Os Mais Belos Sonetos

Coletânea de sonetos escritos por poetas brasileiros, lusos e de outros paises

Auta de Souza

Não te perdôo, não, meus tristes olhos
Não mais hei de fitar nos teus, sorrindo:
Jamais minh’alma sobre um mar de escolhos
Há de chamar por ti no anseio infindo.

Jamais, jamais, nos delicados folhos
Do coração como n’um ramo lindo,
Há de cantar teu nome entre os abrolhos
A ária gentil de meu sonhar já findo.

Não te perdôo, não! E em tardes claras,
Cheias de sonhos e delícias raras,
Quando eu passar à hora do Sol posto:

Não rias para mim que sofro e penso,
Deixa-me só neste deserto imenso...
Ah! se eu pudesse nunca ver teu rosto!

Alceu Wamosy

Nem uma flor, uma saudade, um verso apenas
ficou, para lembrar a passagem daquela
de grandes olhos leais e tristes mãos serenas,
a quem o amor fez santa e o sofrimento bela.

E no entanto, ela andou, derramando, às mãos plenas,
naquele gesto bom, que era somente dela,
sobre o meu peito, lírios, açucenas,
dando ao meu coração frescuras de capela.

E nada que a recorde! E nada que a recorde!
Nem uma letra só nas urnas da memória...
Na harpa que ando a tanger, nem um simples acorde...

E entre os amores - pobre amor! - que tenho tido,
esse amor fica assim, longe, humilde, esquecido,
como um sepulcro abandonado... sem história...

Antero de Quental

Noite, irmã da Razão e irmã da Morte,
Quantas vezes tenho eu interrogado
Teu verbo, teu oráculo sagrado,
Confidente e intérprete da Sorte!

Aonde vão teus sóis, como corte
De almas inquietas, que conduz o Fado?
E o homem porque vaga desolado
E em vão busca a certeza, que o conforte?

Mas, na pompa de imenso funeral,
Muda, a noite, sinistra e triunfal,
Passa volvendo as horas vagarosas...

É tudo, em torno a mim, dúvida e luto;
E, perdido num sonho imenso, escuto
O suspiro das coisas tenebrosas...

Francisca Júlia

Eis-me a pensar, enquanto a noite envolve a terra;
Olhos fitos no vácuo, a amiga pena em pouso,
Eis-me, pois, a pensar... De antro em antro, de serra
Em serra, ecoa, longo, um réquiem doloroso.

No alto uma estrela triste as pálpebras descerra,
Lançando, noite dentro, o claro olhar piedoso.
A alma das sombras dorme; e pelos ares erra
Um mórbido langor de calma e de repouso.

Em noite escura assim, de repouso e de calma,
É que a alma vive e a dor exulta, ambas unidas,
A alma cheia de dor, a dor tão cheia de alma...

É que a alma se abandona ao sabor dos enganos,
Antegozando já quimeras pressentidas
Que mais tarde hão de vir com o decorrer dos anos.

Alceu Wamosy

Estende as asas pálpites e mansas,
Brandas, aéreas, tépidas, serenas,
Como um pálio de amor e de esperanças,
Sobre os meus males, sobre as minhas penas!

Desçam eflúvios mágicos, bonanças
Infinitas, etéreas cantilenas,
Num chuveiro de risos de crianças,
E de perfumes castos de açucenas!

Tudo desça, cantando, das tuas asas,
Sobre minha alma cheia de abandono,
Que a orfandade do amor de mágoas junca...

Para eu sonhar na luz em que me abrasas...
Para eu poder dormir um grande sono,
Um sono bom... que não se acabe nunca...

Olavo Bilac

Primavera. Um sorriso aberto em tudo. Os ramos
Numa palpitação de flores e de ninhos.
Doirava o sol de outubro a areia dos caminhos
(Lembras-te, Rosa?) e ao sol de outubro nos amamos.

Verão. (Lembras-te, Dulce?) À beira-mar, sozinhos
Tentou-nos o pecado: olhaste-me... e pecamos;
E o outono desfolhava os roseirais vizinhos,
Ó Laura, a vez primeira em que nos abraçamos...

