Os Mais Belos Sonetos

Coletânea de sonetos escritos por poetas brasileiros, lusos e de outros paises

Alberto de Oliveira

Foram-se os deuses, foram-se, em verdade;
Mas das deusas alguma existe, alguma
Que tem teu ar, a tua majestade,
Teu porte e aspecto, que és tu mesma, em suma.

Ao ver-te com esse andar de divindade,
Como cercada de invisível bruma,
A gente à crença antiga se acostuma
E do Olimpo se lembra com saudade.

De lá trouxeste o olhar sereno e garço,
O alvo colo onde, em quedas de ouro tinto,
Rútilo rola o teu cabelo esparso...

Pisas alheia terra... Essa tristeza
Que possuis é de estátua que ora extinto
Sente o culto da forma e da beleza.

Alphonsus de Guimaraens

Cantar o que jamais fosse cantado,
Dizer as sensações que ninguém disse!
É colher uma flor que só florisse
Para o seu sonho de anjo rebelado.

O homem chora, o homem geme, o homem sorri-se:
Quando o pranto, o gemido, o seu iriado
Sorriso tomba em seio muito amado,
Julga sentir o que ninguém sentisse.

Mas não há quem um coração de todo
Virgem amasse: por momentos tantos
A luz do sol reflete-se no lodo...

Olhos mortais, espelhos dos sentidos!
Ai como ingênuos sois! Os próprios Santos,
Antes de amar a Deus, foram traídos...

Luís Guimarães Júnior

Cai a floresta, majestosa e triste,
Sob as foices do tempo; – os monumentos
Ruem do inverno aos pavorosos ventos:
Chegou a tua vez, meu Pai! caíste.

Mas como o odor que a natureza calma
Deixa no largo bosque desfolhado,
Dentro em meu peito, nu e amargurado,
Deixaste-me, ao partir, toda a tua alma!

Ah! nesta terra mortuária e crua,
Meu Pai! a vida é um fumo: esvai-se e some,
Só a memória como a luz flutua;

Poupe-me a morte que hoje te consome,
Dê-me o Senhor virtude igual à tua,
Que eu talvez seja digno do teu nome.

Luís Vaz de Camões

Busque Amor novas artes, novo engenho,
Para matar-me, e novas esquivanças;
Que não pode tirar-me as esperanças,
Que mal me tirará o que eu não tenho.

Olhai de que esperanças me mantenho!
Vede que perigosas seguranças!
Que não temo contrastes nem mudanças,
Andando em bravo mar, perdido o lenho.

Mas, conquanto não pode haver desgosto
Onde esperança falta, lá me esconde
Amor um mal, que me mata e não se vê;

Que dias há que na alma me tem posto
Um não sei quê, que nasce não sei onde,
Vem não sei como, e dói não sei por quê.

Olavo Bilac

Nunca entrarei jamais o teu recinto:
Na sedução e no fulgor que exalas,
Ficas vedada, num radiante cinto
De riquezas, de gozos e de galas.

Amo-te, cobiçando-te... E faminto,
Adivinho o esplendor das tuas salas,
E todo o aroma dos teus parques sinto,
E ouço a música e o sonho em que te embalas.

Eternamente ao meu olhar pompeias,
E olho-te em vão, maravilhosa e bela,
Adarvada de altíssimas ameias.

E à noite à luz dos astros, a horas mortas,
Rondo-te, e arquejo, e choro, ó cidadela!
Como um bárbaro uivando às tuas portas!

Luís Guimarães Júnior

Ao noturno clarão da lâmpada obscura,
A avó, terna, sorri, de pálpebras cerradas,
Enquanto pelo ar voam as gargalhadas
Duma rósea criança, ardente de ventura.

E ela, ao gentil rumor daquela travessura,
Cuida ouvir, como um eco, ao longe, outras risadas:
Mas o seu pensamento cai, de asas quebradas,
Sobre a cruz de uma negra e fria sepultura;

Sufocada de dor, - abaixa a fronte e chora...
O menino a tremer beija-a e, num gesto, a implora:
E a avó, ao deslizar do pranto que a conforta,

Prende nas magras mãos o risonho inocente,
E, como num espelho azul e transparente,
Vê nesse puro olhar sorrir-lhe a filha morta.

