Os Mais Belos Sonetos

Coletânea de sonetos escritos por poetas brasileiros, lusos e de outros paises

Augusto dos Anjos

Neste pélago escuro em que te afundas,
Longe das sombras aurorais e amadas,
Sentes o peito em ânsias revoltadas,
Diluis teu peito em sensações profundas.

Mas, eis que emerges, luminosa, às fundas
Águas do mar das glórias obumbradas,
E, ante o branco estendal das madrugadas,
Nua, em banho ideal de amor te inundas.

Agora, á luz das alvoradas santas
Ungem-te o corpo redolências tantas,
Que, ao ver-te nua, o Mundo se concentre,

E a lua, a Virgem Mãe dos céus escampos,
Que beija a terra e que abençoa os campos,
Beije-te o seio e te abençoe o ventre!

Alberto de Oliveira

Esta de áureos relevos, trabalhada
De divas mãos, brilhante copa, um dia,
Já de aos deuses servir como cansada,
Vinda do Olimpo, a um novo deus servia.

Era o poeta de Teos que a suspendia
Então, e, ora repleta ora esvazada,
A taça amiga aos dedos seus tinia,
Toda de roxas pétalas colmada.

Depois... Mas o lavor da taça admira,
Toca-a, e do ouvido aproximando-a, às bordas
Finas hás de lhe ouvir, canora e doce,

Ignota voz, qual se da antiga lira
Fosse a encantada música das cordas,
Qual se essa voz de Anacreonte fosse.

Olavo Bilac

Vive dentro de mim, como num rio,
Uma linda mulher, esquiva e rara,
Num borbulhar de argênteos flocos, Iara
De cabeleira de ouro e corpo frio.

Entre as ninféias a namoro e espio:
E ela, do espelho móbil da onda clara,
Com os verdes olhos úmidos me encara,
E oferece-me o seio alvo e macio.

Precipito-me, no ímpeto de esposo,
Na desesperação da glória suma,
Para a estreitar, louco de orgulho e gozo...

Mas nos meus braços a ilusão se esfuma:
E a mãe-d'água, exalando um ai piedoso,
Desfaz-se em mortas pérolas de espuma.

Guilherme de Almeida

Morre o dia. Do quadro da vidraça,
nós contemplamos silenciosamente
o adeus do sol à terra, à luz escassa,
à meia-luz da tarde confidente.

São como um par de noivos que se abraça;
- esse roxo dorido do sol poente
tem a tristeza voluptuosa e ardente
de um longo abraço que se desenlaça.

Uma ânsia de viver me abala os músculos;
dão-me os teus olhos a impressão furtiva
de dois grandes, tristíssimos crepúsculos.

E, como a orquestração de um mau desejo,
quebra o sono da tarde pensativa
o gorjeio frenético de um beijo.

Alberto de Oliveira

Ó minha Laura, quem do livro aberto
Em que líamos ambos, os amados
Olhos teus afastou, para fechados
Serem no sono de uma noite, incerto!?

Quem dentre os níveos dedos delicados
Em que o trazias, lendo-o, de mim perto,
O poema arrancou que eu vi coberto
De tantos sóis que tinha, imaginados?!

Doce leitura! negra pausa infinda...
Como que por encanto ainda hoje eu creio
Ver aberto esse livro e lê-lo ainda;

E em cada folha em que meus olhos ponho,
Palpita o nosso amor com o mesmo anseio,
E as nossas ilusões com o mesmo sonho.

Juvenal Antunes

Pobre de mim, porque já não me amas
E mais vontade de possuir-te eu tenho!
E, assim, das chamas do desejo venho
E caio do desejo noutras chamas!

Carregarei, contudo, este meu lenho,
Com a paciência que mesmo tu proclamas;
Porque, vencendo oposição e tramas,
Ganharei o combate em que me empenho!

Hei de, afinal, qual mísero banido,
Que volta ao pátrio solo estremecido
Cingir-te nos meus braços novamente!

E ao cume das delícias transportado,
Esquecerei o teu rigor passado,
Que me pungiu tão dolorosamente!

Augusto dos Anjos

Penso em venturas! A alma do homem pensa
Sempre em venturas! Sorte do homem! O homem
Há de embalar eternamente a crença
Sem ter grilhões e sem ter leis que o domem!