Veio o inverno. Porém, sentada em meus joelhos,
Nua, presos aos meus os teus lábios vermelhos,
(Lembras-te, Branca?) ardia a tua carne em flor...

Carne, que queres mais? Coração, que mais queres?
Passam as estações e passam as mulheres...
E eu tenho amado tanto! e não conheço o Amor!

Artur Azevedo

Depois que se casara aquela criatura,
Que a negra traição das pérfidas requinta,
Eu nunca mais a vi, pois, de ouropéis faminta,
De um bem fingido amor quebrara a ardente jura.

Alta noite, porém, vi-a pela ventura,
Numa avenida estreita e lobrega da quinta...
Painel é que se cuida e sem color se pinta,
De alvo femíneo vulto ou madrugada escura.

Maldito quem sentindo o pungitivo açoite
Do desprezo e na sombra a sombra de um afeto
A pular uma grade, um muro não se afoite.

- Prometes ser discreto? - Ó meu amor! prometo...
Se não fosses tão curta, ó bem ditosa noite!
Se fosses mais comprido, ó pálido soneto!

Aurélio Buarque de Holanda

Amar-te – não por gozo da vaidade,
Não movido de orgulho ou de ambição,
Não à procura da felicidade,
Não por divertimento à solidão.

Amar-te – não por tua mocidade
- Risos, cores e luzes de verão -
E menos por fugir à ociosidade,
Como exercício para o coração.

Amar-te por amar-te: sem agora:
Sem amanhã, sem ontem, sem mesquinha
Esperança de amor, sem causa ou rumo.

Trazer-te incorporada vida fora,
Carne de minha carne, filha minha,
Viver do fogo em que ardo e me consumo.

José Moura

Uns trazem flores outros trazem velas
Eu nem trouxe velas e nem trouxe flores
Eu trouxe apenas, minha filha! Minhas dores!
E assim mesmo vou voltar com elas.

Há flores brancas, flores amarelas,
Azuis, vermelhas e de outras cores
Tão primorosas, desprendendo odores
Sorvendo lágrimas que deixaram nelas.

Eu nada pude te trazer, minha filha!
Além das dores num olhar que brilha
De uma mãe que vive pesarosamente.

Mas um consolo levarei comigo:
Foi ver Anjos deixar teu jazigo
Ornamentado merecidamente.

Alphonsus de Guimaraens

Temos saudade, pálida formosa,
De tudo quanto o pôr-do-sol fenece:
Ou seja o som final de extrema prece,
Ou seja o último anseio de uma rosa...

E mais ligeiramente a gente esquece
Uma hora que a alma de carinhos goza,
Que de ter visto, em roxa luz saudosa,
Uma imperial tulipa que adoece...

Um lírio doente no caulim de um vaso
Faz-nos lembrar um luar em pleno ocaso
Morrendo ao som das últimas trindades...

E nem eu sei, amor, por que perguntas,
Tu que és a mais formosa das defuntas,
Se eu de ti hei de ter loucas saudades.

Augusto dos Anjos

Tinha no olhar cetíneo, aveludado,
A chama cruel que arrasta os corações,
Os seios rijos eram dois brasões
Onde fulgia o símbolo do Pecado.

Bela, divina, o porte emoldurado
No mármore sublime dos contornos,
Os seios brancos, palpitantes, mornos,
Dançavam-lhe no colo perfumado.

No entanto, esta mulher de grã beleza,
Moldada pela mão da Natureza,
Tornou-se a pecadora vil. Do fado,

Do destino fatal, presa, morria
Uma noite entre as vascas da agonia
Tendo no corpo o verme do pecado!

Álvares de Azevedo

Os quinze anos de uma alma transparente,
O cabelo castanho, a face pura,
Uns olhos onde pinta-se a candura
De um coração que dorme, inda inocente...

Um seio que estremece de repente
Do mimoso vestido na brancura...
A linda mão na mágica cintura...
E uma voz que inebria docemente...

Um sorrir tão angélico, tão santo...
E nos olhos azuis cheios de vida
Lânguido véu de involuntário pranto...

É esse o talismã, é essa a Armida,
O condão de meus últimos encantos,
A visão de minh'alma distraída!

