Os Mais Belos Sonetos

Coletânea de sonetos escritos por poetas brasileiros, lusos e de outros paises

Raimundo Correia

Realçam no marfim da ventarola
As tuas unhas de coral felinas
Garras com que, a sorrir, tu me assassinas,
Bela e feroz... O sândalo se evola;

O ar cheiroso em redor se desenrola;
Pulsam os seios, arfam as narinas...
Sobre o espaldar de seda o torso inclinas
Numa indolência mórbida, espanhola...

Como eu sou infeliz! Como é sangrenta
Essa mão impiedosa que me arranca
A vida aos poucos, nesta morte lenta!

Essa mão de fidalga, fina e branca;
Essa mão, que me atrai e me afugenta,
Que eu afago, que eu beijo, e que me espanca!

José Albano

Amar é desejar o sofrimento
E contentar-se só de ter sofrido,
Sem um suspiro vão, sem um gemido,
No mal mais doloroso e mais cruento.

É vagar desta vida tão isento
É deste mundo enfim tão esquecido,
É pôr o seu cuidar num só sentido
E todo o seu sentir num só tormento.

É nascer qual humilde carpinteiro,
De rudes pescadores rodeado,
Caminhando ao suplício derradeiro.

É viver sem carinho nem agrado,
É ser enfim vendido por dinheiro,
E entre ladrões morrer crucificado.

Auta de Souza

Quando me vêem passar risonha e calma,
Sem um pesar que me anuvie a fronte,
Perdido o olhar na curva do horizonte,
Cuidam que eu tenho o paraíso na alma.

Mesmo encontrei quem me dissesse um dia:
“Invejo-te a existência descuidosa.”
Como se espinhos não tivesse a rosa,
Ou fosse a vida isenta de agonia!

Porém, enquanto, desdenhosa, altiva,
Eu vou passando, alegre ou pensativa…
A rir, a rir, como um feliz demente,

Meu pobre coração dentro do peito
– Triste doente a agonizar no leito –
Vai soluçando dolorosamente…

Fagundes Varela

Passai tristes fantasmas! O que é feito
Das mulheres que amei, gentis e puras?
Umas devoram negras amarguras,
Repousam outras em marmóreo leito!

Outras no encalço de fatal proveito
Buscam à noite as saturnais escuras,
Onde empenhando as murchas formosuras
Ao demônio do ouro rendem preito!

Todas sem mais amor! sem mais paixões!
Mais uma fibra trêmula e sentida!
Mais um leve calor nos corações!

Pálidas sombras de ilusão perdida,
Minha alma está deserta de emoções,
Passai, passai, não me poupeis a vida!

Augusto dos Anjos

Filho podre de antigos Goitacases,
Em qualquer parte onde a cabeça ponha,
Deixa circunferências de peçonha,
Marcas oriundas de úlceras e antrazes.

Todos os cinocéfalos vorazes
Cheiram seu corpo. À noite, quando sonha,
Sente no tórax a pressão medonha
Do bruto embate férreo das tenazes.

Mostra aos montes e aos rígidos rochedos
A hedionda elefantíase dos dedos...
Há um cansaço no Cosmos... Anoitece.

Riem as meretrizes no Cassino,
E o Lázaro caminha em seu destino
Para um fim que ele mesmo desconhece!

Cruz e Sousa

Ó alma doce e triste e palpitante!
Que cítaras soluçam solitárias
Pelas Regiões longínquas, visionárias
Do teu Sonho secreto e fascinante!

Quantas zonas de luz purificante,
Quantos silêncios, quantas sombras várias
De esferas imortais imaginárias
Falam contigo, ó Alma cativante!

Que chama acende os teus faróis noturnos
E veste os teus mistérios taciturnos
Dos esplendores do arco de aliança?

Por que és assim, melancolicamente,
Como um arcanjo infante, adolescente,
Esquecido nos vales da Esperança?!

Francisco Joaquim Bingre

Se a ti, onde Amor leva o pensamento,
Meu triste coração levar pudesse,
Dó terias, cruel, do que padece,
Se ainda em teu peito cabe sentimento.

Amar sem possuir é um tormento
Que só quem o suporta é que o conhece.
Não o conheces tu, pois te arrefece
Sempre, na ausência, o frio esquecimento.