Punjam-no os vermes da Desgraça, assomem
Descrenças, surjam tédios na Descrença,
Luta, e morrem os vermes que o consomem,
Vence, e por fim, nada há que o abata e o vença!

Por isso, poeta, eu penso na Ventura!
E o pensamento, na Suprema Altura
Sinto, no imenso Azul do Firmamento

Ir rolando pelo ouro das estrelas,
E esse ouro santo vir rolando pelas
Trevas profundas do meu pensamento!

Juvenal Antunes

Senhora, antes que o sol de minha fantasia,
Nas brumas da descrença envolva se abatido
E deste coração ascético, traído,
Force a pomba ideal, florida alegria.

Quando não mais luzir o astro que luzia,
Nesse oceano de luz, para sempre escondido
Ouve a triste canção de um viajante perdido,
As notas celestiais de morta melodia.

Por mais que ingratamente, os lírios da ventura
Sigam todos, cruéis, a luz que além fulgura,
Qual novo Redentor do mundo, a imagem tua!

Além, no azul céu, entre nuvens e flores,
Divinas surgirão repletas de esplendores,
Nas ternas lacticências pálidas da lua!

Guilherme de Almeida

Lês um romance. Eu te contemplo. Ondeia,
lá fora, um vento muito leve e brando;
cheira a jasmins o varandim, brilhando
ao doentio clarão da lua cheia.

Vais lendo. E, enquanto tua mão folheia
o livro, eu vejo que, de quando em quando,
estremecendo, sacudindo, arfando,
teu corpo todo num delírio anseia.

Lês. São cenas de amor: - o encontro, o ciúme,
idílios, beijos ao luar… Perfume
que sobe da alma, e gira, e se desfaz…

Vais lendo. E tu não sabes que, sozinho,
eu te sigo, eu te sinto, eu te adivinho,
lendo em teus olhos o que lendo estás.

Gregório de Matos

Ó tu do meu amor fiel traslado
Mariposa entre as chamas consumida,
Pois se à força do ardor perdes a vida,
A violência do fogo me há prostrado.

Tu de amante o teu fim hás encontrado,
Essa flama girando apetecida;
Eu girando uma penha endurecida,
No fogo que exalou, morro abrasado.

Ambos de firmes anelando chamas,
Tu a vida deixas, eu a morte imploro
Nas constâncias iguais, iguais nas chamas.

Mas ai! que a diferença entre nós choro,
Pois acabando tu ao fogo, que amas,
Eu morro, sem chegar à luz, que adoro.

Juvenal Antunes

Acho tudo na vida duvidoso…
Duvido do que vi e tenho ouvido,
Da glória, do saber, da dor, do gozo,
Mesmo do teu amor, Laura, duvido.

Duvido do que é feio e o que é formoso,
Duvido do que leio e tenho lido,
E a duvidar, sem nunca ter repouso,
Em dúvidas cruéis ando perdido.

Confundo as ilusões com a realidade,
E o presente e o passado comparando,
Vejo a igualdade na desigualdade…

Duvido da mentira, quando minto,
E de todas as coisas duvidando
Duvido até das dúvidas que sinto!

Cecília Meireles

Trabalhei, sem revoltas nem cansaços,
no infecundo amargor da solitude:
as dores, - embalei-as nos meus braços,
como alguém que embalasse a juventude...

Acendi luzes, desdobrando espaços,
aos olhos sem bondade ou sem virtude;
consolei mágoas, tédios e fracassos
e fiz, a todos, todo o bem que pude!

Que o sonho deite bênçãos de ramagens
e névoas soltas de distância e ausência
na minha alma, que nunca foi feliz.

Escondendo-me as tácitas voragens
de males que me deram, sem consciência,
pelos míseros bens que sempre fiz!...

Alphonsus de Guimaraens

Celeste… É assim, divina, que te chamas.
Belo nome tu tens, Dona Celeste…
Que outro terias entre humanas damas,
Tu que embora na terra do céu vieste?

Celeste… E como tu és do céu não amas:
Forma imortal que o espírito reveste
De luz, não temes sol, não temes chamas,
Porque és sol, porque és luar, sendo celeste.