Antero de Quental

Adornou meu quarto a flor do cardo,
Perfumei-o de almíscar recendente;
Vesti-me com a púrpura fulgente,
Ensaiando meus cantos, como um bardo:

Ungi as mãos e a face com o nardo
Crescido nos jardins do Oriente,
A receber com pompa, dignamente,
Misteriosa visita a quem aguardo.

Mas que filha de reis, que anjo ou que fada
Era essa que assim a mim descia,
Do meu casebre à húmida pousada?...

Nem princesas, nem fadas. Era, flor,
Era a tua lembrança que batia
às portas de ouro e luz do meu amor!

Raul de Leoni

Renascendo no mundo da Quimera,
Ao colhermos a flor da juventude,
É quando o nosso Espírito se ilude,
Julgando-se na eterna primavera.

Mas o tempo na sua mansuetude,
Pelas sendas da vida nos espera,
Junto à dor que esclarece e regenera,
Dentro da expiação estranha e rude.

E ao tombarmos no ocaso da existência,
Nós revemos do livro da consciência
Os caracteres grandes, luminosos!...

Se vivemos no mal, quanta agonia!
Mas se o bem praticamos todo o dia,
Como somos felizes, venturosos!...

Oldney Lopes

O sonho é um refúgio em que o errante
Eterno amante da paz que procura
Sai da loucura por um breve instante
E, agonizante, sente nele a cura.

É um segundo de uma eternidade
Em que a verdade parece mentira
E se delira crendo a falsidade
De que a maldade perde e se retira

Por isso eu sonho e sempre hei de sonhar
Buscar no sonho o que não posso ter
E ser um sonhador alucinado

Pois que, sonhando, penso estar feliz
Traçando planos sobre um chão que fiz
Onde sonhar jamais será pecado!

Olavo Bilac

Este, que um Deus cruel arremessou à vida,
Marcando-o com o sinal da sua maldição,
- Este desabrochou como a erva má, nascida
Apenas para aos pés ser calcada no chão.

De motejo em motejo arrasta a alma ferida…
Sem constância no amor, dentro do coração
Sente, crespa, crescer a selva retorcida
Dos pensamentos maus, filhos da solidão.

Longos dias sem sol! noites de eterno luto!
Alma cega, perdida à toa no caminho!
Roto casco de nau, desprezado no mar!

E, árvore, acabará sem nunca dar um fruto;
E, homem, há-de morrer como viveu: sozinho!
Sem ar! sem luz! sem Deus! sem fé! sem pão! sem lar!

Augusto dos Anjos

Senhora, eu trajo o luto do passado.
Este luto sem fim que é o meu Calvário,
e anseio e choro, delirante e vário,
sonâmbulo da dor angustiado.

Quantas venturas que me acalentaram!
Meu peito, túmulo do prazer finado,
foi outrora do riso abençoado,
o berço onde as venturas se embalaram.

Mas não queiras saber nunca, risonha,
o mistério de um peito que estertora
e o segredo de uma alma que não sonha!

Não, não busques saber por que, Senhora,
é minha sina perenal, tristonha:
- Cantar o Ocaso quando surge a Aurora.

Augusto dos Anjos

Bebi! Mas sei por que bebi!... Buscava
Em verdes nuanças de miragens, ver
Se nesta ânsia suprema de beber,
Achava a Glória que ninguém achava!

E todo o dia então eu me embriagava
- Novo Sileno, - em busca de ascender
A essa Babel fictícia do Prazer
Que procuravam e que eu procurava.

Trás de mim, na atra estrada que trilhei,
Quantos também, quantos também deixei,            
Mas eu não contarei nunca a ninguém.

A ninguém nunca eu contarei a história
Dos que, como eu, foram buscar a Glória
E que, como eu, irão morrer também.

Vicente de Carvalho

Ela é tão meiga! Em seu olhar medroso
Vago como os crepúsculos do estio,
Treme a ternura, como sobre um rio
Treme a sombra de um bosque silencioso.

Quando, nas alvoradas da alegria,
A sua boca úmida floresce,
Naquele rosto angelical parece
Que é primavera, e que amanhece o dia.

