Os Mais Belos Sonetos

Coletânea de sonetos escritos por poetas brasileiros, lusos e de outros paises

Afonso Celso

Ela, às vezes, nas rendas da mantilha,
Com a esbelteza audaz de uma espanhola,
A trança negra, onde áureo pente brilha,
E o busto altivo donairosa enrola;

E provocante, lânguida, casquilha,
Desferindo fragrâncias de corola,
Cativa muito orgulho, que se humilha
Pedindo amor, como quem pede esmola!

Então, os seus olhares atrevidos,
Não sei por que, recordam dois bandidos,
Armados de punhais longos e finos,

Que entre as moitas floridas da alva estrada,
Traiçoeiramente, ficam de emboscada
Para assaltar incautos peregrinos! 

Marcelo Gama

Vim sarar tédios, longe da cidade,
A convite e conselho de um amigo,
Neste sombrio casarão antigo
Onde tudo tem ares de saudade.

"Vem para o campo que a paisagem há de
Curar-te". Mas, curar-me não consigo:
Ontem o riso esteve bem comigo;
Hoje me sinto cheio de ansiedade.

Sou assim, como as asas do moinho
Que, lá distante, à beira do caminho,
Por entre casas velhas aparece:

Gira ao norte, ora ao sul, depressa, lento...
Parece doido aquele cata-vento!...
Mas como ele comigo se parece! 

Alberto de Oliveira

Olhos fitos na altura, enquanto morre
A tarde, enquanto à flor do firmamento
Correm as nuvens, como as nuvens, corre
Até junto de Deus teu pensamento.

Ao filho enfermo, nesse atroz momento,
Pedes que ele socorra; e enquanto escorre
O pranto, da oração no exaltamento,
Mãe sublime, supões que ele o socorre.

Mas um grito de súbito no centro
Ouves do coração pressago. Ansiando
Entras em casa. O filho está lá dentro

Morto, e ao beija-lo lhe ouves inda, ó louca!
De teu nome saudoso o rumor brando
Das derradeiras sílabas na boca.

Cruz e Sousa

Quando vens para mim, abrindo os braços
numa carícia lânguida e quebrada,
sinto o esplendor de cantos de alvorada
na amorosa fremência dos teus passos.

Partindo os duros e terrestres laços,
a alma tonta, em delírio, alvoroçada,
sobe dos astros a radiosa escada
atravessando a curva dos espaços.

Vens, enquanto que eu, perplexo de espanto,
mal te posso abraçar, gozar-te o encanto  
dos seios, dentre esses rendados folhos.

Nem um beijo te dou! Abstrato e mudo
diante de ti, sinto-te, absorto em tudo,
Nuns rumores de pássaros nos olhos.

Luís Guimarães Júnior

Corta o navio as águas encrespadas
Do mar convulso, tenebroso e imenso;
Das noites as asas, o sendal extenso
Cobrem do espaço as névoas agitadas;

Longe, bem longe - as cores desejadas
Do farol, entre o céu e o mar suspenso,
Rompem da noite o nevoeiro denso,
Guiando o barco às plagas afastadas.

Assim também seguro caminhando
Vai meu amor em meio dos escolhos,
Tal como o lenho as ondas recortando:

Que importa a dor, o frio, os crus abrolhos,
Se eu vejo sempre além vir despontando
A clara luz dos teus profundos olhos! 

Clicky