Incoercível como a melancolia,
Andas em tudo: o sol no poente vasto
Pede-te a mágoa do findar do dia.

E a lua, em meio à noite constelada,
Pede-te o luar indefinido e casto
Da tua palidez de hóstia sagrada.

Augusto dos Anjos

Perguntarás quem sou?! - ao suor que te unta,
À dor que os queixos te arrebenta, aos trismos
Da epilepsia horrenda, e nos abismos
Ninguém responderá tua pergunta!

Reclamada por negros magnetismos
Sua cabeça há de cair, defunta
Na aterradora operação conjunta
Da tarefa animal dos organismos!

Mas após o antropófago alambique
Em que é mister todo o teu corpo fique
Reduzido a excreções de sânie e lodo,

Como a luz que arde, virgem, num monturo,
Tu hás de entrar completamente puro
Para a circulação do Grande Todo!

Francisca Júlia

Pesa o silêncio sobre a terra. Por extenso
Caminho, passo a passo, o cortejo funéreo
Se arrasta em direção ao negro cemitério...
À frente, um vulto agita a caçoula do incenso.

E o cortejo caminha. Os cantos do saltério
Ouvem-se. O morto vai numa rede suspenso;
Uma mulher enxuga as lágrimas ao lenço;
Chora no ar o rumor de misticismo aéreo.

Uma ave canta; o vento acorda. A ampla mortalha
Da noite se ilumina ao resplendor da lua...
Uma estrige soluça; a folhagem farfalha.

E enquanto paira no ar esse rumor das calmas
Noites, acima dele em silêncio, flutua
O lausperene mudo e súplice das almas.

Vinicius de Moraes

Por que tens, por que tens olhos escuros
E mãos lânguidas, loucas e sem fim
Quem és, quem és tu, não eu, e estás em mim
Impuro, como o bem que está nos puros?

Que paixão fez-te os lábios tão maduros
Num rosto como o teu criança assim
Quem te criou tão boa para o ruim
E tão fatal para os meus versos duros?

Fugaz, com que direito tens-me presa
A alma que por ti soluça nua
E não és Tatiana e nem Teresa:

E és tampouco a mulher que anda na rua
Vagabunda, patética, indefesa
Ó minha branca e pequenina lua!

Martins Fontes

À última luz que doira as tardes calmas,
À última luz de amor que beija o poente,
Se dá, no meu país, poeticamente,
A denominação de "Sol das Almas"!

Na montanha, a palmeira, de repente,
Brilha! O mistério lhe incandesce as palmas!
Para outro mundo leva o pó das salmas
A luminosidade comovente!

Vai morrer e ainda fulge! Ainda! Ainda!
Como um sorriso, finda a claridade,
Como um soluço, a claridade finda!

Adeus! Adeus! É o fim da Mocidade!
Nunca mais! Nunca mais! E era tão linda!
Qual é teu nome, Luz do Azul? - Saudade.

Arnaldo Nunes

Sessenta anos de esforços, sessenta anos
De sofrimento, de existência incalma,
De tantas decepções e desenganos
Estoicamente recalcados na alma!

Doze lustros de prélios sem a calma
Que vem sempre depois dos grandes danos;
Doze lustros de sonhos, tendo a palma
Triste dos pesadelos cotidianos!

E sobre esta velhice prematura,
Sobre a melancolia e sobre o tédio
Em que tudo se finda sem ventura,

A luz do fogo-fátuo, tíbia e mansa,
Desta grande saudade sem remédio,
A saudade infinita da Esperança...

Mendes Martins

E vem a primavera. E os prados novamente
Cobriram-se de luz, de flores, de verduras;
Fez-se azul todo o céu, azul e transparente
Como um pálio de gaze aberto nas alturas.

E eu disse assim comigo: "Às minhas desventuras
Aos pesares que eu sofro, e tornam-me descrente,
Vão enfim pôr um termo os beijos e as ternuras
Daquela que eu espero e de quem vivo ausente."

E assentei-me, esperando-a, à beira do caminho...
O cair de uma folha, a música de um ninho
Lembravam-me o seu passo e a sua voz, criança!

E afinal veio o inverno e foi-se a primavera,
E cheio de saudade e sempre à sua espera,
E à força de esperar perdi toda esperança.