Um rosto de anjo, límpido, radiante…
Mas, ai! sob esse angélico semblante
Mora e se esconde uma alma de mulher

Que a rir-se esfolha os sonhos de que vivo
- Como atirando ao vento fugitivo
As folhas sem valor de um malmequer…

Augusto dos Anjos

E eu disse – Vai-te, estrela do Passado!
Esconde-te no Azul da Imensidade,
Lá onde nunca chegue esta saudade,
- A sombra deste afeto estiolado.

Disse, e a estrela foi para o Céu subindo,
Minh'alma que de longe a acompanhava,
Viu o adeus que do Céu ela enviava,
E quando ela no Azul foi-se sumindo

Surgia a Aurora – a mágica princesa!
E eu vi o Sol do Céu iluminando
A Catedral da Grande Natureza.

Mas a noite chegou, triste, com ela
Negras sombras também foram chegando,
E nunca mais eu vi a minha estrela!

Ivan Junqueira

E se eu disser que te amo – assim, de cara,
sem mais delonga ou tímidos rodeios,
sem nem saber se a confissão te enfara
ou se te apraz o emprego de tais meios?

E se eu disser que sonho com teus seios,
teu ventre, tuas coxas, tua clara
maneira de sorrir, os lábios cheios
da luz que escorre de uma estrela rara?

E se eu disser que à noite não consigo
sequer adormecer porque me agarro
à imagem que de ti em vão persigo?

Pois eis que o digo, amor. E logo esbarro
em tua ausência – essa lâmina exata
que me penetra e fere e sangra e mata.

Pe. Antônio Tomás

Eram-me as ilusões da mocidade,
Constelações de magna refulgência,
Que o céu da minha plácida existência
Vinham doirar de branda alacridade.

Apagou-as o tempo sem piedade,
Uma após outra, com brutal violência,
Deixando-me sem luz, sob a influência
Dos desenganos da senilidade.

Vejo agora, repleto de amargura,
Mudada em penas, a fugaz ventura
Desses momentos calmos e risonhos,

E para sempre extinta nas sombrias
E longas noites dos meus negros dias,
A via-láctea branca dos meus sonhos.

Hermes Fontes

Comoção de minha Alma iluminada...
Maturidade esplêndida do Amor...
Para quê? É-me inútil a escalada
e já descri de ser o vencedor.

Desfeito o altar, por que manter a escada?
Meu destino é de chamas e esplendor,
mas olho em derredor, não vejo nada,
senão a minha Sombra e a minha Dor!

A minha Dor - essa imortal ruína;
a minha Sombra - essa espiã divina,
e a minha Solidão, em torno a mim:

e esta desilusão, e esta saudade,
e esta mentira de celebridade,
e este cansaço de esperar o fim...

Álvares de Azevedo

Passei ontem a noite junto dela.
Do camarote a divisão se erguia
apenas entre nós - e eu vivia
no doce alento dessa virgem bela...

Tanto amor, tanto fogo se revela
naqueles olhos negros! Só a via!
Música mais do céu, mais harmonia
aspirando nessa alma de donzela!

Como era doce aquele seio arfando!
Nos lábios que sorriso feiticeiro!
Daquelas horas lembro chorando!

Mas o que é triste e dói ao mundo inteiro
é sentir todo o seio palpitando...
Cheio de amores! E dormir solteiro!

Pe. Antônio Tomás

Ei-lo que segue ornado de mil flores,
De manto azul e túnica de neve,
A sorrir... a sorrir, porque tão breve
Fugiu da vida sem provar-lhe as dores.

Vão-no levando à cova... Os portadores
Do branco esquife, pequenino e leve,
São crianças também, pois não se deve
Deixar um anjo em mãos de pecadores.

Do funéreo cortejo me avizinho
E das crianças vou seguindo os passos
A cismar... a cismar pelo caminho.

E no caixão pendente dos seus braços,
Julgo estar vendo, não o louro anjinho,
Mas, uma alma de mãe feita em pedaços.

Vespasiano Ramos

Foi por ali, - contá-lo neste instante,
é abrir o livro que eu fechado tinha,
e lê-lo, folha a folha, emocionante,
desde a primeira à derradeira linha;

é desvendar a história cruciante
da imensa angústia que eu sofrendo vinha,
da imensa mágoa atroz e delirante,
da incomparável desventura minha!

