,

Ardo na chama intensa dos desejos
De, arrependido, sufocar meus beijos
Nesse teu alvo Cristo de Marfim. 

Augusto dos Anjos

Das trombetas proféticas o alarde
Falou-lhe, por seus onze augúrios certos:
“É maldito o teu nome! E aos céus abertos,
Não há divina proteção que o guarde!”

Dúvidas cruéis! Momentos cruéis! Incertos
E cruéis momentos! Ânsias cruéis! E, à tarde,
Saiu aos tombos, como um cão covarde,
A percorrer desertos e desertos...

E, assombrado, com medo do Infinito,
Por toda a parte, onde, aos tropeços, ia,
Por toda a parte viu seu nome escrito!

Vieram-lhe as ânsias. Teve sede e fome...
E foi assim que ele morreu um dia
Amaldiçoado pelo próprio nome!

Luís Guimarães Júnior

Quando Satã, o Arcanjo fulminado,
Pelas divinas mãos, a criatura
Obra de Deus - encarcerar procura
Entre as brônzeas muralhas do Pecado,

Explora o mundo inteiro disfarçado:
É o Ódio, a Guerra, é a Avareza impura,
A Luxúria venal, a torva e escura
Vingança... E sempre, sempre transformado,

A raça humana, estólida e ignorante,
Lança aos martírios dum cruel tormento
Mais pavoroso que as visões do Dante.

Ah! quando chega a minha vez intento
Salvar-me - Em vão! - O infame nesse instante
É mais atroz ainda: - é o Pensamento.

Luís Edmundo

Nesta vida de ásperos caminhos,
A Ventura, querida, é como a rosa:
Nasce cercada de cruéis espinhos.
E é por isso que a vida é tormentosa.

Punhais agudos, ríspidos, daninhos,
Servem de escudo à nossa mão nervosa.
Ventura, tu que embriagas como os vinhos,
Por que és, assim, tal falsa e caprichosa?

Meu amor, tu que a buscas, tem cuidado;
Que o teu gesto não seja desastrado
A erguer, assim, a tua mão formosa.

Não imaginas como sofreria,
Se te visse chorar, descrente, um dia!
A Ventura, querida, é como rosa...   

Castro Alves

Se houvesse ainda talismã bendito
que desse ao pântano - a corrente pura,
musgo - ao rochedo, festa - à sepultura,
das águias negras - harmonia ao grito...

Se alguém pudesse ao infeliz precito
dar lugar no banquete da ventura...
E trocar-lhe o velar da insônia escura
no poema dos beijos - infinito...

Certo... serias tu, donzela casta,
quem me tomasse em meio do Calvário
a cruz de angústia que o meu ser arrasta!...

Mas se tudo recusa-me o fadário,
na hora de expirar, ó Dulce, basta
morrer beijando a cruz de teu rosário!...

Luís Delfino

Quando a primeira lágrima, caindo,
pisou a face da mulher primeira,
o rosto dela assim ficou tão lindo
e Adão beijou-a de uma tal maneira,

que anjos e tronos, pelo espaço infindo,
- como uma catadupa prisioneira -
as seis asas de luz e de ouro abrindo,
rolaram numa esplêndida carreira...

Alguns, pousando à próxima montanha,
queriam ver de perto os condenados
 de dor transidos, na agonia estranha...

E, ante o fulgor dos beijos redobrados,
todos pediam punição tamanha,
ansiosos, mudos, trêmulos, pasmados... 

Virgínia Vitorino

Antes eu resistisse; antes não fosse
Tão longe a exaltação do meu desejo!
Quis um amor sincero, calmo e doce;
Tive-o tão perto e tão distante o vejo!

Passa agora por mim como um cortejo
De sombras e saudades… Apagou-se
A nota musical do último beijo…
– E aquele amor só dúvidas me trouxe!

Foste. Não voltarás. No entanto, calma,
Se penso em ti, descubro na minh´alma
Que já não te pertenço nem te quero.

Não voltas. Sem um grito, sem barulho,
Vou sufocando em lágrimas o orgulho
E embora saiba que não vens… espero!

Augusto dos Anjos

Para o vale noital da eterna gaza
Rolou o Sol - imenso moribundo -
E a noite veio na negrura de uma asa,
Santificada pela Dor do Mundo!

