Os Mais Belos Sonetos

Coletânea de sonetos escritos por poetas brasileiros, lusos e de outros paises

Augusto dos Anjos

Como uma ave, cindindo os céus risonhos,
Meiga, tu vinhas a cindir os ares,
E, qual hóstia, caindo dos altares,
Foste caindo na ara dos meus sonhos.

E eu vi os seios teus virem inconhos
- Esses teus seios que os cerúleos lares
Branquejaram de eternos nenúfares,
Para nunca tocarem negros sonhos!

Caíste enfim no meu sacrário ardente,
E eu quis beijar-te o lábio redolente,
Quiseste-me beijar a ara do peito.

E beijei-te, mas eis que neste enleio,
Tocando na ara negra o níveo seio,
Caíste morta ao celestial preceito.

Auta de Souza

Morrer… morrer… morrer… Fechar na terra os olhos
A tudo o que se ama, a tudo o que se adora;
E nunca mais ouvir a música sonora
Da ilusão a cantar da vida nos refolhos…

Sentir o coração ferir-se nos escolhos
De tormentoso mar, – pobre vaga que chora! –
E no arranco final da derradeira hora,
Soluçando morrer num oceano de abrolhos.

Nem ao menos beijar – ó supremo desgosto! –
A mão doce e fiel que nos enxuga o rosto
Mostrando-nos o Céu suspenso de uma Cruz…

E perguntar a Deus na agonia e nas trevas:
Onde fica, Senhor, a terra a que nos levas,
Com as mãos postas no seio e os dois olhos sem luz?!

Elizabeth Barrett Browning

Amo-te quanto em largo, alto e profundo
Minha alma alcança quando, transportada,
Sente, alongando os olhos deste mundo,
Os fins do Ser; a Graça entressonhada.

Amo-te em cada dia, hora e segundo:
À luz do sol, na noite sossegada.
E é tão pura a paixão de que me inundo
Quanto o pudor dos que não pedem nada

Amo-te com o doer das velhas penas;
Com sorrisos, com lágrimas de prece,
E a fé da minha infância, ingênua e forte.

Amo-te até nas coisas mais pequenas.
Por toda a vida. E, assim Deus o quisesse,
Ainda mais te amarei depois da morte.

Manuel du Bocage

Se é doce no recente, ameno Estio
Ver toucar-se a manhã de etéreas flores,
E, lambendo as areias e os verdores,
Mole e queixoso deslizar-se o rio;

Se é doce no inocente desafio
Ouvirem-se os voláteis amadores,
Seus versos modulando e seus ardores
Dentre os aromas de pomar sombrio;

Se é doce mares, céus ver anilados
Pela quadra gentil, de Amor querida,
Que esperta os corações, floreia os prados,

Mais doce é ver-te de meus ais vencida,
Dar-me em teus brandos olhos desmaiados.
Morte, morte de amor, melhor que a vida.

Cruz e Sousa

Às vezes na tua alma que adormece
Tanto e tão fundo, alguma voz escuto
De timbre emocional, claro, impoluto
Que uma voz bem amiga me parece.

E fico mudo a ouvi-la como a prece
De um meigo coração que estará de luto
E livre, já, de todo o mal corruto,
Mesmo as afrontas mais cruéis esquece.

Mas outras vezes, sempre em vão, procuro
Dessa voz singular o timbre puro,
As essências do céu maravilhosas.

Procuro ansioso, inquieto, alvoroçado,
Mas tudo na tua alma está calado,
No silêncio fatal das nebulosas.

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