Abrir o livro e, num febril transporte,
folha a folha, tremente, recitá-lo,
é desvendar o amor ingrato e forte

de quem, na vida, ansioso para tê-lo,
teve a suprema dita de encontrá-lo
e a suprema desgraça de perdê-lo!

Álvares de Azevedo

Perdoa-me, visão dos meus amores,
Se a ti ergui meus olhos suspirando!...
Se eu pensava num beijo desmaiando
Gozar contigo uma estação de flores!

De minhas faces os mortais palores,
Minha febre noturna delirando,
Meus ais, meus tristes ais vão revelando
Que peno e morro de amorosas dores...

Morro, morro por ti! na minha aurora
A dor do coração, a dor mais forte,
A dor de um desengano me devora...

Sem que última esperança me conforte,
Eu - que outrora vivia! - eu sinto agora
Morte no coração, nos olhos morte!

Oscar D'Alva

Quando a sós na existência meditando
Triste, revivo malogrados dias,
Ao recordar mais dores que alegrias,
O coração se sente miserando.

Punge-me na alma fundas agonias
De uma vida passada o bem pregando
Em toda a parte, e apenas encontrando
Insolências, insultos, ironias...

Os gozos são efêmeros fulgores
Que minha alma lembrando hoje revive;
O mais são mágoas, lutos, dissabores...

Então sinto — ao pensar que não gozei —
Saudade de prazeres que não tive,
Esperança de bens que não terei!

José Albano

Mata-me, puro Amor, mas docemente,
Para que eu sinta as dores que sentiste
Naquele dia tenebroso e triste
De suplício implacável e inclemente.

Faze que a dura pena me atormente
E de todo me vença e me conquiste,
Que o peito saudoso não resiste
E o coração cansado já consente.

E como te amei e sempre te amo,
Deixa-me agora padecer contigo
E depois alcançar o eterno ramo.

E, abrindo as asas para o etéreo abrigo,
Divino Amor, escuta que eu te chamo,
Divino Amor, espera que eu te sigo.

Vicente de Carvalho

Enganei-me supondo que, de altiva,
desdenhosa, tu vias sem receio
desabrochar de um simples galanteio
a agreste flor desta paixão tão viva.

Era segredo teu? Adivinhei-o;
hoje sei tudo: alerta, em defensiva
o coração que eu tenho e se me esquiva
treme, treme de susto no teu seio.

Errou quem disse que as paixões são cegas;
vêem... Deixam-se ver... Debalde insistes:
que mais defendes, se tu'alma entregas?

Bem vejo (vejo-o nos teus olhos tristes...)
- que tu, negando o amor que em vão me negas,
mais a ti mesma do que a mim resistes.

Cruz e Sousa

Fecha os olhos e morre calmamente!
Morre sereno do Dever cumprido!
Nem o mais leve, nem um só gemido
Traia, sequer, o teu Sentir latente.

Morre com alma leal, clarividente,
Da crença errando no Vergel florido
E o Pensamento pelos céus, brandido
Como um gládio soberbo e refulgente.

Vai abrindo sacrário por sacrário
Do teu sonho no Templo imaginário,
Na hora glacial da negra Morte imensa...

Morre com o teu Dever! Na alta confiança
De quem triunfou e sabe que descansa
Desdenhando de toda a Recompensa!

Mauro Mota

Eternizo os teus últimos instantes:
quero esquivar-te ao derradeiro arquejo;
quero que, aos meus ouvidos, ainda cantes
nossa canção de amor, quero; desejo

ter-te ao meu lado como tinha dantes.
Na fronte exausta, do outro mundo um beijo
sinto. Foz de tua alma. Bem distantes,
seus cabelos castanhos soltos vejo.

Tinha a certeza de que voltarias.
Ouviste a minha voz, e de mãos frias
chegas ansiosa! (Foi tão longa a viagem!)

Que palidez na face! Inutilmente
busco abraçar-te: Foges, que és somente
sombra, perfume, ressonância, imagem.