Tu tens um coração que se persuade
Deve amar só quando se deleita
Na posse do prazer, da sociedade.

O meu segue outra estrada mais direita,
Ama distante, ferem-no a Saudade
O Ciúme infernal, a vil Suspeita.

Augusto dos Anjos

Ela é o tipo perfeito da ariana,
Branca, nevada, púbere, mimosa,
A carne exuberante e capitosa
Trescala a essência que de si dimana.

As níveas pomas do candor da rosa,
Rendilhando-lhe o colo de sultana,
Emergem da camisa cetinosa
Entre as rendas sutis de filigrana.

Dorme talvez. Em flácido abandono
Lembra formosa no seu casto sono
A languidez dormente da indiana.

Enquanto o amante pálido, a seu lado
Medita, a fronte triste, o olhar velado
No Mistério da Carne Soberana.

Luís Guimarães Júnior

Por entre as largas filas silenciosas
Das sepulturas mal iluminadas,
Rugem as negras sedas odorosas,
Ao compasso de excêntricas risadas.

As grinaldas, de goivo entrelaçadas,
À frouxa luz das velas lacrimosas,
Rolam no pó dos túmulos, – lançadas
Da mesma sorte qual no palco as rosas.

Vão pela mão das nobres elegantes
As crianças risonhas, – cintilantes
De uma feroz e estúpida alegria:

Cruzam-se olhares de malícia, – enquanto
Os mortos sentem gotejar o pranto...
Que chora o orvalho quando expira o dia.

Cruz e Sousa

Estrela triste a refletir na lama,
Raio de luz a cintilar na poeira,
Tens a graça sutil e feiticeira,
A doçura das curvas e da chama.

Do teu olhar um fluido se derrama
De tão suave, cândida maneira
Que és a sagrada pomba alvissareira
Que para o Amor toda a minh’alma chama.

Meu ser anseia por teu doce apoio,
Nos outros seres só encontra joio
Mas só no teu todo o divino trigo.

Sou como um cego sem bordão de arrimo
Que do teu ser, tateando, me aproximo
Como de um céu de carinhoso abrigo.

Judas Isgorogota

Plantei há muito uma semente antiga
Para que desse sombra e frutos desse
A mim e aos meus e aos mais... aos que pudesse
Livrar da dor, da fome e da fadiga...

A semente brotou e árvore amiga
Se fez e um ribeirinho em forma de S
Eis que lhe passa à sombra e eis que lhe tece
Quase idilicamente, uma cantiga.

Um dia toda se enflorou. E um dia,
Sentindo a mesma dor que ela sentia,
Sentindo os mesmos golpes do instrumento,

Ruímos nós dois num mesmo desenlace...
É que eu não quis que às mãos de alguém chegasse
O fruto amargo do meu pensamento...

Olavo Bilac

Longe de ti, se escuto, porventura,
Teu nome, que uma boca indiferente
Entre outros nomes de mulher murmura,
Sobe-me o pranto aos olhos, de repente...

Tal aquele, que, mísero, a tortura
Sofre de amargo exílio, e tristemente
A linguagem natal, maviosa e pura,
Ouve falada por estranha gente...

Porque teu nome é para mim o nome
De uma pátria distante e idolatrada,
Cuja saudade ardente me consome:

E ouvi-lo é ver a eterna primavera
E a eterna luz da terra abençoada,
Onde, entre flores, teu amor me espera.

Augusto dos Anjos

Agora, sim! Vamos morrer, reunidos,
Tamarindo de minha desventura,
Tu, com o envelhecimento da nervura
Eu, com o envelhecimento dos tecidos!

Ah! Esta noite é a noite dos Vencidos!
E a podridão, meu velho! E essa futura
Ultrafatalidade de ossatura,
A que nos acharemos reduzidos!

Não morrerão, porém tuas sementes!
E assim, para o Futuro, em diferentes
Florestas, vales, selvas, glebas, trilhos,

Na multiplicidade dos teus ramos,
Pelo muito que em vida nos amamos,
Depois da morte, inda teremos filhos!