Augusto dos Anjos

Chove. Lá fora os lampiões escuros
Semelham monjas a morrer... Os ventos,
Desencadeados, vão bater, violentos,
De encontro às torres e de encontro aos muros.

Saio de casa. Os passos mal seguros
Trêmulo movo, mas meus movimentos
Susto, diante do vulto dos conventos,
Negro, ameaçando os séculos futuros!

De São Francisco no plangente bronze
em badaladas compassadas onze
Horas soaram... Surge agora a Lua.

E eu sonho erguer-me aos páramos etéreos
Enquanto a chuva cai nos cemitérios
E o vento apaga os lampiões da rua!

Vaine Darde 

O meu soneto chora nas goteiras
das casas pobres dos confins das ruas
onde a miséria vem pintar olheiras
nos olhos tristes das meninas nuas.

O meu soneto vai fazer sonata
nessas favelas de famintos lotes
onde os meninos vão virando latas,
comendo a fome que alimenta a morte.

Meu canto sangra por não ter sentido
quando a sirene sonoriza o morro
caçando o anjo que se fez bandido.

Então meu verso é um acorde aflito
que fere a lira pra pedir socorro
e sobe ao morro pra morrer num grito.

Úrsula Garcia

Eu quis levá-la ao cemitério, um dia,
Mas em casa disseram: "Tão criança!"
"É tão longe!... É tão triste!..." Eu insistia:
- Não sabe o que é tristeza, ela, e nem cansa!

A manhã é tão linda! O sol radia,
O ar é tão puro, a brisa fresca e mansa...
É um passeio ao campo. Não faria
Mal algum visitar quem lá descansa...

E eu pensava: - É melhor ir caminhando
Com seus pezinhos, rindo, conversando,
Voltar da cor das rosas que levou...

Não foi comigo... Mas lá foi levada
Numa manhã de sol... - muda, gelada,
Lívida, inerte... E nunca mais voltou.

Juvenal Antunes

Eu vou-me embora antes que chova. E ela,
que perto dele estar sempre queria,
o espaço olhou com expressão singela...
nem uma nuvem pelo espaço havia

De quando em quando na azulada tela
uma estrela, luzindo, aparecia.
Fora, talvez, para ofendê-la, aquela
frase cruel que tanto lhe doía

Fora de certo. Não valia a pena
amá-lo tanto. Louca! Ela o condena
e olhando o céu como implorando calma

viu mais estrelas pelo céu fulgindo,
qual se estivessem murmurando e rindo
da tempestade enorme de sua alma.

Luís Guimarães Júnior

Como é ligeiro o esquife perfumado
Que conduz o teu corpo, ó flor mimosa!
Mal pousaste entre nós, alma saudosa,
Pouco adejaste, ó querubim nevado!

E vás descendo ao túmulo sagrado,
Igual à incauta e leve mariposa
Que sem sentir queimou a asa ansiosa
Do mundo vil no fogo profanado.

Mas eu, que acabo de te ver perdida
Nos abismos sem fim da Natureza,
Ó minha filha! Ó terna flor caída.

Eu, que perdi contigo a fortaleza,
As ilusões, o gozo, a crença e a vida,
Ah! Eu bem sei quanto esse esquife pesa!

Augusto dos Anjos

A Dor meu coração torça e retorça
E me retalhe como se retalha
Para escárnio e alegria da canalha
Um leão vencido que perdeu a força!

Sobre mim caia essa vingança corsa,
Já que perdi a última batalha!
E, enquanto o Tédio a carne me trabalha,
A Dor meu coração torça e retorça!

Cubra-me o corpo a podridão dos trapos!
Os vibriões, os vermes vis, os sapos
Encontrem nele pábulo eviterno...

- Repositório de milhões de miasmas
Onde se fartem todos os fantasmas,
Primavera, verão, outono, inverno!

Pe. Antônio Tomás

Tive sonhos azuis, na mocidade,
Que vinham, como pássaros em festa,
Encher-me o seio – um canto de floresta –
De gratos sons, de viva alacridade.

Mas um dia a cruel realidade
Pôs-lhes em cima a rude mão funesta
E exterminou-os... Nenhum mais me resta
Na minha negra e triste soledade.