Pe. Antônio Tomás 

No regaço da mãe desventurada
Eis desfalece a filha pequenina...                                                        
– Assim no fraco hastil pende a bonina
Quando não bebe o pranto da alvorada.

Ó tu, que vais passando pela estrada,
Tem piedade da lânguida menina;
Tem compaixão daquela flor franzina,
Consola a triste mãe desesperada.

Dá-lhe ao menos um pão com que alimente
O pequenino ser que se consome,
Salva da morte a mísera inocente.

Que nada existe igual à dor sem nome,
Ao desespero atroz que nalma sente
A mãe que um filho vê morrer de fome.

Olavo Bilac

Vivendo para a morte, alegre da tristeza,
Temendo o fogo eterno e a danação sulfúrea,
Gelaste no cilício, em ascética fúria,
A alma ridente, o sangue em esto, a carne acesa.

Foste mártir e herói da própria natureza.
Intacto de ambição, de desejo ou de injúria,
Para ganhar o céu, venceste a ira, a luxúria,
A gula, a inveja, o orgulho, a preguiça e a avareza.

Mas não amaste! E, além do Inferno, um outro existe,
Onde é mais alto o choro e o horror dos renegados:
Ali, penando, tu, que o amor nunca sentiste,

Pagarás sem amor os dias dissipados!
Esqueceste o pecado oitavo: e era o mais triste,
Mortal, entre os mortais, de todos os pecados!

Alvarenga Peixoto

Eu vi a linda Estela e, namorado,
Fiz logo eterno voto de querê-la;
Mas vi depois a Nize, e a achei tão bela
Que merece igualmente o meu cuidado.

A qual escolherei, se neste estado
Não posso distinguir Nize de Estela?
Se Nize vier aqui, morro por ela;
Se Estela agora vier, fico abrasado.

Mas, ah! que aquela me despreza amante,
Pois sabe que estou preso em outros braços,
E esta não me quer, por inconstante.

Vem, Cupido, soltar-me destes laços:
- Faze de dois semblantes um semblante,
Ou divide o meu peito em dois pedaços!

Raul de Leoni

As idéias são seres superiores,
- Almas recônditas de sensitivas -
Cheias de intimidades fugitivas,
De crepúsculos, melindres e pudores.

Por onde andares e por onde fores,
Cuidado com essas flores pensativas,
Que tem pólen, perfumes, órgãos e cores
E sofrem mais que as outras cousas vivas.

Colhe-as na solidão... são obras-primas
Que vieram de outros tempos e outros climas
Para os jardins de tua alma que transponho,

Para com ela teceres, na subida,
A coroa votiva do teu Sonho
E a legenda imperial da tua Vida.

Augusto dos Anjos

No mundo vago das idealidades
Afundei minha louca fantasia;
Cedo atraiu-me a auréola fulgidia
Da refulgência antiga das idades.

Mas ao esplendor das velhas majestades
Vacila a mente e o seu ardor esfria;
Busquei então na nebulosa fria
Das ilusões, sonhar novas idades.

Que desespero insano me apavora!
Aqui, chora um ocaso sepultado;
Ali, pompeia a luz da branca aurora.

E eu tremo entre um mistério escuro:
- Quero partir em busca do Passado,
- Quero correr em busca do Futuro.

Belmiro Braga

Cinquenta anos já fiz, e não fiz nada
neste meus longos cinquenta anos, feitos
de pesares, de angustias, de despeitos,
a boca sorridente e a alma enlutada.

A estrada do Dever foi minha estrada,
da Virtude segui os sãos preceitos,
e nem honras, nem glorias, nem proveitos
encontro ao fim da aspérrima jornada...

Vivi sonhando com manhãs radiosas,
com bosques verdes, pássaros e ninhos,
e deu-me a vida noites tormentosas,

e deu-me campos mortos e maninhos...
Cinquenta anos vivi semeando rosas,
cinquenta anos vivi colhendo espinhos...

José Mata Roma 

Conta uma lenda antiga, cuja fama
pelos tempos modernos inda voa,
que, lá no Inferno, condenado, à toa,
de fome e sede Tântalo rebrama.

Junto, corre uma fonte clara e boa;
perto, um galho de frutas se recama;
- mas, se ele quer comer, se afasta a rama;
E se tenta beber, a água se escoa!