Luís Guimarães Júnior

Eu sou – dizia o berço ao túmulo profundo –
A mansão da inocência, a festival guarida:
Em meu seio de neve é que se empluma a vida:
Eu sou o amor! o amor!... E tu, sepulcro imundo,

És a voraz garganta, o abismo furibundo
Onde o leve batel, de bússola partida,
Sente cair-lhe o leme e a vela descosida:
Ó morte, és como o tigre, o teu curral é o mundo.

Respondeu-lhe o sepulcro: – Escuta, enquanto inflamas
As ambições, o ódio, as guerras, a impiedade,
Eu acolho em meu seio as iras que derramas:

Dou a flor, dou o fruto à lívida orfandade,
Despovoo o hospital, varro as imundas camas,
E aos poetas sem pão dou a Imortalidade.

Florbela Espanca

Aqueles que me têm muito amor
Não sabem o que sinto e o que sou ...
Não sabem que passou, um dia, a Dor
À minha porta e, nesse dia, entrou.

E é desde então que eu sinto este pavor,
Este frio que anda em mim, e que gelou
O que de bom me deu Nosso Senhor!
Se eu nem sei por onde ando e onde vou!!

Sinto os passos da Dor, essa cadência
Que é já tortura infinda, que é demência!
Que é já vontade doida de gritar!

E é sempre a mesma mágoa, o mesmo tédio,
A mesma angústia funda, sem remédio,
Andando atrás de mim, sem me largar!

J. G. de Araújo Jorge

Bom o tempo que ficou, – amei-te na alegria
de uma tarde azulada e linda de Setembro,
– disso tudo hoje triste eu muita vez me lembro
enquanto uma saudade o peito crucia…

Amei-te, como nunca outro alguém te amaria,
eras o meu sonhar de Janeiro à Dezembro…
Depois… Tu me deixas-te, e ainda hoje se relembro,
Amargo a mesma dor cruel daquele dia…

Agora sem viver, – sou um corpo sem alma,-
conformo-me com tudo, e vou chegando ao fim
– como a tarde que cai bem suavemente em calma.

Já não sinto… não sofro… já nem vivo até.
– Se a vida ainda era vida ao ter-te junto à mim
hoje, longe de ti, – nem vida ao menos é!

Olavo Bilac

Última flor do Lácio, inculta e bela,
És, a um tempo, esplendor e sepultura:
Ouro nativo, que na ganga impura
A bruta mina entre os cascalhos vela...

Amo-te assim, desconhecida e obscura.
Tuba de alto clangor, lira singela,
Que tens o trom e o silvo da procela,
E o arrolo da saudade e da ternura!

Amo o teu viço agreste e o teu aroma
De virgens selvas e de oceano largo!
Amo-te, ó rude e doloroso idioma,

Em que da voz materna ouvi: "meu filho!",
E em que Camões chorou, no exílio amargo,
O gênio sem ventura e o amor sem brilho!

Judas Isgorogota

Dois túmulos, nós dois... Ambos, ao peito,
Sob a insondável lápide marmórea,
Temos sepulta a interrompida história
De um desfortúnio mais do que perfeito.

A nossa vida é um campo santo feito
Somente para nós e para a inglória
Mágoa que sinto, a mágoa intransitória
Que te traz abatida desse jeito.

Pena é que esse mistério que nos cinge
Force a vivermos ambos, lado a lado,
Como uma esfinge junto de outra esfinge...

Sem que eu saiba o porquê de teu cuidado,
Sem que saibas que é em ti que se restringe
O meu silêncio de desventurado...

Olavo Bilac

Olha estas velhas árvores, mais belas
Do que as árvores moças, mais amigas,
Tanto mais belas quanto mais antigas,
Vencedoras da idade e das procelas...

O homem, a fera e o inseto, à sombra delas
Vivem, livres da fome e de fadigas:
E em seus galhos abrigam-se as cantigas
E os amores das aves tagarelas.

Não choremos, amigo, a mocidade!
Envelheçamos rindo. Envelheçamos
Como as árvores fortes envelhecem,

Na glória de alegria e da bondade,
Agasalhando os pássaros nos ramos,
Dando sombra e consolo aos que padecem!

Luís Guimarães Júnior

Cresce a invernosa noite, um frio intenso
Morde-me as carnes: – lívido, gelado,
No leito me ergo... e escuto o desolado
Uivo do Inverno, atroz, convulso, imenso...