Humberto Campos

Bendito o coração que não esquece
A inédita emoção do amor primeiro,
E a quem ela, no instante derradeiro,
Numa benção, de súbito, aparece!

Abençoada seja, em toda prece,
A árvore que, na asperidão do outeiro,
Na áurea colheita do pomar inteiro,
Recorda o fruto da primeira messe!

Bendita seja, e, para o amor, sagrada,
A alma que acorda do primeiro sono
Com os olhos postos na ilusão passada.

E bendita, afinal, a alma sincera,
Que abre na solidão do meu Outono
Meu primeiro botão de Primavera!...

Juvenal Antunes

Só, já acalmada a minha dor, eu penso
No que vos mudareis, gotas ardentes,
Caídas, de olhos falsos e inocentes,
Todas no linho alvíssimo de um lenço...

No mais aterrador, no mais intenso
Da pena, vós sois bálsamos clementes...
Eu, ainda as mais cruéis, as mais pungentes
Mágoas do coração, chorando, venço!

Lagrimas! Vós, que sois tão poderosas,
Que tanto alívio dais ao meu tormento,
E afogais tantas ânsias dolorosas,

Que ireis, depois, compor ou decompor?
E tu, que serás tu neste momento,
Minha primeira lágrima de Amor.

B. Lopes

Paremos juntos na tranquilidade
Deste imortal crepúsculo do Afeto,
Onde há um altar, singelo e branco, ereto
À invocação da Pálida Saudade.

Concentra-se na Dor e a flórea idade
Lê no Passado, o livro predileto,
Que eu vou desfiando, compassivo e quieto,
O rosário da minha mocidade...

Ouve o harmônium litúrgico da Mágoa,
Como um rio de lágrimas correndo,
A gemer e a chorar de frágua em frágua.

Que a Senhora dos Tristes nos bendiga!
Vou desfiando o rosário e vai tu lendo,
Meu pobre lírio, minha doce amiga...

Hélio Cabral

Quando notar em mim um desencanto,
Na solitária lágrima que escorre,
Não é um rosto demonstrando um pranto
É um pingo de minha alma que transcorre.

Quando você notar que um triste manto
Encobre a solidão que me percorre,
Não é a sombra de um finório canto
É a luz da inspiração que me socorre.

Quando aflorar no meu peito um suspiro
Não é o som de mais um estribilho.,
É o inédito sopro, um verso fatal.

Quando esse choro for meu paradeiro,
Dirás, surpresa: - É seu canto primeiro!
Mas, com certeza, é o meu pranto final.

Augusto dos Anjos

Ouvi, senhora, o cântico sentido
Do coração que geme e se estertora
Na ânsia letal que o mata e que o devora,
E que tornou-o assim, triste e descrido.

Ouvi, senhora, amei; de amor ferido,
As minhas crenças que alentei outrora
Rolam dispersas, pálidas agora,
Desfeitas todas num guaiar dorido.

E como a luz do sol vai-se apagando!
E eu triste, triste pela vida afora,
Eterno pegureiro caminhando,

Revolvo as cinzas de passadas eras,
Sombrio e mudo e glacial, senhora,
Como um coveiro a sepultar quimeras!

Cruz e Sousa

É livres, livres desta vã matéria, 
longe, nos claros astros peregrinos 
que havemos de encontrar os dons divinos 
e a grande paz, a grande paz sidérea. 

Cá nesta humana e trágica miséria, 
nestes surdos abismos assassinos 
teremos de colher de atros destinos 
a flor apodrecida e deletéria.

O baixo mundo que troveja e brama 
só nos mostra a caveira e só a lama, 
ah! só a lama e movimentos lassos...

Mas as almas irmãs, almas perfeitas, 
hão de trocar, nas Regiões eleitas, 
largos, profundos, imortais abraços!

José Antonio Jacob

Estou sozinho em meu jardim sem cores
E, ainda que eu tenha mágoas bem guardadas,
Cuido dessas roseiras desmaiadas
Que em meu canteiro nunca abriram flores.

Tais quais receosas almas delicadas
Elas se encolhem sobre seus temores
E abortam seus rebentos nas ramadas,
Enquanto vão morrendo em suas dores.