Tem minha vida e a lenda o mesmo traço;
flagela-me também um vão desejo;
fome e sede incontidas também passo.

Punido como Tântalo me vejo:
- tão junto desse corpo, e não te abraço!
- tão perto dessa boca, e não te beijo!

Nilo Aparecida Pinto

Ai da mulher que nunca foi beijada!
Ai daquela que amou, mas infeliz,
não pôde ter, humilde e desprezada,
a existência gloriosa que ela quis!

Ai daquela também que sendo amada
desprezou seus impulsos feminis,
e que sozinha, ao termo da jornada,
ante o próprio destino se maldiz!

Elas são como as árvores doridas
que, exilando-se estéreis e esquecidas
na tristeza dos bosques incolores,

vivem à sombra dos ramais hirsutos,
intimidadas por não terem flores,
e envergonhadas por não darem frutos.

Euclides da Cunha

No momento cruel da despedida
Gelado o lábio, mudo, hirto, sem ar,
Eu vi sua alma, de ilusões despida,
Tremer à luz de seu tão triste olhar.

E eu não chorei...Seu peito - a alva guarida
De minha alma - chorava em doudo arfar...
E eu não chorei, mas eu senti a vida
Das lágrimas ao peso se curvar!...

Saí, andei, corri, parei cansado.
Voltei-me e longe, longe eu vi asinha
- Garça de amor fugindo para o passado

Branca, pura, ideal, - sua casinha -
E as lágrimas de amor deixei - domado -
Constelaram de dor a noite minha!

Júlio Salusse 

Jurei que nunca mais teria em pensamento
essa mulher fatal e bela, cuja vinda
minha alma sepultou, em rápido momento,
numa tristeza atroz, numa agonia infinda.

Nunca pude cumprir esse juramento,
pois por amá-la muito, imensamente ainda,
continuo a sorver como um louco, sedento,
os beijos sensuais de sua boca linda.

Hoje sinto por ela a mesma idolatria,
a mesma adoração que nos primeiros meses
do nosso grande amor eu por ela sentia.

Isto me faz pensar nesta cruel sentença:
se pensa o coração algumas vezes,
quando convém pensar, o coração não pensa.

Gregório de Matos

Discreta e formosíssima Maria,
Enquanto estamos vendo a qualquer hora
Em tuas faces a rosada Aurora,
Em teus olhos, e boca o Sol, e o dia:

Enquanto com gentil descortesia
O ar, que fresco Adônis te namora,
Te espalha a rica trança voadora,
Quando vem passear-te pela fria:

Goza, goza da flor da mocidade,
Que o tempo trota a toda ligeireza,
E imprime em toda a flor sua pisada.

Oh não aguardes, que a madura idade
Te converta essa flor, essa beleza
Em terra, em cinza, em pó, em sombra, em nada.

Raul de Leoni

Quando fores sentindo que o fulgor
Do teu Ser se corrompe e a adolescência
Do teu gênio desmaia e perde a cor,
Entre penumbras em deliqüescência,

Faze a tua sagrada penitência,
Fecha-te num silêncio superior,
Mas não mostres a tua decadência
Ao mundo que assistiu teu esplendor!

Foge de tudo para o teu nadir!
Poupa ao prazer dos homens o teu drama!
Que é mesmo triste para os olhos ver

E assistir, sobre o mesmo panorama,
A alegoria matinal subir
E a ronda dos crepúsculos descer...

Euclides da Cunha

Ontem — quando, soberba, escarnecias
Dessa minha paixão — louca — suprema
E no teu lábio, essa rósea algema,
A minha vida — gélida — prendias...

Eu meditava em loucas utopias,
Tentava resolver grave problema...
Como engastar tua alma num poema?
E eu não chorava quando tu te rias...

Hoje, que vivo desse amor ansioso
E és minha — és minha, extraordinária sorte,
Hoje eu sou triste sendo tão ditoso!

E tremo e choro — pressentindo — forte,
Vibrar, dentro em meu peito, fervoroso,
Esse excesso de vida — que é a morte...