Tento dormir. Em vão! Escuto e penso.
Penso na eterna Ausente... Ah! se a meu lado
Ela estivesse! um beijo perfumado!
Um só! me fora ardente e ideal incenso...

Abre-se então de leve a minha porta:
É Ela! Entrou. Na palidez da morta
Uma aurora de beijos irradia:

Caminha... chega e diz-me num segredo:
“Une teu rosto ao meu, não tenhas medo:
Venho aquecer-te: – a noite está tão fria!”

Alceu Wamosy

Não me tentes assim. Fecha esses braços.
Nas dobras da mantilha oculta as pomas.
Volve esses olhos mágicos e lassos,
E essa boca sensual, cheia de aromas.

Quero fugir do mal dos teus abraços,
Das trágicas cadeias das tuas comas,
E me fazes rojar, trás os teus passos,
Mal o teu vulto tentador assomas!

O meu ser te repele e te procura,
Mulher fatal, diabólica e divina,
Geradora de amor e de loucura!

Beija-me mais! Afoga-me o desejo!
Pois, se sei que teu beijo me assassina,
Sei que sucumbo à falta desse beijo!...

Augusto dos Anjos 

E ele morreu. Ele que foi um forte
Que nunca se quebrou pelo Desgosto
Morreu... mas não deixou na ara do rosto
Um só vestígio que acusasse a Morte!

O anatomista que investiga a sorte
Das vidas que se abismam no Sol-posto
Ficaria admirado do seu rosto
Vendo-o tão belo, tão sereno e forte!

Quando meu Pai deixou o lar amigo
Um sabiá da casa muito antigo,
Que há muito tempo não cantava lá,

Diluiu o silêncio em litanias...
E hoje, poetas, já faz sete dias
Que eu ouço o canto desse sabiá!

Luís Guimarães Júnior

Da agreste lira aos matinais arpejos
Foi caminhando, ó bela soberana,
A esperançosa e infinda caravana
Das minhas ilusões e dos meus beijos;

Teus largos olhos, donde a luz emana,
Eram miragens de ideais desejos;
E os lábios teus – oásis benfazejos
Cujo fulgor atrai, promete e engana.

E, após jornadas cruas e penosas,
As ilusões famintas, sequiosas,
Do teu falsário coração já perto,

Sucumbiram, ó pérfida tirana,
Como no Saara a exausta caravana
Que procura uma fonte e acha o deserto.

Benjamim Silva

Há mágoas que não podem ser contadas,
Há mágoas que não podem ser ouvidas.
Devem ficar ocultas, sepultadas,
Dentro de nossas almas, escondidas.

Deixemo-las, assim, encarceradas,
Bem no íntimo do peito, reprimidas,
Até que um dia sejam renegadas,
Postas no rol das coisas esquecidas.

As mágoas que deprimem, que envergonham,
Não deverão jamais permanecer
No coração sincero dos que sonham.

Não fales, pois, daquela que te apouca:
Teus próprios lábios poderão tremer,
E tua própria voz queimar-te a boca.

Euclides da Cunha

Se acaso uma alma se fotografasse
de sorte que, nos mesmos negativos,
A mesma luz pusesse em traços vivos
O nosso coração e a nossa face;

E os nossos ideais, e os mais cativos
De nossos sonhos… Se a emoção que nasce
Em nós, também nas chapas se gravasse
Mesmo em ligeiros traços fugitivos;

Amigo! tu terias com certeza
A mais completa e insólita surpresa
Notando – deste grupo bem no meio –

Que o mais belo, o mais forte, o mais ardente
Destes sujeitos é precisamente
O mais triste, o mais pálido, o mais feio.

Augusto dos Anjos

Filha da raiva de Jeová - a Peste
Num insano ceifar que aterra e espanta,
De espaço a espaço sepulturas planta
E em cada coração planta um cipreste!

Exulta o Eterno e... tudo chora, tudo!
Quando Ela passa, semeando a Morte,
Todos dizem com os olhos para a Sorte
- É o castigo de Deus que passa mudo!

- Fúlgido foco de escaldantes brasas
- O sol a segue, e a Peste ri-se, enquanto
Vai devastando o coração das casas...

E como o sol que a segue e deixa um rastro
De luz em tudo, ela, como o sol - o astro -
Deixa um rastro de luto em cada canto!