Quantas almas, que por serem assim,
Como essas tristes plantas no jardim,
Calam-se a olhar o nada, tão descrentes...

Feito as minhas roseiras dolorosas
Que só olham para a vida, indiferentes,
E não me dão espinhos e nem rosas.

Belmiro Braga

Se ouvires, a sonhar, uns vãos rumores,
Não são as aves festejando o dia:
- São os últimos gritos que te envia
Meu triste coração, morto de amores...

Se sentires uns tépidos olores,
Não penses que é o rosal que te inebria:
- É a minha alma nas ânsias da agonia
Que, só por te beijar, se muda em flores...

Se vires baloiçar as níveas gazas
Do dossel de teu leito, não te afoites,
Nem te assustes, querida! São meus zelos

Que vão, de leve, sacudindo as asas,
Carinhosos, beijar, todas as noites,
Teus olhos, tua fronte e teus cabelos...

Luís Guimarães Júnior

A vida dele era uma gargalhada,
A vida dela um pranto. Ela chorava
Sob o cruel trabalho que a matava,
Ele ria na tasca enfumaçada.

Jamais nos lábios dela a asa dourada
De um sorriso passou: jamais na cava
E horrenda face dele resvalava
Sequer de um pranto a pérola nevada.

Mas Deus, que deu à entranha de Maria
O Redentor dos homens, Deus lhe fez
Uma esmola: - Deus fê-los pais um dia;

E, enfim, beijando ao filho os níveos pés,
Pela primeira vez ela sorria,
E ele chorou pela primeira vez.

Afonso Celso

Geme no berço, enferma, a criancinha,
Que não fala, não anda e já padece...
Penas assim cruéis, por que as merece
Quem mal entrando na existência vinha?!

Ó melindroso ser, ó filha minha!
Se os céus ouvissem a paterna prece,
E a mim o teu sofrer passar pudesse,
- Gozo me fora a dor que te espezinha.

Como te aperta a angústia o frágil peito!
E Deus, que tudo vê, não te a extermina,
Deus que é bom, Deus que é pai, Deus que é perfeito!

Sim, é pai, mas - a crença nô-lo ensina:
- Se viu morrer Jesus, quando homem feito,
Nunca teve uma filha pequenina.

Fagundes Varela 

Desponta a estrela d’alva, a noite morre.
Pulam no mato alígeros cantores,
E doce a brisa no arraial das flores
Lânguidas queixas murmurando corre.

Volúvel tribo a solidão percorre
Das borboletas de brilhantes cores;
Soluça o arroio; diz a rola amores
Nas verdes balsas donde o orvalho escorre.

Tudo é luz e esplendor; tudo se esfuma
Às carícias da aurora, ao céu risonho,
Ao flóreo bafo que o sertão perfuma!

Porém minh'alma triste e sem um sonho
Repete olhando o prado, o rio, a espuma:
- Oh! mundo encantador, tu és medonho!

Olavo Bilac

Para a porta do céu, pálida e bela,
Ida as asas levanta e as nuvens corta.
Correm os anjos: e a criança morta
Foge dos anjos namorados dela.

Longe do amor materno o céu que importa?
O pranto os olhos límpidos lhe estrela...
Sob as rosas de neve da capela,
Ida soluça, vendo abrir-se a porta.

Quem lhe dera outra vez o escuro canto
Da escura terra, onde, a sangrar, sozinho,
Um coração de mãe desfaz-se em pranto!

Cerra-se a porta: os anjos todos voam.
Como fica distante aquele ninho,
Que as mães adoram... mas amaldiçoam!

Cruz e Sousa

Se essa angústia de amar te crucifica,
Não és da dor um simples fugitivo:
Ela marcou-te com o sinete vivo
Da sua estranha majestade rica.

És sempre o Assinalado ideal que fica
Sorrindo e contemplando o céu altivo;
Dos Compassivos és o compassivo,
Na Transfiguração que glorifica.

Nunca mais de tremer terás direito...
Da Natureza todo o Amor perfeito
Adorarás, venerarás contrito.

Ah! Basta encher, eternamente basta
Encher, encher toda esta Esfera vasta
Da convulsão do teu soluço aflito!

Cesário Verde

O mundo é velha cena ensanguentada.
Coberta de remendos, picaresca;
A vida é chula farsa assobiada,
Ou selvagem tragédia romanesca.