Hoje o meu seio inerte, mudo e frio,
Se converte em túmulo sombrio
Por sobre o qual gementes e tristonhos,

Alvejantes fantasmas se debruçam:
São as meigas saudades que soluçam
Sobre o jazigo eterno dos meus sonhos.

Artur de Sales

Na silenciosa catedral vetusta
Penetrei; religioso e solitário,
Numa concentração de missionário
Sublimizado numa fé robusta.

De um Cristo macilento e funerário,
Braços abertos sobre a cruz adusta,
Vinha uma doce claridade augusta,
Que iluminava todo o santuário.

Aos pés da imagem do Crucificado
Chorei, por muito tempo, ajoelhado;
Mas, quando o olhar ergui, tremi de espanto:

Do altar, por entre as sombras, fugidias,
— Oh! ironia atroz das ironias! —
Aquele Cristo ria do meu pranto...

Raimundo Correia

Penetro a estância fúnebre e sombria,
Extremo leito da mulher amada;
E ergo a loisa que a cobre — despojada
De toda a graça ideal que a revestia:

Da beleza, onde um casto amor sorria,
Pudica e doce, nada resta, nada!
Nua de carnes, só a branca ossada,
Que apalpo e sinto fria, fria, fria...

E, o sono seu eterno interrompendo,
Clamo... Da noite o vento álgido corta,
Cai neve e é gélido o esplendor da lua...

Então, a erguer-se, pávida, tremendo
De frio e com pudor, me diz a "morta":
"Cobre-me! Há tanto frio e estou tão nua!"

Olavo Bilac

Vive dentro de mim, como num rio,
Uma linda mulher, esquiva e rara,
Num borbulhar de argênteos flocos, Iara
De cabeleira de ouro e corpo frio.

Entre as ninféias a namoro e espio:
E ela, do espelho móbil da onda clara,
Com os verdes olhos úmidos me encara,
E oferece-me o seio alvo e macio.

Precipito-me, num ímpeto de esposo,
Na desesperação da glória suma,
Para a estreitar, louco de orgulho e gozo...

Mas nos meus braços a ilusão se esfuma:
E a mãe-d'água, exalando um ai piedoso,
Desfaz-se em mortas pérolas de espuma.

Hermes Fontes

Pois que tudo acabou, mando-te agora
os passaportes dessa despedida:
puna pálida rosa ressequida,
uma sombra de flor, murcha e inodora.

E o teu retrato que se descolora
como se descolora a minha vida,
vestida de anjo, a receber na ermida
tua primeira comunhão outrora.

Mando-te as cartas e os cabelos; mando
uma luva, de que essa mão foi alma,
quando... e dizer que já nem eu sei quando!

Mando-te. E manda-me, afinal te digo,
manda-me o eterno sono, a eterna calma,
manda-me o coração que está contigo!

Luís Guimarães Júnior

Astro de amor, baixado à terra um dia
Para aclarar as trevas com teu pranto:
Encarnação do beijo sacrossanto
Que Deus pousou na fronte de Maria;

Cedo pagou-te o mundo o que devia,
Pobre rei de Israel! bem cedo! – e enquanto
Uns te renegam, – outros o teu manto
Arrastam ébrios pelo chão da orgia.

Por entre as nossas vergonhosas cenas,
Essa divina Imagem que eu contemplo,
Provoca injúrias e desdéns apenas:

Ó belo, inútil e imortal Exemplo!
Hoje riem de ti as Madalenas,
E os vendilhões expulsam-te do templo.

Augusto dos Anjos

A exaltação emocional do Gozo,
O Amor, a Glória, a Ciência, a Arte e a Beleza
Servem de combustíveis à ira acesa
Das tempestades do meu ser nervoso!

Eu sou, por conseqüência, um ser monstruoso!
Em minha arca encefálica indefesa
Choram as forças más da Natureza
Sem possibilidades de repouso!

Agregados anômalos malditos
Despedaçam-se, mordem-se, dão gritos
Nas minhas camas cerebrais funéreas...

Ai! Não toqueis em minhas faces verdes,
Sob pena, homens felizes, de sofrerdes
A sensação de todas as misérias!

Juvenal Antunes

És para o mundo a pérfida, a perdida,
Degradada no vício e no pecado.
Para mim és um anjo, imaculado,
Que eu nunca deixei de amar na vida!

Para os outros a esfinge incompreendida
De lábios mudos e de olhar gelado.
Para mim és mistério decifrado
Pela minha paixão esclarecida!