Euclides da Cunha

Um dia a vi, nas lamas da miséria,
Como entre pântanos um branco lírio,
Velada a fronte em palidez funérea,
O frio véu das noivas do martírio!

Pedia esmola — pequena e séria —
Os seios, pastos de eternal delírio,
Cobertos eram de uma cor cinérea —
Seus olhos tinham o brilhar do círio.

Tempos depois num carro — audaz, brilhante,
Uma mulher eu vi — febril, galante…
Lancei-lhe o olhar e… maldição! tremi…

Ria-se — cínica, servil… faceira?
O carro numa nuvem de poeira
Se arremessou… e eu nunca mais a vi!

Florbela Espanca

Morte, minha Senhora Dona Morte,
Tão bom que deve ser o teu abraço!
Lânguido e doce como um doce laço
E, como uma raiz, sereno e forte.

Não há mal que não sare ou não conforte
Tua mão que nos guia passo a passo,
Em ti, dentro de ti, no teu regaço
Não há triste destino nem má sorte.

Dona Morte dos dedos de veludo,
Fecha-me os olhos que já viram tudo!
Prende-me as asas que voaram tanto!

Vim da Moirama, sou filha de rei,
Má fada me encantou e aqui fiquei
À tua espera…quebra-me o encanto

Luís Guimarães Júnior

Soam ao longe as trompas vencedoras;
Vibra o hallali na mata gloriosa:
Latem os cães, e a cavalgada airosa
Das elegantes, fortes caçadoras,

Cabelo ao ar, altivas, tentadoras,
Qual de Diana a escolta poderosa,
Persegue a fera, e açula jubilosa
As matilhas cruéis e vingadoras.

No entanto, a castelã, triste e isolada,
À sombra dos frondosos arvoredos,
Pálida, loira, casta e enamorada,

Passeia ouvindo uns matinais segredos,
E, como a Margarida da balada,
Desfolha um malmequer entre os seus dedos.

Augusto dos Anjos

O mar é triste como um cemitério,
Cada rocha é uma eterna sepultura
Banhada pela imácula brancura
De ondas chorando num albor etéreo.

Ah! dessas no bramir funéreo
Jamais vibrou a sinfonia pura
Do amor; só descanta, dentre a escura
Treva do oceano, a voz do meu saltério!

Quando a cândida espuma dessas vagas,
Banhando a fria solidão das fragas,
Onde a quebrar-se tão fugaz se esfuma.

Reflete a luz do sol que já não arde,
Treme na treva a púrpura da tarde,
Chora a saudade envolta nesta espuma!

Luís Guimarães Júnior

Meu coração repleto de esplendores
Como as grutas fantásticas do Oriente,
Será digno de ti. Por ti somente
Foi que eu junquei meu coração de flores.

Por ti despi-o das passadas cores,
Por ti sequei a lágrima pungente
Que gotejava como o orvalho ardente,
Silenciosa – sobre as minhas dores.

Entra. Percorre estes vergéis risonhos,
Calca a sorrir a terra emudecida
Onde palpita o mundo dos meus sonhos.

Fica porém atenta e prevenida:
Hás de ouvir, muitas vezes, os medonhos
E surdos ais de uma ilusão perdida.

Pedro Homem de Melo

Não choreis nunca os mortos esquecidos
Na funda escuridão das sepulturas.
Deixai crescer, à solta, as ervas duras
Sobre os seus corpos vãos adormecidos.

E quando, à tarde, o Sol, entre brasidos,
Agonizar… guardai, longe, as doçuras
Das vossas orações, calmas e puras,
Para os que vivem, nudos e vencidos.

Lembrai-vos dos aflitos, dos cativos,
Da multidão sem fim dos que são vivos,
Dos tristes que não podem esquecer.

E, ao meditar, então, na paz da Morte,
Vereis, talvez, como é suave a sorte
Daqueles que deixaram de sofrer.

Anibal Beça

No calmo colo meus segredos pouso
Senhora que cavalga meu sendeiro.
Convoco vossa ajuda neste escorço
para viver a vida por inteiro.

Não sei se o vero verbo em que repouso
vem me afogar no mais turvo atoleiro
mas sei pela certeza que em meu fosso
nunca se afunda o trato companheiro.