Uma luz, entanto, no negror me abrasa,
E um canto vai morrer no vale fundo...
Que luz é esta que das brumas vasa,
Que canto é este, virginal, profundo?!

Rumores santos... e no santo arpejo, 
Somente tristes os teus olhos vejo,
Para o Infinito e para o Céu voltados!

Cantas, e é noite de fatais abrolhos...
Choras, e no meu peito estes teus olhos
Como que cravam dois punhais gelados! 

Augusto dos Anjos

Vamos, querida! Já é Ave-Maria
- A hora dos tristes e dos descontentes.
Desfaz-se o peito em vibrações dormentes
E o Fado geme sob a névoa fria!

Que eu sinta n’alma o que tu n’alma sentes!
Nesta Missa de Atroz Melancolia
Bebes chorando o Vinho da Agonia
- Consagração das almas padecentes!

Foi numa tarde assim que nos amamos.
Silfos morriam... No ar, os gaturamos
Num recesso de névoa, adormecida...

Punge-me o peito da Saudade o cardo
Enquanto um mocho, sonolento e tardo,
Canta no espaço a maldição da Vida! 

Olavo Bilac

Se ao mesmo gozo antigo me convidas,
Com esses mesmos olhos abrasados,
Mata a recordação das horas idas,
Das horas que vivemos apartados!

Não me fales das lágrimas perdidas,
Não me fales dos beijos dissipados!
Há numa vida humana cem mil vidas,
Cabem num coração cem mil pecados!

Amo-te! A febre, que supunhas morta,
Revive. Esquece o meu passado, louca!
Que importa a vida que passou? que importa,

Se inda te amo, depois de amores tantos,
E inda tenho, nos olhos e na boca,
Novas fontes de beijos e de prantos?!

Carvalho Júnior

Odeio as virgens pálidas, cloróticas,
beleza de missal que o romantismo
hidrófobo apregoa em peças góticas,
escritas nuns acessos de histerismo.

Sofismas de mulher, ilusões óticas,
raquíticos abortos de lirismo,
sonhos de carne, compleições exóticas,
desfazem-se perante o realismo.

Não servem-me esses vagos ideais
da fina transparência dos cristais,
almas de santa e corpo de alfenim.

Prefiro a exuberância dos contornos,
as belezas da forma, seus adornos,
a saúde, a matéria, a vida enfim.

Filinto de Almeida

A velhice é cansaço... E esse cansaço
não nos vem de trabalho ou movimento...
O que ora faço é demorado e lento
e acho malfeito o pouco que ainda faço.

Tudo me cansa: até o pensamento!
Já pouquíssimo ando e arrasto o passo...
quase sempre dorminte ou sonolento,
vivo uma triste vida de madraço.

Nunca fui mandrião nem calaceiro,
nem também muito ativo, é bem que o diga,
mas domei sempre a inércia, sobranceiro.

Agora, a própria inércia me castiga,
pois se acaso repouso um dia inteiro
esse mesmo repouso me fatiga!

Luís Delfino

Estava no caixão como num leito,
palidamente fria e adormecida;
as mãos cruzadas sobre o casto peito,
e em cada olhar sem luz um sol sem vida.

Pés atados com fita em nó perfeito,
de roupas alvas de cetim vestida,
o torso duro, rígido, direito,
a face calma, lânguida, abatida...

O diadema das virgens sobre a testa,
níveo lírio entre as mãos, toda enfeitada,
mas como noiva que cansou da festa...

Por seis cavalos brancos arrancada,
onde vais tu dormir a longa sesta
na mole cama em que te vi deitada?

Junqueira Freire

Arda de raiva contra mim a intriga,
morra de dor a inveja insaciável;
destile seu veneno detestável
a vil calúnia, pérfida inimiga.

Una-se todo, em traiçoeira liga,
contra mim só o mundo miserável.
Alimente por mim ódio entranhável
o coração da terra que me abriga.

Sei rir-me da vaidade dos humanos;
sei desprezar um nome não preciso;
sei insultar uns cálculos insanos.

Durmo feliz sobre o suave riso
de uns lábios de mulher gentis, ufanos;
e o mais que os homens são, desprezo e piso.