Maltratas-me, atraiçoas-me, espedaças
O coração que é teu com tal extremo...
Mas... não posso viver sem tuas graças!

Perdoo todo o mal que me fizeres,
Pois, tudo se reduz ao bem supremo
De te amar sobre todas as mulheres.

Auta de Souza

O coração não morre, ele adormece...
E antes morresse o coração traído
Mulher que choras teu amor perdido
Amor primeiro que não mais se esquece!

Quando tu vais rezar, quando anoitece
Beijas as contas do colar partido
E o coração num tímido gemido
Vem perturbar a paz de tua prece.

Reza baixinho, oh noiva desolada!
E quando à tarde, pela mesma estrada
Chorando fores esse imenso amor...

Geme de manso, juriti dolente
Vais acordar o coração doente...
Não o despertes para uma nova dor.

Gastão Macedo

Naquele tempo, se um tormento vago
Empolgava minha alma de criança,
Vinhas, ó mãe, numa carícia mansa,
Os olhos me secar, com teu afago.

Mas tu partiste e, desde então, eu trago
Comigo o germe da desesperança.
O tédio me atormenta e não se cansa
De fazer-me da vida um sonho aziago.

Tento chorar mas só minha alma chora,
Porque, de minhas pálpebras, agora,
Não rola o pranto, amenizando abrolhos,

E sofro, mãe... A dor maior é aquela
Que, dentro da alma, eternamente vela
Mas que não tomba em lágrimas dos olhos.

Luís Guimarães Júnior

Vejo-te ao pé de mim, horas e horas,
Fito os olhos nos meus olhos: - vejo
Teu alvo rosto, e escuto o leve harpejo
De tuas breves frases sedutoras.

Ora me ris somente, ora demoras,
Toda coberta de sublime pejo,
E eu sinto, amiga, do teu casto beijo
Roçar-me a fronte as asas tentadoras.

À noite, enquanto as pardas mariposas
Voam-me em torno, - e as horas surdamente
Vibram profundas, longas e piedosas,

Vens visitar-me, tímida, inocente,
Coroada de lírios e de rosas...
E há quem diga que tu estás ausente!

Juvenal Antunes

Vai-te. Toda paixão na nossa idade
E creio até que em idade mais madura
Por mais que dure não será tão dura
Que resista do tempo a tempestade

Recuperemos, pois, a liberdade!
Bendito o mal, e mais bendita a cura
Adeus, forma gentil de uma alma pura
Sonho que se desfez em realidade

Queres arcar com as leis do fatalismo
Toca decerto as raias do heroísmo,
A persistência com que tudo arrostas

Eu, no entanto, confesso-me vencido:
- não posso assim viver, de horror transido
Com um cadáver de amor pregado às costas.

Abel Gomes

Desaba o Velho Mundo em treva densa
E a guerra, como lobo carniceiro,
Ameaça a verdade e humilha a crença,
Nas torturas de um novo cativeiro.

Mas vós, no turbilhão da sombra imensa,
Tendes convosco o Excelso Companheiro,
Que ama o trabalho e esquece a recompensa
No serviço do bem ao mundo inteiro.

Eis que a Terra tem crimes e tiranos,
Ambições, desvarios, desenganos,
Asperezas dos homens da caverna;

Mas vós tendes Jesus em cada dia.
Trabalhemos na dor ou na alegria,
Na conquista de luz da Vida Eterna.

Augusto dos Anjos

Cansada de observar-se na corrente
Que os acontecimentos refletia,
Reconcentrando-se em si mesma, um dia,
A Natureza olhou-se interiormente!

Baldada introspecção! Noumenalmente
O que Ela, em realidade, ainda sentia
Era a mesma imortal monotonia
De sua face externa indiferente!

E a Natureza disse com desgosto:
“Terei somente, porventura, rosto?!”
“Serei apenas mera crusta espessa?!”

“Pois é possível que Eu, causa do Mundo,”
“Quanto mais em mim mesma me aprofundo,”
“Menos interiormente me conheça?”

Jorge de Lima

Lá vem o acendedor de lampiões da rua!
Este mesmo que vem infatigavelmente,
Parodiar o sol e associar-se à lua
Quando a sombra da noite enegrece o poente!