Meu rosto depressivo de exilado
alberga-se em vossa aura na fadiga
trazendo o sal dos olhos marejados.

Águas que são garoa da cantiga
de recorrentes gotas despejadas
as vossas mãos regando, amada e amiga.

Augusto dos Anjos

Frio o sagrado coração da lua,
Teu coração rolou da luz serena!
E eu tinha ido ver a aurora tua
Nos raios de ouro da celeste arena...

E vi-te triste, desvalida e nua!
E o olhar perdi, ansiando a luz amena
No silêncio notívago da rua...
- Sonâmbulo glacial da estranha pena!

Estavas fria! A neve que a alma corta
Não gele talvez mais, nem mais alquebre
Um coração como a alma que está morta...

E estavas morta, eu vi, eu que te almejo,
Sombra de gelo que me apaga a febre,
- Lua que esfria o sol do meu desejo!

Euclides da Cunha 

Morrem os mundos... Silenciosa e escura,
Eterna noite cinge-os. Mudas, frias,
Nas luminosas solidões da altura
Erguem-se, assim, necrópoles sombrias...

Mas pra nós, di-lo a ciência, além perdura
A vida, e expande as rútilas magias...
Pelos séculos em fora a luz fulgura
Traçando-lhes as órbitas vazias.

Meus ideais! extinta claridade –
Mortos, rompéis, fantásticos e insanos
Da minh'alma a revolta imensidade...

E sois ainda todos os enganos
E toda a luz, e toda a mocidade
Desta velhice trágica aos vinte anos..."

Augusto dos Anjos

Na rua em funeral ei-la que passa,
A romaria eterna dos aflitos,
A procissão dos tristes, dos proscritos,
Dos romeiros saudosos da desgraça.

E na choça a lamúria que traspassa
O coração, além, ânsias e gritos
De mães que arquejam sobre os probrezitos
Filhos que a Fome derrubou na praça.

Entre todos, porém, lânguida e bela,
Da juventude a virginal capela
A lhe cingir de luz a fronte baça,

Vai Corina mendiga e esfarrapada,
A alma saudosa pelo amor vibrada,
– A Stella Matutina da Desgraça!

Cruz e Sousa

Alma ferida pelas negras lanças
Da Desgraça, ferida do Destino,
Alma, a que as amarguras tecem o hino
Sombrio das cruéis desesperanças,

Não desças, Alma feita de heranças
Da Dor, não desças do teu céu divino.
Cintila como o espelho cristalino
Das sagradas, serenas esperanças.

Mesmo na Dor espera com clemência
E sobe à sideral resplandecência,
Longe de um mundo que só tem peçonha.

Das ruínas de tudo ergue-te pura
E eternamente, na suprema Altura,
Suspira, sofre, cisma, sente, sonha!

Antero de Quental

Num sonho todo feito de incerteza,
De noturna e indizível ansiedade,
É que eu vi teu olhar de piedade
E (mais que piedade) de tristeza…

Não era o vulgar brilho da beleza,
Nem o ardor banal da mocidade…
Era outra luz, era outra suavidade,
Que até nem sei se as há na natureza…

Um místico sofrer… uma ventura
Feita só do perdão, só da ternura
E da paz da nossa hora derradeira…

Ó visão, visão triste e piedosa!
Fita-me assim calada, assim chorosa…
E deixa-me sonhar a vida inteira!

Cláudio Manoel da Costa

Se à memória trouxeres algum dia,
Belíssima tirana, ídolo amado,
Os ternos ais, o pranto magoado,
Com que por ti de amor Alfeu gemia;

Confunda-te a soberba tirania,
O ódio injusto, o violento desagrado,
Com que atrás de teu olhos arrastado
Teu ingrato rigor o conduzia.

E já que enfim tão mísero o fizeste,
Vê-lo-ás, cruel, em prêmio de adorar-te,
Vê-lo-ás, cruel, morrer; que assim quiseste.

Dirás, lisonjeando a dor em parte:
Fui-te ingrata, pastor; por mim morreste;
Triste remédio a quem não pode amar-te!

Gregório de Matos

Nasce o Sol, e não dura mais que um dia,
Depois da luz se segue a noite escura,
Em tristes sombras morre a formosura,
Em contínuas tristezas a alegria.