José Maria do Amaral

Passaste como a estrela matutina,
que se some na luz pura da aurora;
da vida só viveste aquela hora
em que a existência em flor luz sem neblina.

Ver-te e perder-te! De tão triste sina
não passa a mágoa em mim, antes piora;
sem ver-te já, minh'alma ainda te adora
em triste culto que a saudade ensina.

Não vivo aqui; a vida em ti só ponho.
Na fé, de Cristo filha, a dor abrigo,
futuro em ti no céu vejo risonho!

Neste mundo, meu mundo é teu jazigo;
dizem que a vida é triste e falaz sonho,
se é sonho a vida, sonharei contigo.

Pe. Antônio Tomás

Sobre a cama de ferro estreita e dura,
Soltando tristes ais, fundos lamentos,
Se estorce a enferma, em bruscos movimentos,
Presa nas garras de feroz tortura.

No entanto, ao pé do leito, o velho cura,
Que veio ministrar-lhe os sacramentos,
Entoa em graves, místicos acentos,
Longas preces ungidas de amargura.

Um gemido mais alto os ares corta,
E, de repente, enfia pela porta
Loura criança, rechonchuda e linda,

E à enferma inquire, - os olhos rasos d'água
E a voz repleta de infinita mágoa:
Ó mamãezinha, dói-lhe muito ainda?

Basílio da Gama

Já, Marfísia cruel, me não maltrata
Saber que usas comigo de cautelas,
Que inda te espero ver, por causa delas,
Arrependida de ter sido ingrata.

Com o tempo, que tudo desbarata,
Teus olhos deixarão de ser estrelas;
Verás murchar no rosto as faces belas,
E as tranças de ouro converter-se em prata:

Pois se sabes que a tua formosura
Por força há de sofrer da idade os danos,
Por que me negas hoje esta ventura?

Guarda para seu tempo os desenganos,
Gozemo-nos agora, enquanto dura,
Já que dura tão pouco a flor dos anos.

Martins Fontes

Mais do que à própria vida, deveremos
Amar a Vida em sua plenitude.
A inconstância no amor não condenemos,
Porque esta falta pode ser virtude.

Ser fiel a um amor, se nunca o pude,
Fui ao Amor fiel, nos seus extremos:
Este, sendo imutável, não ilude,
E os desvios daquele são supremos...

Seja a forma de amor que se pressinta,
Por mais tênue, mais tímida e indistinta,
Deve-se bendizer, sem comparar.

Como a ausência produz o desengano,
Sobrenobrece o coração humano
Ser inconstante, sem deixar de amar.

Artur Azevedo

Quando não vens, formosa desumana,
E, saudoso de ti, sem ti me deito,
Fica tão espaçoso o nosso leito,
Que me parece o campo de Sant'Ana!

Quando não vens, oh! pálida tirana,
Torna-se lúgubre o quartinho estreito!
Com muitas flores, flor, debalde o enfeito:
Falta-lhe a flor das flores soberana.

Se vens, é natural que isso me apraza;
Mas, se não vens, quanta amargura, quanta
As próprias coisas sentem nesta casa!

É o relógio, porém, que mais me espanta,
Pois se não vens, o mísero se atrasa,
E, se vens, o ditoso se adianta!

Antero de Quental

Dorme a noite encostada nas colinas.
Como um sonho de paz e esquecimento
Desponta a lua. Adormeceu o vento,
Adormeceram vales e campinas…

Mas a mim, cheia de atrações divinas,
Dá-me a noite rebate ao pensamento.
Sinto em volta de mim, tropel nevoento,
Os Destinos e as Almas peregrinas!

Insondável problema!… Apavorado
Recua o pensamento!… E já prostrado
E estúpido à força de fadiga,

Fito inconsciente as sombras visionárias,
Enquanto pelas praias solitárias
Ecoa, ó mar, a tua voz antiga.

Olavo Bilac

“Sofro… Vejo envasado em desespero e lama
Todo o antigo fulgor, que tive na alma boa;
Abandona-me a glória; a ambição me atraiçoa;
Que fazer, para ser como os felizes?” - Ama!

“Amei… Mas tive a cruz, os cravos, a coroa
De espinhos, e o desdém que humilha, e o dó que infama;
Calcinou-me a irrisão na destruidora chama;
Padeço! Que fazer, para ser bom?” - Perdoa!

