Os Mais Belos Sonetos

Coletânea de sonetos escritos por poetas brasileiros, lusos e de outros paises

Alberto de Oliveira

É um velho paredão, todo gretado,
Roto e negro, a que o tempo uma oferenda
Deixou num cacto em flor ensanguentado
E num pouco de musgo em cada fenda.

Serve há muito de encerro a uma vivenda;
Protegê-la e guardá-la é seu cuidado;
Talvez consigo esta missão compreenda,
Sempre em seu posto, firme e alevantado.

Horas mortas, a lua o véu desata,
E em cheio brilha; a solidão se estrela
Toda de um vago cintilar de prata;

E o velho muro, alta a parede nua,
Olha em redor, espreita a sombra, e vela,
Entre os beijos e lágrimas da lua.

Amadeu Amaral

Minha alma é uma casa abandonada
por cujos tenebrosos corredores
volteia a ronda volatizada
dos espectros de mortos moradores.

Um dia a esta mansão mal-assombrada,
afugentando a treva e seus horrores,
entraste - alegre aparição alada -,
num explodir de claridade e olores;

mas de pronto fugiste, e hoje, silente,
esconde a velha casa à luz do dia
as mesmas sombras, que volteiam juntas...

Ah! Terei de guardar eternamente
na solidão desta alma escura e fria
estas saudades de ilusões defuntas!

Martins Fontes

Se eu fosse Deus seria a vida um sonho,
nossa existência um júbilo perene!
nenhum pesar que o espírito envenene
empanaria a luz do céu risonho!

Não haveria mais: o adeus solene.
A vingança, a maldade, o ódio medonho,
e o maior mal, que a todos anteponho,
a sede, a fome da cobiça infrene!

Eu exterminaria a enfermidade,
todas as dores da senilidade,
e os pecados mortais seriam dez...

A criação inteira alteraria,
porém, se eu fosse Deus, te deixaria
exatamente a mesma que tu és!

Augusto dos Anjos

O mar é triste como um cemitério;
Cada rocha é uma eterna sepultura
Banhada pela imácula brancura
De ondas chorando num alvor etéreo.

Ah! dessas vagas no bramir funéreo
Jamais vibrou a sinfonia pura
Do Amor; lá, só descanta, dentre a escura
Treva do oceano, a voz do meu saltério!

Quando a cândida espuma dessas vagas,
Banhando a fria solidão das fragas,
Onde a quebrar-se tão fugaz se esfuma,

Reflete a luz do sol que já não arde,
Treme na treva a púrpura da tarde,
Chora a Saudade envolta nesta espuma!

Alphonsus de Guimaraens

Lírio do vale perdido na corrente,
Segue formosa e fria entre outros lírios...
Na cabeça, uma coroa de martírios;
Nos olhos virginais, a paz silente.
 
As estrelas virão acender círios
No fundo deste leito, suavemente:
E a lua beijar-lhe-á, calma e dolente,
– A lua que abençoou os meus delírios.
 
Que venha o vago luar que anda nas covas
Atolar-me a fronte, onde vagueia
O beijo etéreo e trágico de Hamleto...
 
Formosa como vou, com flores novas
Beijando a minha cor de lua-cheia,
O Príncipe ter-me-á Eterno Afeto. 

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