Porém se acaba o Sol, por que nascia?
Se formosa a luz é, por que não dura?
Como a beleza assim se transfigura?
Como o gosto da pena assim se fia?

Mas no Sol e na luz, falta a firmeza,
Na formosura não se crê constância,
E na alegria sinta-se tristeza.

Começa o mundo enfim pela ignorância,
E tem qualquer dos bens por natureza
A firmeza somente na inconstância.

Luís Guimarães Júnior

Como um fugaz suspiro, um som que passa,
E a flor pendida antes do fim do dia,
Assim morreste, ó pálida erradia,
Ó favorita pomba da Desgraça!

Rápida embora, passageira e escassa,
Foi-te a existência toda uma agonia,
E tua boca trêmula sorria
Bebendo a morte na funérea taça.

Abandonada, pobre, humilde, obscura,
Desceste à negra e torva sepultura,
Tu, a formosa deusa entre as formosas:

Ah! que eu não tenha versos como flores
Para a campa te encher de aromas, cores,
Goivos, saudades, lágrimas e rosas!

Alphonsus de Guimaraens

Hirta e branca... Repousa a sua áurea cabeça
Numa almofada de cetim bordada em lírios.
Ei-la morta afinal como quem adormeça
Aqui para sofrer Além novos martírios.

De mãos postas, num sonho ausente, a sombra espessa
Do seu corpo escurece a luz dos quatro círios:
Ela faz-me pensar numa ancestral Condessa
Da Idade Média, morta em sagrados delírios.

Os poentes sepulcrais do extremo desengano
Vão enchendo de luto as paredes vazias,
E velam para sempre o seu olhar humano.

Expira, ao longe, o vento, e o luar, longinquamente,
Alveja, embalsamando as brancas agonias
Na sonolenta paz desta Câmara-ardente...

Olavo Bilac

Leio-te: - o pranto dos meus olhos rola:
- Do seu cabelo o delicado cheiro,
Da sua voz o timbre prazenteiro,
Tudo do livro sinto que se evola ...

Todo o nosso romance: - a doce esmola
Do seu primeiro olhar, o seu primeiro
Sorriso, - neste poema verdadeiro,
Tudo ao meu triste olhar se desenrola.

Sinto animar-se todo o meu passado:
E quanto mais as páginas folheio,
Mais vejo em tudo aquele vulto amado.

Ouço junto de mim bater-lhe o seio,
E cuido vê-la, plácida, a meu lado,
Lendo comigo a página que leio.

Nicolau Tolentino

Coração, de que gemes, de que choras?
Que parece tens ódio à própria vida!
Se perdeste teu bem, foi mão perdida,
Com te pôr a morrer nada melhoras.

Eu bem sei que a beleza a quem adoras,
Foi-te ingrata, e cruel, foi fementida;
Mas que esperavas tu, se é lei sabida
O mudar-se a Mulher todas as horas.

Sossega, Coração, deixa a tristeza;
Quem te mandou querer com fé tão pura,
Quem te mandou mostrar tanta firmeza!

Erraste, tem paciência, em fim procura
Não fazer por Mulher jamais fineza,
Acharás mais amor, maior ventura.

Raul de Leoni

Almas desoladoramente frias
De uma aridez tristíssima de areia,
Nelas não vingam essas suaves poesias
Que a alma das cousas, ao passar, semeia...

Desesperadoramente estéreis e sombrias,
Onde passam (triste aura que as rodeia!)
Deixam uma atmosfera amarga, cheia
De desencantos e melancolias...

Nessa árida rudeza de rochedo,
Mesmo fazendo o bem, sua mão é pesada,
Sua própria virtude mete medo...

Como são tristes essas vidas sem amor,
Essas sombras que nunca amaram nada,
Essas almas que nunca deram flor...

Salvador Novo

Escrevo-te outra vez, vou ao correio
beijar o selo, a beira do envelope...
Teus lábios! Meu nariz, choroso, entope.
Vão dias, e a resposta inda não veio.

Teus claros olhos são, quando te leio,
tão nítidos na mente, se a galope
me venha aquela angústia que me dope
nas horas de saudade, meu recreio!

Ao sonho roubo o encanto de rever-te.
Me encanto, na vigília, com sonhar-te,
temendo, no meu íntimo, perder-te.