“Perdoei… Mas outra vez, sobre o perdão e a prece,
Tive o opróbrio; e outra vez, sobre a piedade, a injúria;
Desvairo! Que fazer, para o consolo?” - Esquece!

“Mas lembro… Em sangue e fel, o coração me escorre;
Ranjo os dentes, remordo os punhos, rujo em fúria…
Odeio! Que fazer, para a vingança?” - Morre!

Antero de Quental

Disse ao meu coração: Olha por quantos
Caminhos vãos andamos! Considera
Agora, desta altura, fria e austera,
Os ermos que regaram nossos prantos…

Pó e cinzas, onde houve flor e encantos!
E a noite, onde foi luz a Primavera!
Olha a teus pés o mundo e desespera,
Semeador de sombras e quebrantos!

Porém o coração, feito valente
Na escola da tortura repetida,
E no uso do pensar tornado crente,

Respondeu: Desta altura vejo o Amor!
Viver não foi em vão, se isto é vida,
Nem foi demais o desengano e a dor.

Augusto dos Anjos

E todo o dia eu vou como um perdido
De dor, por entre a dolorosa estrada,
Pedir a Dulce, a minha bem amada,
A esmola dum carinho apetecido.

E ela fita-me, o olhar enlanguescido,
E eu balbucio trêmula balada:
- Senhora, dai-me uma esmola - e estertorada
A minha voz soluça num gemido.

Morre-me a voz, e eu gemo o último harpejo,
Estendo à Dulce a mão, a fé perdida,
E dos lábios de Dulce cai um beijo.

Depois, como este beijo me consola!
Bendita seja a Dulce! A minha vida
Estava unicamente nessa esmola.

C. S. Oliveira

Sabem os Céus, enquanto eu vago, errante,
A dúvida que em mim se faz presente,
Quando a lembrança dela vem-me à mente,
E em pensamentos vejo o seu semblante.

Todo o seu ser pra mim é fascinante.
Eu a venero tanto, ardentemente…
Mas não ouso dizê-lo abertamente,
E a dúvida é cruel - dor lancinante…

Eu temo - ah, como temo, num momento,
Dizê-la o quanto sinto - pois é vero,
Perdê-la então - pois sei, não a mereço!

Consolo eu clamo a Deus, a tal tormento
- Andar pensando em quem tanto venero,
Sem ser merecedor de seu apreço!

Augusto dos Anjos

Como uma ave, cindindo os céus risonhos,
Meiga, tu vinhas a cindir os ares,
E, qual hóstia, caindo dos altares,
Foste caindo na ara dos meus sonhos.

E eu vi os seios teus virem inconhos
- Esses teus seios que os cerúleos lares
Branquejaram de eternos nenúfares,
Para nunca tocarem negros sonhos!

Caíste enfim no meu sacrário ardente,
E eu quis beijar-te o lábio redolente,
Quiseste-me beijar a ara do peito.

E beijei-te, mas eis que neste enleio,
Tocando na ara negra o níveo seio,
Caíste morta ao celestial preceito.

Auta de Souza

Morrer… morrer… morrer… Fechar na terra os olhos
A tudo o que se ama, a tudo o que se adora;
E nunca mais ouvir a música sonora
Da ilusão a cantar da vida nos refolhos…

Sentir o coração ferir-se nos escolhos
De tormentoso mar, – pobre vaga que chora! –
E no arranco final da derradeira hora,
Soluçando morrer num oceano de abrolhos.

Nem ao menos beijar – ó supremo desgosto! –
A mão doce e fiel que nos enxuga o rosto
Mostrando-nos o Céu suspenso de uma Cruz…

E perguntar a Deus na agonia e nas trevas:
Onde fica, Senhor, a terra a que nos levas,
Com as mãos postas no seio e os dois olhos sem luz?!

Elizabeth Barrett Browning

Amo-te quanto em largo, alto e profundo
Minha alma alcança quando, transportada,
Sente, alongando os olhos deste mundo,
Os fins do Ser; a Graça entressonhada.

Amo-te em cada dia, hora e segundo:
À luz do sol, na noite sossegada.
E é tão pura a paixão de que me inundo
Quanto o pudor dos que não pedem nada

Amo-te com o doer das velhas penas;
Com sorrisos, com lágrimas de prece,
E a fé da minha infância, ingênua e forte.