Artur Azevedo

Quando me esperas, palpitando amores,
e os lábios grossos e úmidos me estendes,
e do teu corpo cálido desprendes
desconhecido olor de estranhas flores;

quando, toda suspiros e fervores,
nesta prisão de músculos te prendes,
e aos meus beijos de sátiro te rendes,
furtando às rosas as purpúreas cores;

os olhos teus, inexpressivamente,
entrefechados, lânguidos, tranquilos,
olham, meu doce amor, de tal maneira,

que, se olhassem assim, publicamente,
deveria, perdoa-me, cobri-los
uma discreta folha de parreira.

Cruz e Sousa

Dor, és tu que resgatas, que redimes
Os grandes réus, os míseros culpados,
Os calcetas dos erros, dos pecados,
Que surgem do pretérito de crimes.

Sob os teus pulsos, fortes e sublimes,
Sofri na Terra junto aos condenados,
Seres escarnecidos, torturados,
Entre as prisões da Lágrima que exprimes!

Da perfeição és o sagrado Verbo,
Ó portadora do tormento acerbo,
Aferidora da Justiça Extrema...

Bendita a hora em que me pus à espera
De ser, em vez do réprobo que eu era,
O missionário dessa Dor suprema!

Machado de Assis

Maria, há no seu gesto airoso e nobre,
Nos olhos meigos e no andar tão brando,
Um não sei quê suave que descobre,
Que lembra um grande pássaro marchando.

Quero, às vezes, pedir-lhe que desdobre
As asas, mas não peço, reparando
Que, desdobradas, podem ir voando
Levá-la ao teto azul que a terra cobre.

E penso então, e digo então comigo:
"Ao céu que vê passar todas as gentes
Bastem outros primores de valia.

Pássaro ou moça, fique o olhar amigo,
O nobre gesto e as graças excelentes
Da nossa cara e lépida Maria".

Manuel Bandeira

Eu faço versos como quem chora
De desalento, de desencanto
Fecha meu livro se por agora
Não tens motivo algum de pranto

Meu verso é sangue, volúpia ardente
Tristeza esparsa, remorso vão
Dói-me nas veias amargo e quente
Cai gota à gota do coração.

E nesses versos de angústia rouca
Assim dos lábios a vida corre
Deixando um acre sabor na boca

Eu faço versos como quem morre.
Qualquer forma de amor vale a pena!
Qualquer forma de amor vale amar!

Silva Ramos

Eu e tu: a existência repartida
Por duas almas; duas almas numa
Só existência. Tu e eu: a vida
De duas vidas que uma só resuma.

Vida de dois, em cada um vivida,
Vida de um só vivida em dois; em suma:
A essência unida à essência, sem que alguma
Perca o ser una, sendo à outra unida.

Duplo egoísmo altruísta, a cujo enleio
No próprio coração cada qual sente
A chama que em si nutre o incêndio alheio.

Ó mistério do amor onipotente,
Que eternamente eu viva no teu seio,
E vivas no meu seio eternamente.

Mauro Mota

Irrevelada angústia da última hora:
tantas frases de amor não foram ditas
e silenciosamente foste embora
para as grandes distâncias infinitas.

Pássaro ou anjo que distante mora,
inquietas asas pelo céu agitas.
Voltas e pousas suavemente agora
dentro das minhas solidões aflitas.

Voltas e eu fico em dúvida se pousas
tal a ternura com que vens e a calma,
tão leve como o espírito das cousas.

Chegas, após vencer longos caminhos,
com a pureza que só vive na alma
das rosas virgens e dos passarinhos.

Pe. Antônio Tomás

Vivendo entre os humildes e os pequenos
Sempre evitei o rico e o poderoso;
Os meus sonhos de tímido e medroso
Foram sempre modestos e serenos.

Nunca tive ambições de bens terrenos,
Nem desejo de nome ou posto honroso;
Nunca, em moço, aspirei do fausto o gozo,
E agora, na velhice, muito menos.

Olho, sentindo nalma horror profundo,
Para os homens e as coisas deste mundo,
Como para uma eterna palhaçada.

E sem cessar a doce paz bendigo,
Em que descanso, no seguro abrigo
Da minha pequenez e do meu nada.

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