Os Mais Belos Sonetos

Coletânea de sonetos escritos por poetas brasileiros, lusos e de outros paises

Luís Guimarães Júnior

Olha-me assim, Madona... longamente:
Deixa minha alma em teu olhar piedoso
Flutuar num silêncio, amplo e radioso,
Como um navio à terna luz do poente.

Nada me digas: olha-me somente:
Assim... Meu coração, ébrio de gozo,
Vai rolando no abismo luminoso
No etéreo abismo desse olhar dormente.

A natureza mórbida e alquebrada
Repousa. A ebúrnea esfera constelada
Desmaia antes que a Aurora ao longe assome:

E eu, embalado nesse olhar radiante,
Feliz, absorto, extático, hesitante...
Ouço tua alma soletrar meu nome.

Olavo Bilac

Ah! quem há de exprimir, alma impotente e escrava,
O que a boca não diz, o que a mão não escreve?
- Ardes, sangras, pregada à tua cruz, e, em breve,
Olhas, desfeito em lodo, o que te deslumbrava...

O Pensamento ferve, e é um turbilhão de lava:
A Forma, fria e espessa, é um sepulcro de neve...
E a Palavra pesada abafa a Ideia leve,
Que, perfume e clarão, refulgia e voava.

Quem o molde achará para a expressão de tudo?
Ai! quem há de dizer as ânsias infinitas
Do sonho? e o céu que foge à mão que se levanta?

E a ira muda? e o asco mudo? e o desespero mudo?
E as palavras de fé que nunca foram ditas?
E as confissões de amor que morrem na garganta?!

Alphonsus de Guimaraens

Às vezes, alta noite, ergo em meio da cama
O meu vulto de espectro, a alma em sangue, os cabelos
Hirtos, o torvo olhar como raso de lama,
Sob o tropel de um batalhão de pesadelos

Pelo meu corpo todo uma Fúria de chama
Enrosca-se, prendendo-o em satânicos elos:
- Vai-te Demônio encantador, Demônio ou Dama,
Loira Fidalga infiel dos infernais Castelos!

Como um danado em raiva horrenda, clamo e rujo:
Hausto por hausto aspiro um ar de enxofre: tento
Erguer a voz, e como um réptil escabujo.

- Quem quer que sejas, vai-te, ó tu que assim me assombras!
Acordo: o céu, lá fora, abre o olhar sonolento,
Cheio da compunção dos luares e das sombras.  

Alphonsus de Guimaraens

Com a vasta escuridão do teu cabelo ensombras,
Se o destranças pelo ar, o próprio sol que bate
Nessa carne que tem a maciez das alfombras
Feitas de seda branca e veludo escarlate.

Não sei quem és e ao mesmo tempo assombras.
Alguma coisa de astro o teu sorriso dá-te…
Errante multidão de espectros e de sombras
Anda em redor de ti como para um combate.

Para quê, para quê tanta mágoa me deste?
Por que surgiste aqui, na minha noite espessa,
Tu, Rainha imortal de algum Sabá celeste?

Fantasma, és a Mulher! Levanta-te, Anjo eterno!
Ergue-te mais, e mais! Como a tua cabeça
Pode tocar o Céu, se tens os pés no Inferno?  

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