Amo-te até nas coisas mais pequenas.
Por toda a vida. E, assim Deus o quisesse,
Ainda mais te amarei depois da morte.

Manuel du Bocage

Se é doce no recente, ameno Estio
Ver toucar-se a manhã de etéreas flores,
E, lambendo as areias e os verdores,
Mole e queixoso deslizar-se o rio;

Se é doce no inocente desafio
Ouvirem-se os voláteis amadores,
Seus versos modulando e seus ardores
Dentre os aromas de pomar sombrio;

Se é doce mares, céus ver anilados
Pela quadra gentil, de Amor querida,
Que esperta os corações, floreia os prados,

Mais doce é ver-te de meus ais vencida,
Dar-me em teus brandos olhos desmaiados.
Morte, morte de amor, melhor que a vida.

Cruz e Sousa

Às vezes na tua alma que adormece
Tanto e tão fundo, alguma voz escuto
De timbre emocional, claro, impoluto
Que uma voz bem amiga me parece.

E fico mudo a ouvi-la como a prece
De um meigo coração que estará de luto
E livre, já, de todo o mal corruto,
Mesmo as afrontas mais cruéis esquece.

Mas outras vezes, sempre em vão, procuro
Dessa voz singular o timbre puro,
As essências do céu maravilhosas.

Procuro ansioso, inquieto, alvoroçado,
Mas tudo na tua alma está calado,
No silêncio fatal das nebulosas.

Cruz e Sousa

Lá, nas celestes regiões distantes,
No fundo melancólico da Esfera,
Nos caminhos da eterna Primavera
Do amor, eis as estrelas palpitantes.

Quantos mistérios andarão errantes,
Quantas almas em busca da Quimera,
Lá, das estrelas nessa paz austera
Soluçarão, nos altos céus radiantes.

Finas flores de pérolas e prata,
Das estrelas serenas se desata
Toda a caudal das ilusões insanas.

Quem sabe, pelos tempos esquecidos,
Se as estrelas não são os ais perdidos
Das primitivas legiões humanas?!

Olavo Bilac

Quando uma virgem morre, uma estrela aparece,
Nova, no velho engaste azul do firmamento:
E a alma da que morreu, de momento em momento,
Na luz da que nasceu palpita e resplandece.

Ó vós, que, no silêncio e no recolhimento
Do campo, conversais a sós, quando anoitece,
Cuidado! - o que dizeis, como um rumor de prece,
Vai sussurrar no céu, levado pelo vento...

Namorados, que andais, com a boca transbordando
De beijos, perturbando o campo sossegado
E o casto coração das flores inflamando,

- Piedade! elas vêem tudo entre as moitas escuras...
Piedade! esse impudor ofende o olhar gelado
Das que viveram sós, das que morreram puras!

Cruz e Sousa

O vinho negro do imortal pecado
Envenenou nossas humanas veias
Como fascinações de atras sereias
E um inferno sinistro e perfumado.

O sangue canta, o sol maravilhado
Do nosso corpo, em ondas fartas, cheias.
como que quer rasgar essas cadeias
Em que a carne o retém acorrentado.

E o sangue chama o vinho negro e quente
Do pecado letal, impenitente,
O vinho negro do pecado inquieto.

E tudo nesse vinho mais se apura,
Ganha outra graça, forma e formosura,
Grave beleza de esplendor secreto.

Florbela Espanca

Quanta mulher no teu passado, quanta!
Tanta sombra em redor! Mas que me importa?
Se delas veio o sonho que conforta,
A sua vinda foi três vezes santa!

Erva do chão que a mão de Deus levanta,
Folhas murchas de rojo à tua porta…
Quando eu for uma pobre coisa morta,
Quanta mulher ainda! Quanta! Quanta!

Mas eu sou a manhã: apago estrelas!
Hás de ver-me, beijar-me em todas elas,
Mesmo na boca da que for mais linda!

E quando a derradeira, enfim, vier,
Nesse corpo vibrante de mulher
Será o meu que hás de encontrar ainda…

Bernardino Lopes

Recordo: um largo verde e uma igrejinha,
Um sino, um rio, um pontilhão e um carro
De três juntas bovinas, que ia e vinha
Rinchando alegre, carregando barro.