Um, dois, três lampiões, acende e continua
Outros mais a acender imperturbavelmente,
À medida que a noite aos poucos se acentua
E a palidez da lua apenas se pressente.

Triste ironia atroz que o senso humano irrita: -
Ele que doira a noite e ilumina a cidade,
Talvez não tenha luz na choupana em que habita.

Tanta gente também nos outros insinua
Crenças, religiões, amor, felicidade,
Como este acendedor de lampiões da rua!

Gregório de Matos

Carregado de mim ando no mundo,
E o grande peso embarga-me as passadas,
Que como ando por vias desusadas,
Faço o peso crescer, e vou-me ao fundo.

O remédio será seguir o imundo
Caminho, onde dos mais vejo as pisadas,
Que as bestas andam juntas mais ornadas,
Do que anda só o engenho mais profundo.

Não é fácil viver entre os insanos,
Erra, quem presumir, que sabe tudo,
Se o atalho não soube dos seus danos.

O prudente varão há de ser mudo,
Que é melhor neste mundo em mar de enganos
Ser louco com os demais, que ser sisudo.

Luís Vaz de Camões

Alma amiga que à Terra te partiste
Em busca do viver tão descontente,
Que te abençoe Deus eternamente,
E que te faça leve o fado triste.

Bem sei que a evolução do ser consiste
Nas mil reencarnações que o Pai consente,
E que aos Céus voltarás em luz fulgente,
Inda maior que quando aqui subiste;

Mas, se na Terra, um dia, a crua dor
Envolver-te a formosa e gentil alma,
Que te não desespere o duro fado;

Ah! Roga aos Céus com teu imenso amor
Que bem cedo eu te leve a doce calma,
Quão cedo me trouxeste no passado!

Augusto dos Anjos

Eu sei que há muito pranto na existência,
Dores que ferem corações de pedra,
E onde a vida borbulha e o sangue medra,
Aí existe a mágoa em sua essência.

No delírio, porém, da febre ardente
Da ventura fugaz e transitória
O peito rompe a capa tormentória
Para sorrindo palpitar contente.

Assim a turba inconsciente passa,
Muitos que esgotam do prazer a taça
Sentem no peito a dor indefinida.

E entre a mágoa que a máscara eterna apouca
A humanidade ri-se e ri-se louca
No carnaval intérmino da vida.

Cruz e Sousa

Tu andas de alma em alma errando, errando,
como de santuário em santuário.
És o secreto e místico templário
As almas, em silêncio, contemplando.

Não sei que de harpas há em ti vibrando,
que sons de peregrino estradivário
Que lembras reverências de sacrário
E de vozes celestes murmurando.

Mas sei que de alma em alma andas perdido
Atrás de um belo mundo indefinido
De silêncio, de Amor, de Maravilha.

Vai! Sonhador das nobres reverências!
A alma da Fé tem dessas florescências,
Mesmo da Morte ressuscita e brilha!

Adelmar Tavares

Ela não viu a imagem na corrente,
quando ao rio, em S. João, se foi banhar,
e voltou para casa, descontente,
com os lindos olhos baixos, a chorar...

"Morrerei o outro Junho, certamente...
Como as "sortes" enganam!... "Vais casar" .
— Prima Amparo, não creia... Pode a gente
nessas superstições acreditar?...

O outro Junho chegou... E ela partia
morta, no seu caixão, magoado o rosto,
o meu primeiro amor, a flor de um dia!...

Por isso, quando Junho vem chegando,
choro esse esquife azul, pelo sol posto,
com seis moças de branco, carregando...

Gregório de Matos

Meu Deus, que estais pendente de um madeiro,
Em cuja lei protesto de viver,
Em cuja santa lei hei de morrer,
Animoso, constante, firme e inteiro:

Neste lance, por ser o derradeiro,
Pois vejo a minha vida anoitecer;
É, meu Jesus, a hora de se ver
A brandura de um Pai, manso Cordeiro.

Mui grande é o vosso amor e o meu delito;
Porém pode ter fim todo o pecar,
E não o vosso amor que é infinito.

Esta razão me obriga a confiar,
Que, por mais que pequei, neste conflito
Espero em vosso amor de me salvar.

Augusto dos Anjos

Homem, carne sem luz, criatura cega.
Realidade geográfica infeliz,
O Universo calado te renega
E a tua própria boca te maldiz!