Eu sei um bom rapaz, – hoje uma ossada -,
Que amava certa dama pedantesca,
Perversíssima, esquálida e chagada,
Mas cheia de jactância, quixotesca.

Aos domingos a deia, já rugosa,
Concedia-lhe o braço, com preguiça,
E o dengue, em atitude receosa,

Na sujeição canina mais submissa,
Levava na tremente mão nervosa,
O livro com que a amante ia ouvir missa!

Cruz e Sousa

Ó Mãos ebúrneas, Mãos de claros veios,
Esquisitas tulipas delicadas,
Lânguidas Mãos sutis e abandonadas,
Finas e brancas, no esplendor dos seios.

Mãos etéricas, diáfanas, de enleios,
De eflúvios e de graças perfumadas,
Relíquias imortais de eras sagradas
De amigos templos de relíquias cheios.

Mãos onde vagam todos os segredos,
Onde dos ciúmes tenebrosos, tredos,
Circula o sangue apaixonado e forte.

Mãos que eu amei, no féretro medonho
Frias, já murchas, na fluidez do Sonho,
Nos mistérios simbólicos da Morte!

Augusto dos Anjos

Nessas paragens desoladas, onde
O silêncio campeia soberano
Morreram notas do bulício humano,
Nem vibra a corda que a saudade esconde.

Anseios da alma aqui se perdem. Donde
Fluiu outrora a luz dum doce engano,
Hoje é trevas, é dor, é desengano,
E eu ergo preces que ninguém responde.

Triste criança virginal, quem dera
Voar esta alma a ti, longe dos laços
Dessa jaula de carne que a encarcera!

Ah! Que unidos assim, lá nos espaços,
Cantarias do amor a primavera,
Tendo a minha alma presa nos teus braços!

Gregório de Matos

Carregado de mim ando no mundo,
E o grande peso embarga-me as passadas,
Que como ando por vias desusadas,
Faço o peso crescer, e vou-me ao fundo.

O remédio será seguir o imundo
Caminho, onde dos mais vejo as pisadas,
Que as bestas andam juntas mais ousadas,
Do que anda só o engenho mais profundo.

Não é fácil viver entre os insanos,
Erra, quem presumir que sabe tudo,
Se o atalho não soube dos seus danos.

O prudente varão há de ser mudo,
Que é melhor neste mundo, mar de enganos,
Ser louco como os demais, que só, sisudo.

Raul de Leoni

Cala a boca, Memória! Basta, basta!
O que o Tempo te disse não me digas.
Que pareces até minha madrasta
Quando me vens cantar tuas cantigas.

Tua voz me faz mal e me vergasta,
E a chorar, muitas vezes, tu me obrigas.
Piedade, Memória leonoclasta,
Não despertes, assim, dores antigas.

Vai, recolhe-te à tua soledade,
E que o teu braço nunca mais me leve
À sepultura da Felicidade!

Segue um conselho meu, de ora em diante:
Junto a quem está de luto não se deve
Falar de quem morreu, a todo instante...

Luís Delfino

Quando vejo o teu corpo doentio
Tremer, como haste branda a vento forte,
Amortalha-me um hirto calafrio,
Como se me tocasse a asa da morte.

Um pensamento lôbrego e sombrio
De alguém, que o doce e tênue fio corte
De tua vida, assalta-me; mas rio,
Pensando que hei de ter a mesma sorte.

Tu não podes descer à sepultura,
Sem que leves as horas de ventura,
Que em ti achou minha alma, um vasto arneiro.

Em teu trespasse, pois, quando tu fores,
Morram os sóis no céu, no campo as flores...
E, olha, espera, até logo, eu vou primeiro...

Carlos Pena Filho

Neste papel levanta-se um soneto,
de lembranças antigas sustentado,
pássaro de museu, bicho empalhado,
madeira apodrecida de coreto.

De tempo e tempo e tempo alimentado,
sendo em fraco metal, agora é preto.
E talvez seja apenas um soneto
de si mesmo nascido e organizado.

Mas ninguém o verá? Ninguém. Nem eu,
pois não sei como foi arquitetado
e nem me lembro quando apareceu.