Teu rosto penso achar em toda parte.
Amor, meu bem, é isso: ausência e flerte,
que mata e ressuscita. É sorte, ou arte.

Alberto de Oliveira

Quanta vez, neste mundo, em rumo escuro e incerto,
O homem vive a tatear na treva em que se cria!
Em torno, tudo é vão, sobre a estrada sombria,
No pavor de esperar a angústia que vem perto!...

Entre as vascas da morte, o peito exangue e aberto,
Desgraçado viajor rebelado ao seu guia,
Desespera, soluça, anseia e balbucia
A suprema oração da dor do seu deserto.

Nessa grande amargura, a alma pobre, entre escombros,
Sente o Mestre do Amor que lhe mostra nos ombros
A grandeza da cruz que ilumina e socorre;

Do mundo é a escuridão, que sepulta a quimera...
E no escuro bulcão só Jesus persevera,
Como a luz imortal do amor que nunca morre.

Luís Guimarães Júnior

Quando ela dorme como dorme a estrela
Nos vapores da tímida alvorada,
E a sua doce fronte extasiada
Mais perfeita que um lírio, e tão singela,

Tão serena, tão lúcida, tão bela
Como dos anjos a cabeça amada,
Repousa na cambraia perfumada,
Eu velo absorto o casto sono dela.

E rogo a Deus, enquanto a estrela brilha,
Deus que protege a planta e a flor obscura
E nos indica do futuro a trilha,

Deus, por quem toda a Criação se humilha,
Que tenha pena dessa criatura,
Desse botão de flor – que é minha filha.

Juvenal Antunes

Quem te conhece assim, simples, modesta,
De olhos baixos, discreta e recolhida,
Com esse Cândido porte, que te empresta
Um ar de melancolia compungida,

E ouve-te a voz tão sussurrante e mesta,
Como uma doce nota sustenida,
Fica a pensar que alguma dor te infesta,
Que alguma mágoa te consome a vida.

Toda a gente, entretanto, anda enganada;
És, entre as mil mulheres que eu conheço,
A mais ardente, a mais apaixonada...

Semelhas o vulcão, perfeitamente:
Por fora – pedra, argila, areia, gesso;
Por dentro – fogo, lava incandescente!

Pe. Antônio Tomás

Da Cruz pendente expira, e, sem demora,
De susto e horror desmaia o sol na altura,
Cobre-se o céu de um manto de negrura,
E o mundo inteiro treme e se apavora.

Trajando luto, a natureza chora,
Fende-se a terra, estala a rocha dura,
E, abandonando a paz da sepultura,
Vagueiam mortos pelo campo afora...

Além ronca o trovão sinistramente...
Fuzila o raio e, em doida tempestade,
Brame e se agita o velho mar gemente.

Tinhas, decerto, ó Cristo, a divindade,
Pois na morte de um Deus, de um Deus somente,
Pode haver tanta pompa e majestade!

Augusto dos Anjos

Maria, eis-me a teus pés. Eu venho arrependido,
Implorar-te o perdão do imenso crime meu!
Eis-me, pois, a teus pés, perdoa o teu vencido,
Açucena de Deus, lírio morto do Céu!

Perdão! E a minha voz estertora um gemido,
E o lábio meu pra sempre apartado do teu
Não há de beijar mais o teu lábio querido!
Ah! Quando tu morreste, o meu Sonho morreu!

Perdão, pátria da Aurora exilada do Sonho!
- Irei agora, assim, pelo mundo, para onde
Me levar o Destino abatido e tristonho...

Perdão! E este silêncio e esta tumba que cala!
Insânia, insânia, insânia, ah! ninguém me responde...
Perdão! E este sepulcro imenso que não fala!

Chico Buarque

Por que me descobriste no abandono
Com que tortura me arrancaste um beijo
Por que me incendiaste de desejo
Quando eu estava bem, morta de sono

Com que mentira abriste meu segredo
De que romance antigo me roubaste
Com que raio de luz me iluminaste
Quando eu estava bem, morta de medo

Por que não me deixaste adormecida
E me indicaste o mar, com que navio
E me deixaste só, com que saída

Por que desceste ao meu porão sombrio
Com que direito me ensinaste a vida
Quando eu estava bem, morta de frio

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