Os Mais Belos Sonetos

Coletânea de sonetos escritos por poetas brasileiros, lusos e de outros paises

Vicente de Carvalho

Fora, na vasta noite, um vento de procela
Erra, aos saltos, uivando, em rajadas e em fúria;
E num rumor de choro, uma voz de lamúria,
Ouço a chuva a escorrer nos vidros da janela.

No desconforto do meu quarto de estudante,
Velo. Sinto-me como insulado da vida.
Eu imagino a morte assim, aborrecida
Solidão numa sombra infinita e constante…

Tu, que és forte, rebrame em fúria, natureza!
Eu, caído num fundo abismo de tristeza,
Invejo-te a expansão livre do temporal;

E, no tédio feroz que me assalta e me toma,
Sinto ansiarem-me n’alma instintos de chacal…
E compreendo Nero incendiando Roma.

Alexis Félix Arvers

Tenho na alma um segredo e um mistério na vida:
um amor que nasceu, eterno, num momento.
É sem remédio a dor; trago-a pois escondida,
e aquela que a causou nem sabe o meu tormento.

Por ela hei de passar, sombra inapercebida,
sempre a seu lado, mas num triste isolamento,
e chegarei ao fim da existência esquecida
sem nada ousar pedir e sem um só lamento.

E ela, que entanto Deus fez terna e complacente,
há de, por seu caminho, ir surda e indiferente
ao murmúrio de amor que sempre a seguirá.

A um austero dever piedosamente presa,
ela dirá lendo estes versos, com certeza:
“Que mulher será esta?” e não compreenderá. 

Cruz e Sousa

Estás morto, estás velho, estás cansado!
Como um sulco de lágrimas pungidas
ei-las, as rugas, as indefinidas
noites do ser vencido e fatigado.

Envolve-te o crepúsculo gelado
que vai soturno amortalhando as vidas
ante o responso em músicas gemidas
no fundo coração dilacerado.

A cabeça pendida de fadiga,
sentes a morte taciturna e amiga,
que os teus nervosos círculos governa.

Estás velho, estás morto! Ó dor, delírio,
alma despedaçada de martírio,
ó desespero da Desgraça eterna! 

Raul de Leoni

Nascemos um para o outro, dessa argila
De que são feitas as criaturas raras;
Tens legendas pagãs nas carnes claras
E eu tenho a alma dos faunos na pupila...

Às belezas heroicas te comparas
E em mim a luz olímpica cintila,
Gritam em nós todas as nobres taras
Daquela Grécia esplêndida e tranquila...

É tanta a glória que nos encaminha
Em nosso amor de seleção, profundo,
Que ouço ao longe o oráculo de Elêusis.

Se um dia eu fosse teu e fosses minha,
O nosso amor conceberia um mundo
E do teu ventre nasceriam deuses...

Mário Beirão

Quando é noite, e, na voz da Imensidade,
Um alto sonho em lágrimas crepita,
Tua graça de morte me visita,
Teu olhar é um sorriso de saudade…

E a tua Ausência intimamente invade
Meu coração que morto inda palpita;
E a lágrima que eu sangro se ilimita,
Reflete em sua dor a eternidade!

Vens de Além; são de sombras teus vestidos;
Tua noite de morte me ilumina,
Confundimos em êxtase os sentidos…

Um canto ri na cruz da nossa dor;
Canto onde brilha uma oração divina,
Morre o Desejo e principia o Amor!

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