O nôumeno e o fenômeno, o alfa e o omega
Amarguram-te. Hebdômadas hostis
Passam... Teu coração se desagrega,
Sangram-te os olhos, e, entretanto, ris!

Fruto injustificável dentre os frutos,
Montão de estercorária argila preta,
Excrescência de terra singular.

Deixa a tua alegria aos seres brutos,
Porque, na superfície do planeta,
Tu só tens um direito: o de chorar!

Auta de Souza

Quis visitar-te o anônimo jazigo
Em que a humildade em paz se nos revela,
Contemplo a cruz, antiga sentinela,
Erguida ao lado de um cipreste amigo.

Busco a memória e vejo-te comigo;
Estamos sob o verde da aquarela,
Teu sorriso na túnica singela
É luz brilhando neste doce abrigo.

Recordo o ouro, Mãe, que não quiseste,
Subindo para os sóis do lar Celeste
Para ensinar as trilhas da ascensão.

Venho falar-te, em prece enternecida,
Do amor imenso que me deste à vida,
Nas saudades sem fim do coração.

Alphonsus de Guimaraens

Rosas que já vos fostes, desfolhadas
Por mãos também que já se foram, rosas
Suaves e tristes! rosas que as amadas,
Mortas também, beijaram suspirosas...

Umas rubras e vãs, outras fanadas,
Mas cheias do calor das amorosas...
Sois aroma de alfombras silenciosas,
Onde dormiram tranças destrançadas.

Umas brancas, da cor das pobres freiras,
Outras cheias de viço e de frescura,
Rosas primeiras, rosas derradeiras!

Ai! quem melhor que vós, se a dor perdura,
Para coroar-me, rosas passageiras,
O sonho que se esvai na desventura?

Augusto dos Anjos

Oh! madrugada de ilusões, santíssima,
Sombra perdida lá do meu Passado,
Vinde entornar a clâmide puríssima
Da luz que fulge no ideal sagrado!

Longe das tristes noites tumulares
Quem me dera viver entre quimeras,
Por entre o resplendor das Primaveras
Oh! madrugada azul dos meus sonhares.

Mas quando vibrar a última balada
Da tarde e se calar a passarada
Na bruma sepulcral que o céu embaça

Quem me dera morrer então risonho
Fitando a nebulosa do meu sonho
E a Via-Látea da Ilusão que passa!

Olavo Bilac

Surdo, na universal indiferença, um dia,
Beethoven, levantando um desvairado apelo,
Sentiu a terra e o mar num mudo pesadelo...
E o seu mundo interior cantava e restrugia.

Torvo o gesto, perdido o olhar, hirto o cabelo,
Viu, sobre a orquestração que no seu crânio havia,
Os astros em torpor na imensidade fria,
O ar e os ventos sem voz, a natureza em gelo.

Era o nada, a eversão do caos no cataclismo,
A síncope do som no páramo profundo,
O silêncio, a algidez, o vácuo, o horror no abismo...

E Beethoven, no seu supremo desconforto,
Velho e pobre, caiu, como um deus moribundo,
Lançando a maldição sobre o universo morto!

Gabriela Mistral

Do nicho lôbrego onde os homens te puseram
Te levarei à terra humilde e ensolarada.
Nela hei de adormecer - os homens não souberam -
E havemos de dormir sobre a mesma almofada.

Te deitarei na terra humilde, te envolvendo
No amor da mãe para o seu filho adormecido.
E a terra há de fazer-se um berço recebendo
Teu corpo de menino exausto e dolorido.

Poderei descansar; sabendo que descansas
No pó que levantei azulado e lunar
Em que presos serão os teus leves destroços.

Partirei a cantar minhas belas vinganças,
Pois nenhuma mulher me há de vir disputar
A este fundo recesso o teu punhado de ossos.

Alceu Wamosy

Negro, petrificado e frio como um mito
De Buda, a passear o olhar de lado a lado,
Ele deixou-se ali ficar, sob o infinito
Peso de sua tortura - estranho torturado...

E lançando, talvez, à bruma do passado,
O seu profundo olhar sereno de proscrito
Atirou para o alto e negro céu calado
A blasfêmia audaciosa e rubra do seu grito!