Lembranças são lembranças, mesmo pobres,
olha pois este jogo de exilado
e vê se entre as lembranças te descobres.

José Albano

Doce me foi viver, quando sonhava
E entre esperanças e ilusões sorria,
Antes de conhecer a dor sombria
Cuja lembrança na alma inda se grava.

Naquele tempo não adivinhava
A pena sem igual que dura um dia
Mas sempre faz surgir a fonte fria
Que os saudosos olhos banha e lava.

Cansado coração, tu nunca viste
Outro que tanto gozo e mágoa sente,
Outro que a tanto bem e mal resiste.

Amor te castigou severamente,
Pois foste, uma só vez apenas, triste
E nunca mais tornaste a ser contente.

Augusto de Lima

"É cedo!" - Ao homem uma voz responde,
Quando, recém-nascido, o olhar aberto
Pela primeira vez, levanta incerto,
Interrogando o fado que se esconde.

"É cedo ainda". Do zênite já perto
O espírito, por mais que inquira e sonde,
A mesma voz, que vem não sabe donde,
Repete o cruel dístico encoberto.

Fitando o ocaso, afaga uma esperança.
"Espera", diz-lhe a voz, e não se cansa
De esperar que do ocaso venha a aurora.

E a noite vem. No vítreo olhar silente,
Morto, ainda interroga avidamente...
- Porém, responde a voz: "É tarde agora!"

Cruz e Sousa

Ó cegos corações, surdos ouvidos,
Bocas inúteis, sem clamor, fechadas,
Almas para os mistérios apagadas,
Sem segredos, sem eco e sem gemidos.

Consciências hirsutas de bandidos,
Vesgas, nefandas e desmanteladas,
Portas de ferro, com furor trancadas,
Dos ócios maus histéricos Vencidos.

Desenterrai-vos das sangrentas furnas
Sinistras, cabalísticas, noturnas
Onde ruge o Pecado caudaloso…

Fazei da Dor, do triste Gozo humano,
A Flor do Sentimento soberano,
A Flor nirvanizada de outro Gozo!

Guilherme de Almeida

Vou partir, vais ficar. "Longe da vista,
longe do coração" — diz o ditado.
Basta, porém, que o nosso amor exista,
para que eu parta e fiques sem cuidado.

Dentro em mim mesmo, o coração egoísta,
quanto mais longe, mais te quer ao lado;
tanto mais te ama, quanto mais te avista
e, antes de ver-te, já te havia amado.

Vou partir. Para longe? Para perto?
— Não sei: longe de ti tudo é deserto
e todas as distâncias são iguais!

Como eu quisera que, na despedida,
quando se unissem nossas mãos, querida,
nunca pudessem desunir-se mais!

Pe. Antônio Tomás

Eu fui contar, chorando, as minhas penas
Ao velho mar; e as ondas buliçosas,
Julgando que eu diria essas pequenas
Mágoas comuns ou queixas amorosas,

Não quiseram cessar as cantilenas
Que entoavam nas praias arenosas
Mas, pouco a pouco, imóveis e serenas,
Quedaram todas, por me ouvir ansiosas.

E concluída a narração de tudo,
Mostrou-se o mar (pois nunca tinha ouvido
História igual) sombrio e carrancudo.

Depois, rolando as gemedoras águas,
Pôs-se a chorar também compadecido
Das minhas fundas, dolorosas mágoas.

Antero de Quental

Viver assim: sem ciúmes, sem saudades,
Sem amor, sem anseios, sem carinhos,
Livre de angústias e felicidades,
Deixando pelo chão rosas e espinhos;

Poder viver em todas as idades;
Poder andar por todos os caminhos;
Indiferente ao bem e às falsidades,
Confundindo chacais e passarinhos;

Passear pela terra, e achar tristonho
Tudo que em torno se vê, nela espalhado;
A vida olhar como através de um sonho;

Chegar onde eu cheguei, subir à altura
Onde agora me encontro – é ter chegado
Aos extremos da Paz e da Ventura!

José Albano

Trato só da perpétua saudade
Que mora neste peito desditoso
Mas o queixume derramar não ouso
Com medo de que aos outros desagrade.

Se entanto de gemer me dissuade
O coração, tão cedo desgostoso,
Ordena e manda Amor que sem repouso
Tudo que sofro em canto se traslade.