Havia a escola, que era azul e tinha
Um mestre mau, de assustador pigarro
(Meu Deus! que é isto, que emoção a minha
Quando estas coisas tão singelas narro?)...

"Seu" Alexandre, um bom velhinho rico,
Que hospedara a Princesa; o tico-tico
Que me acordava de manhã, e a serra...

Com o seu nome de amor Boa-Esperança,
Eis tudo quanto guardo na lembrança
Da minha pobre e pequenina terra!

Alphonsus de Guimaraens

Vagueiam suavemente os teus olhares
pelo amplo céu todo franjado em linho:
comprazem-te as visões crepusculares…
Tu és uma ave que perdeu o ninho.

Em que nichos dourados, em que altares
repousas, anjo errante, de mansinho?
E penso, ao ver-te envolta em véus de luares,
que vês no azul o teu caixão de pinho.

És a essência de tudo quanto desce
do solar das celestes maravilhas…
- Harpa dos crentes, cítola da prece.

Lua eterna que não tivesse fases,
cintilas branca, imaculada brilhas,
e poeiras de astros nas sandálias trazes…

Alberto de Oliveira

“Deixa-me entrar, - dizia o sol - suspende
A cortina, soabre-te! Preciso
O íris trêmulo ver que o sonho acende
Em seu sereno virginal sorriso.

Dá-me uma fresta só do paraíso
Vedado, se o ser nele inteiro ofende...
E eu, como o eunuco, estúpido, indeciso,
Ver-lhe-ei o rosto que na sombra esplende.”

E, fechando-se mais, zelosa e firme,
Respondia a janela: “Tem-te, ousado!
Não te deixo passar! Eu, néscia, abrir-me!

E esta que dorme, sol, que não diria
Ao ver-te o olhar por trás do cortinado,
E ao ver-se a um tempo desnudada e fria?!”

Bernardino Lopes

Lembrei-me, há dias, de ir viver na roça,
Entre sombras de chácara verdoenga,
Numa casinha, à imitação flamenga,
Ou mesmo dentro de uma pobre choça,

Sobre a montanha; um sítio de araponga,
Onde, se tu me acompanhar quiseres,
Acharás o preciso aos teus misteres,
Prevendo o caso de uma estada longa.

Mas que da nossa habitação tranquila
Aviste-se o caminho, a igreja, a vila,
O rio, a ponte, as terras de lavoura...

Pode ser que a mudança te aproveite
E eu veja ao colo, a te sugar o leite,
Um róseo anjinho de cabeça loura!

Artur Azevedo

Tu és dona de mim, tu me pertences,
e, neste delicioso cativeiro,
não queres crer que, ingrato e bandoleiro,
possa eu noutra pensar, ou noutro penses.

Doce cuidado meu, não te convences
de que tudo na terra é passageiro,
frívolo, fútil, rápido, ligeiro,
e a pertinácia do erro teu não vences!

Num belo dia - hás de tu ver - desaba
esta velha afeição, funda e comprida,
que tanta gente nos inveja e gaba...

Choras? Para que lágrimas, querida?
Naturalmente o amor também se acaba,
como tudo se acaba nesta vida.

Olavo Bilac

Dormes... Mas que sussurro a umedecida
Terra desperta? Que rumor enleva
As estrelas, que no alto a Noite leva
Presas, luzindo, à túnica estendida?

São meus versos! Palpita a minha vida
Neles, falenas que a saudade eleva
De meu seio, e que vão, rompendo a treva,
Encher teus sonhos, amiga adormecida!

Dormes, com os seios nus, no travesseiro
Solto o cabelo negro… e ei-los, correndo,
Doudejantes, sutis, teu corpo inteiro

Beijam-te a boca tépida e macia,
Sobem, descem, teu hálito sorvendo
Por que surge tão cedo a luz do dia?!

Guilherme de Almeida

Falam muito de nós. Quanta maldade,
quanta maledicência, quanta intriga!
"É um pobre sonho de felicidade..."
"É um romance de amor à moda antiga!"

"Isso não passa de uma história, que há de
acabar como todas..." E há quem diga:
"Já são muito mal vistos na cidade
aquele moço e aquela rapariga!"