E o céu que não escuta e que é marmóreo e torvo,
Riu, talvez, para si, da pequenez do corvo
E afivelou de novo a máscara de aço.

E o corvo, alçando o voo, embriagado e tonto,
Subiu... cortou a névoa... a bruma... e como um ponto
Negro, sumiu-se além, na escuridão do espaço...

Alphonsus de Guimaraens

Mãos de finada, aquelas mãos de neve,
De tons marfíneos, de ossatura rica,
Pairando no ar, num gesto brando e leve,
Que parece ordenar, mas que suplica.

Erguem-se ao longe como se as eleve
Alguém que ante os altares sacrifica:
Mãos que consagram, mãos que partem breve,
Mas cuja sombra nos meus olhos fica...

Mãos de esperança para as almas loucas,
Brumosas mãos que vêm brancas, distantes,
Fechar ao mesmo tempo tantas bocas...

Sinto-as agora, ao luar, descendo juntas,
Grandes, magoadas, pálidas, tateantes,
Cerrando os olhos das visões defuntas...

Vicente de Carvalho

"Alma serena e casta, que eu persigo
Com o meu sonho de amor e de pecado,
Abençoado seja, abençoado
O rigor que te salva e é meu castigo.

Assim desvies sempre do meu lado
Os teus olhos; nem ouças o que eu digo;
E assim possa morrer, morrer comigo,
Este amor criminoso e condenado.

Sê sempre pura! Eu com denodo enjeito
Uma ventura obtida com teu dano,
Bem meu que de teus males fosse feito".

Assim penso, assim quero, assim me engano...
Como se não sentisse que em meu peito
Pulsa o covarde coração humano.

Jenário de Fátima

Amei-te tanto amor... amei-te tanto!
Fostes meu ar, fostes meu alimento.
Fostes meu colo, abrigo, meu alento,
Fostes meu sono ao embalo do acalanto...

Contudo amor... contudo, entretanto...
Só eu vivi total deslumbramento,
Prá ti eu fui qual uma bolha ao vento
Que logo estoura e perde seu encanto.

Culpar-te amor? ...Culpar-te já não posso!
Foi o meu sonho de um mundo só nosso,
Contra teu medo de viver a dois.

Mágoas não tenho amor... Porque teria?!
Se conheci contigo a fantasia
Mesmo eu ficando assim tão só depois...

José Antônio Jacob

Nossa vida é uma história mal contada,
Uma vaga novela incompreendida...
Para alguns é um feliz conto de fada,
Para outros uma lenda indefinida...

Vivemos de alvorada em alvorada,
(Que tempo ainda nos resta nessa vida?)
A dar sorrisos largos na chegada
E a lamentar a perda na partida.

Que bom matar o tempo numa rede,
Se ele nos desse a viva eternidade
De um quadro pendurado na parede...

E, enquanto a vida passa e o tempo avança,
Quanta tristeza vai numa saudade,
Quanta alegria vem numa esperança!

Mário de Andrade

A vida é para mim, está se vendo,
Uma felicidade sem repouso;
Eu nem sei mais se gozo, pois que o gozo
Só pode ser medido em se sofrendo.

Bem sei que tudo é engano, mas, sabendo
Disso, persisto em me enganar... Eu ouso
Dizer que a vida foi o bem precioso
Que eu adorei. Foi meu pecado... Horrendo

Seria, agora que a velhice avança,
Que me sinto completo e além da sorte,
Me agarrar a esta vida fementida.

Vou fazer do meu fim minha esperança,
Ó sono, vem!... Que eu quero amar a morte
Com o mesmo engano com que amei a vida.

Belmiro Braga

Nas noites claras de luar, costumo
ir das águas ouvir o vão lamento;
e, após o ouvi-las, cauteloso e atento
que o rio também sofre, eis que presumo.

Nesse que leva tortuoso rumo,
que fado triste e por demais cruento:
Vai deslizando agora doce e lento
e agora desce encachoeirado e a prumo.

O dorso aqui lhe encrespa leve brisa,
ali o deslizar calhau lhe veda;
além, de novo, sem fragor,  desliza...

És como o rio, coração tristonho:
Se ele vive a chorar de queda em queda,
vives tu a gemer de sonho em sonho.

