Os Mais Belos Sonetos

Coletânea de sonetos escritos por poetas brasileiros, lusos e de outros paises

Basílio da Gama

Já, Marfísia cruel, me não maltrata
Saber que usas comigo de cautelas,
Que inda te espero ver, por causa delas,
Arrependida de ter sido ingrata.

Com o tempo, que tudo desbarata,
Teus olhos deixarão de ser estrelas;
Verás murchar no rosto as faces belas,
E as tranças de ouro converter-se em prata:

Pois se sabes que a tua formosura
Por força há de sofrer da idade os danos,
Por que me negas hoje esta ventura?

Guarda para seu tempo os desenganos,
Gozemo-nos agora, enquanto dura,
Já que dura tão pouco a flor dos anos.

Martins Fontes

Mais do que à própria vida, deveremos
Amar a Vida em sua plenitude.
A inconstância no amor não condenemos,
Porque esta falta pode ser virtude.

Ser fiel a um amor, se nunca o pude,
Fui ao Amor fiel, nos seus extremos:
Este, sendo imutável, não ilude,
E os desvios daquele são supremos...

Seja a forma de amor que se pressinta,
Por mais tênue, mais tímida e indistinta,
Deve-se bendizer, sem comparar.

Como a ausência produz o desengano,
Sobrenobrece o coração humano
Ser inconstante, sem deixar de amar.

Artur Azevedo

Quando não vens, formosa desumana,
E, saudoso de ti, sem ti me deito,
Fica tão espaçoso o nosso leito,
Que me parece o campo de Sant'Ana!

Quando não vens, oh! pálida tirana,
Torna-se lúgubre o quartinho estreito!
Com muitas flores, flor, debalde o enfeito:
Falta-lhe a flor das flores soberana.

Se vens, é natural que isso me apraza;
Mas, se não vens, quanta amargura, quanta
As próprias coisas sentem nesta casa!

É o relógio, porém, que mais me espanta,
Pois se não vens, o mísero se atrasa,
E, se vens, o ditoso se adianta!

Antero de Quental

Dorme a noite encostada nas colinas.
Como um sonho de paz e esquecimento
Desponta a lua. Adormeceu o vento,
Adormeceram vales e campinas…

Mas a mim, cheia de atrações divinas,
Dá-me a noite rebate ao pensamento.
Sinto em volta de mim, tropel nevoento,
Os Destinos e as Almas peregrinas!

Insondável problema!… Apavorado
Recua o pensamento!… E já prostrado
E estúpido à força de fadiga,

Fito inconsciente as sombras visionárias,
Enquanto pelas praias solitárias
Ecoa, ó mar, a tua voz antiga.

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