Oh! triste verso meu, pois vais partindo
Por este baixo e escuro em que ando
Para espalhar o meu tormento infindo.

Ah! seja o teu destino manso e brando.
Porém, se te alguém ver acaso rindo,
Dize-lhe então que te escrevi chorando!

Costa e Silva

Saudade - olhar de minha mãe rezando
E o pranto lento deslizando em fio
Saudade amor da minha terra... o rio
Cantigas de águas claras soluçando.

Noites de junho. O caboré com frio,
Ao luar, sobre o arvoredo, piando, piando...
E à noite as folhas lívidas cantando
A saudade infeliz de um sol de estio.

Saudade - asa de dor do pensamento
Gemidos vãos de canaviais ao vento...
Ai, mortalhas de neve sobre a serra.

Saudade - o Parnaíba - velho monge
As barbas brancas alongando... e ao longe
O mugido dos bois da minha terra...

Dom Aquino Correia

Dizem que outrora, numa lavra funda,
Viu-se aqui, toda de ouro, uma alavanca:
todos a querem, mas ninguém a arranca,
e mais se cava, tanto mais se afunda.

Contudo, cavam sempre...E a ganga imunda,
que nessa escavação se desbarranca,
vai dando ouro, muito ouro, e não se estanca,
até que o arraial feliz de ouro se inunda.

Quanta sabedoria não encerra
esta lenda gentil de minha terra,
que ao trabalho e à constância nos convida!

Trabalha! Que o trabalho é o teu tesouro,
e será ele essa "alavanca de ouro",
que há de elevar-te e enriquecer-te a vida!

Edgar Mata

Enfermo... e os olhos pálidos descerra
Tão fatigados e tão cismadores,
Que uma visão de sonolências erra
A pressagiar misteriosas dores.

As faces têm esbatidas cores
Do luar de Agosto num país de serra...
Há no sorriso que um lamento encerra
Um poema ignoto de saudade e amores.

Tudo é sereno neste estranho enfermo
E no fulgor do seu olhar tristonho
Sentem-se as velhas nostalgias do Ermo.

Fala... e a palavra é tão solene e mansa
Que penso que anda o derradeiro Sonho
A povoar-lhe as solidões da Esperança.

Costa e Silva

Não desejes, nem sonhes, alma incauta,
Que a ilusão tem o encanto da sereia,
Que em noites aromais de lua cheia
Seduz e perde, em alto-mar, o nauta.

Feliz daquele que os seus atos pauta
Dentro dos dons da vida que o rodeia,
E acha o leito macio e a mesa lauta
Na indiferença da fortuna alheia.

Feliz de quem, da vida para a morte,
Embora pobre, de pobreza triste,
Se contenta, afinal, com a própria sorte.

Se há ventura no mundo, essa consiste,
Talvez, em suportar, de ânimo forte,
A renúncia de um bem que não existe.

Luís Guimarães Júnior

Era mimosa como um frágil lírio,
Como um terno lilás, como a encantada
Peri do Oriente – a peregrina fada –
Ou como Vênus – o jasmim do Empíreo.

Jamais a névoa de um fugaz martírio
Turbou-lhe a altiva fronte delicada;
Pálida às vezes, sim, dessa magoada
Dessa magoada palidez do círio.

Jogava as armas como um paladino;
Amava as cavalgadas, e o aparato
Do mundo a enchia de um prazer divino.

Da virgem tinha o nítido recato,
A timidez, o enleio purpurino,
Mas... Esse "mas" completa o seu retrato.

Auta de Souza

Eis o descanso eterno, o doce abrigo
Das almas tristes e despedaçadas;
Eis o repouso, enfim; e o sono amigo
Já vem cerrar-me as pálpebras cansadas.

Amarguras da terra! eu me desligo
Para sempre de vós… Almas amadas
Que soluças por mim, eu vos bendigo,
Ó almas de minha alma abençoadas.

Quando eu daqui me for, anjos da guarda,
Quando vier a morte que não tarda
Roubar-me a vida para nunca mais…

Em pranto escrevam sobre a minha lousa:
“Longe da mágoa, enfim, no céu repousa
Quem sofreu muito e quem amou demais”.

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