Diz-se... E eu sinto, num trêmulo alvoroço,
que vou ficando cada vez mais moço,
que vais ficando cada vez mais bela...

Nosso mundo (fale o outro: pouco importa!)
fica todo entre o quadro de uma porta
e o retângulo azul de uma janela.

Emílio de Menezes

Baixaste sobre mim teu olhar funerário
Numa resignação piedosa de hora extrema,
E as pálpebras caindo em alvas de sudário
Velaram-me de todo a luz clara e suprema,

E tateante no mundo hostil, no mundo vário,
Sem outro guia, sem outra alma que o meu poema
Ilumine e engrinalde e o faça extraordinário,
Um poema em que minh'alma artista ria ou gema.

Vou para além ouvindo uma música nova
Feita de pás de terra a te cair no peito
Como que para pôr o meu amor à prova;

E essa música ouvindo, estranha em seu efeito,
Sinto a luz a morrer e cantarem-lhe à cova
Um funéreo e feral réquiem de luares feito.

Olavo Bilac

Vi-te uma vez e estremeci de medo...
Havia um susto no ar quando passavas:
Vida, morta, enterrada num segredo,
Letárgico vulcão de ignotas lavas.

Ias como quem vai para um degredo,
De invisíveis grilhões as mãos escravas,
A marcha dúbia, o olhar turvado e quedo
No roxo abismo das olheiras cavas...

Aonde ias? Aonde vais? Foge o teu vulto;
Mas fica o assombro do teu passo errante,
E fica o sopro desse inferno oculto,

O horrível fogo que contigo levas,
Incompreendido mal, negro diamante,
Sol sinistro e abafado ardendo em trevas.

Cruz e Sousa

Nada há que me domine e que me vença 
Quando a minha alma mudamente acorda… 
Ela rebenta em flor, ela transborda 
Nos alvoroços da emoção imensa.

Sou como um Réu de celestial sentença, 
Condenado do Amor, que se recorda 
Do Amor e sempre no Silêncio borda 
De estrelas todo o céu em que erra e pensa.

Claros, meus olhos tornam-se mais claros
E tudo vejo dos encantos raros 
E de outras mais serenas madrugadas!

Todas as vozes que procuro e chamo 
Ouço-as dentro de mim porque eu as amo 
Na minha alma volteando arrebatadas.

Olavo Bilac

Meu ser evaporei na lida insana
Do tropel de paixões, que me arrastava.
Ah! Cego eu cria, ah! mísero eu sonhava
Em mim quase imortal a essência humana.

De que inúmeros sóis a mente ufana
Existência falaz me não dourava!
Mas eis sucumbe Natureza escrava
Ao mal, que a vida em sua orgia dana.

Prazeres, sócios meus e meus tiranos!
Esta alma, que sedenta em si não coube,
No abismo vos sumiu dos desenganos.

Deus, ó Deus!... Quando a morte à luz me roube
Ganhe um momento o que perderam anos,
Saiba morrer o que viver não soube.

Eno Theodoro Wanke

Eu venho das lições dos tempos idos,
e vejo a Guerra no horizonte armada.
Será que os homens bons não fazem nada?
Será que não me prestarão ouvidos?

Eu vejo a Humanidade manejada
em prol dos interesses corrompidos.
É mister acabar com esta espada
suspensa sobre os lares oprimidos!

É preciso ganhar maturidade
no fomento da paz e da verdade,
na supressão do mal e da loucura.

Que a estrutura econômica da guerra
se faça em pó! E reinem sobre a Terra
os frutos do trabalho e da fartura!

Cruz e Sousa

Espiritualizante Formosura
Gerada nas Estrelas impassíveis,
Deusa de formas bíblicas, flexíveis,
Dos eflúvios da graça e da ternura.

Açucena dos vales da Escritura,
Da alvura das magnólias marcessíveis,
Branca Via-Láctea das indefiníveis
Brancuras, fonte da imortal brancura.

Não veio, é certo, dos pauis da terra
Tanta beleza que o teu corpo encerra,
Tanta luz de luar e paz saudosa...

Vem das constelações, do Azul do Oriente,
Para triunfar maravilhosamente
Da beleza mortal e dolorosa!

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