Raimundo Correa

Esconde-me a alma, no íntimo, oprimida,
Este amor infeliz, como se fora
Um crime aos olhos dessa, que ela adora,
Dessa, que crendo-o, crera-se ofendida.

A crua e rija lâmina homicida
Do seu desdém vara-me o peito; embora,
Que o amor que cresce nele, e nele mora,
Só findará quando findar-me a vida!

Ó meu amor! como num mar profundo,
Achaste em mim teu álgido, teu fundo,
Teu derradeiro, teu feral abrigo!

E qual do rei de Tule a taça de ouro,
Ó meu sacro, ó meu único tesouro!
Ó meu amor! tu morrerás comigo!

Olavo Bilac

Às vezes, uma dor me desespera...
Nestas ânsias e dúvidas em que ando.
Cismo e padeço, neste outono, quando
Calculo o que perdi na primavera.

Versos e amores sufoquei calando,
Sem os gozar numa explosão sincera...
Ah! Mais cem vidas! com que ardor quisera
Mais viver, mais penar e amar cantando!

Sinto o que desperdicei na juventude;
Choro, neste começo de velhice,
Mártir da hipocrisia ou da virtude,

Os beijos que não tive por tolice,
Por timidez o que sofrer não pude,
E por pudor os versos que não disse!

Marquesa de Alorna

Retratar a tristeza em vão procura
quem na vida um só pesar não sente,
porque sempre vestígios de contente
hão de surgir por baixo da pintura;

porém eu, infeliz, que a desventura
o mínimo prazer me não consente,
em dizendo o que sinto, a mim somente
parece que compete esta figura.

Sinto o bárbaro efeito das mudanças,
dos pesares o mais cruel pesar,
sinto do que perdi tristes lembranças;

condenam-se a chorar, e a não chorar,
sinto a perda total das esperanças,
e sinto-me morrer sem acabar.

Heitor Lima

A última brasa ardeu na cinza adusta:
Tudo passou, tudo se fez em poeira...
E na minha alma, que o abandono assusta,
Morre a luz da esperança derradeira.

O amor mais casto, a aspiração mais justa
Têm a desilusão para fronteira...
Um momento de sonho às vezes custa
O sacrifício da existência inteira!

Chama efêmera, o amor! Baldado surto,
A glória! Ah! coração mesquinho e raso...
Ah! pensamento presumido e curto...

E o amor, que arrasta, e a glória, que fascina,
— Tudo se perderá no mesmo ocaso
E se confundirá na mesma ruína.

Abgar Renault

Ante o deslumbramento do teu vulto
sou ferido de atônita surpresa
e vejo que uma auréola de beleza
dissolve em lua a treva em que me oculto.

Estás em cada reza do meu culto,
sonhas na minha lânguida tristeza,
e, disperso por toda a natureza,
paira o deslumbramento do teu vulto.

É tua vida a minha própria vida,
e trago em mim tua alma adormecida...
Mas, num mistério surdo que me assombra,

Tu és, às minhas mãos, fluida, fugace,
como um sonho que nunca se sonhasse
ou como a sombra vã de uma outra sombra...

Rodrigues de Abreu

Somos duas crianças! E bem poucas
no mundo há como nós: pois, minto e mentes
se te falo e me falas; e bem crentes
somos de nos magoar, abrindo as bocas...

Mas eu bem sinto, em teu olhar, as loucas
afeições, que me tens e também sentes,
em meu olhar, as proporções ingentes
do meu amor, que, em teu falar, há poucas!

Praza aos céus que isto sempre assim perdure:
que a voz engane no que o olhar revela;
que jures não amar, que eu também jure...

Mas que sempre, ao fitarmo-nos, ó bela,
penses: "Como ele mente" - e que eu murmure:
"quanta mentira têm os lábios dela!"

Augusto dos Anjos

Quando ela passa: - a veste desgrenhada,
O cabelo revolto em desalinho,
No seu olhar feroz eu adivinho
O mistério da dor que a traz penada.

Moça, tão moça e já desventurada;
Da desdita ferida pelo espinho,
Vai morta em vida assim pelo caminho,
No sudário de mágoa sepultada.

Eu sei a sua história. - Em seu passado
Houve um drama de amor misterioso
- O segredo de um peito torturado -

E hoje, para guardar a mágoa oculta,
Canta, soluça - coração saudoso,
Chora, gargalha, a desgraçada estulta.

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