Os Mais Belos Sonetos

Coletânea de sonetos escritos por poetas brasileiros, lusos e de outros paises

Nilo Aparecida Pinto

Talvez, por não ser linda, ela trazia
Uma rosa na trança... e, assim, Consuelo,
Apesar de ser feia, me prendia:
Eu namorava a flor do seu cabelo...

Coitada! Ouvindo a sua voz macia,
Mal eu punha em seu rosto o olhar de gelo...
E, em resposta, a julgar que a flor me ouvia,
Somente a flor mostrava o meu desvelo...

Um dia, ela partiu... não era linda...
Mas, de todas que amei, só ela ainda
Vem perturbar a minha vida mansa.

Pois, sinto, ao recordá-la, distraído,
Um murmúrio de pétalas no ouvido
E um perfume de rosa na lembrança!...  

Cruz e Souza 

Quando eu partir, que eterna e que infinita
Há de crescer-me a dor de tu ficares;
Quanto pesar e mesmo que pesares,
Que comoção dentro desta alma aflita.

Por nossa vida toda sol, bonita,
Que sentimento, grande como os mares,
Que sombra e luto pelos teus olhares
Onde o carinho mais feliz palpita...

Nesse teu rosto da maior bondade
Quanta saudade mais, que atroz saudade...
Quanta tristeza por nós ambos, quanta,

Quando eu tiver já de uma vez partido,
Ó meu amor, ó meu muito querido
Amor, meu bem, meu tudo, ó minha santa!

Alberto de Oliveira

Da flava Ceres falta-te ao cabelo
A cor, que o seu dourava e os trigos doura;
Tens negra a trança e, deverei dizê-lo?
Fica-te assim melhor, não sendo loura.

Crespa, enredada em serpes, tentadora,
Cheiro-a, aspiro-a, febril, e ardendo em zelo;
E ela em meus lábios, qual se a Noite fora,
De volúpia infernal me imprime o selo.

Toco-a, aperto-a, desato-a fio a fio,
Estendo-a nos meus ombros, velo ondeante;
Tomo-lhe as pontas, o teu rosto espio:

E entre os claros da trama escura e bela,
Creio, vendo-te a luz do olhar radiante,
Ver a réstia de fogo de uma estrela.

Aureliano Lessa

Há tormentos sem nome, há desenganos
mais negros do que o horror da sepultura;
dores loucas, e cheias de amargura,
e momentos mais longos do que os anos.

Não são da vida os passageiros danos
que dobram minha fronte; a desventura
eu a desdenho... A minha sorte dura
fadou-me dentro da alma outros tiranos.

As dores da alma, sim; ela somente,
algoz de si, acha um prazer cruento
em torturar-se ao fogo lentamente.

Oh, isto é que é sofrer! Nenhum tormento
vale um gemido só da alma tremente,
nem séculos as dores de um momento!

Cruz e Souza
 
Não me olhes assim, branca Arethusa,
Peregrina inspiração dos meus cantares;
Não me deixes a razão vagar confusa
Ao relâmpago ideal de teus olhares.

Não me olhes, oh! não, porquanto eu penso
Envolvido no luar das minhas cismas,
Que o olhar que me dardejas - doido, imenso
Tem a rápida explosão dos aneurismas.

Não me olhes. Oh! não, que o próprio inferno
Problemático, fatal, cálido, eterno,
Nos teus olhos, mulher, se foi cravar!...

Não me olhes, oh! não, que me entolece
Tanta luz, tanto sol - e até parece
Que tens músicas cruéis dentro do olhar!...

Olavo Bilac

Vê-se no espelho; e vê, pela janela,
A dolorosa angústia vespertina:
Pálido, morre o sol... Mas, ai! termina
Outra tarde mais triste, dentro dela;

Outra queda mais funda lhe revela
O aço feroz, e o horror de outra ruína:
Rouba-lhe a idade, pérfida e assassina,
Mais do que a vida, o orgulho de ser bela!

Fios de prata... Rugas... O desgosto
Enche-a de sombras, como a sufocá-la
Numa noite que aí vem... E no seu rosto

Uma lágrima trêmula resvala,
Trêmula, a cintilar, - como, ao sol-posto,
Uma primeira estrela em céu de opala...

Auta de Souza

Ó noites claras de lua cheia!
Em vosso seio, noites chorosas,
Minha alma canta como a sereia,
Vive cantando num mar de rosas;

Noites queridas que Deus prateia
Com a luz dos sonhos das nebulosas,
Ó noites claras de lua cheia,
Como eu vos amo, noites formosas!

Vós sois um rio de luz sagrada
Onde, sonhando, passa embalada
Minha Esperança de mágoas nua…

Ó noites claras de lua plena
Que encheis a terra de paz serena,
Como eu vos amo, noites de lua!

Alberto de Oliveira

Quando a valsa acabou, veio à janela,
Sentou-se. O leque abriu. Sorria e arfava,
Eu, viração da noite, a essa hora entrava
E estaquei, vendo-a decotada e bela.

Eram os ombros, era a espádua, aquela
Carne rosada um mimo! A arder na lava
De improvisa paixão, eu, que a beijava,
Hauri sequiosa toda a essência dela!

Deixei-a, porque a vi mais tarde, oh! ciúme!
Sair velada da mantilha. A esteira
Sigo, até que a perdi, de seu perfume.

E agora, que se foi, lembrando-a ainda,
Sinto que à luz do luar nas folhas, cheira
Este ar da noite àquela espádua linda!

Américo Palha

Envolto no aranhol das minhas dores,
Abro, convulso, o livro dos meus dias:
- Cada folha me traz fundos travores
E o veneno letal das nostalgias.

Algemado, suporto os estertores
De profundas e lentas agonias;
- Soluços, funerais dos meus amores
E o féretro de glórias fugidias.

Se busco um lenitivo ao meu penar,
Ouço o eco de uma voz que grita: Não!
Viverás e sofrendo hás de chorar!

Minha alma, compungida, há de sentir
- Pesadelos das horas que se vão,
Incertezas das horas que hão de vir... 

Juvenal Antunes

Falam de ti, de mim, de nós... Quem há de
Tentar fechar as bocas viperinas?
Cada dia, mais cresce a intensidade
Do meu desprezo às almas pequeninas.

És a maior de todas as heroínas,
Com esse desdém e essa serenidade...
Que eu beije sempre as tuas mãos divinas,
Minha dor! Meu prazer! Minha saudade!

Façamos deste amor um relicário,
A pirâmide, o túmulo, o sacrário,
Onde a nossa paixão seja guardada!

Vivamos, Laura, assim por toda a vida!
E, embora nunca sejas a Possuída,
Para mim serás sempre a Desejada!

Olavo Bilac

Nessa pupila rútila e molhada,
Refúgio arcano e sacro da Ternura,
A ampla noite do gozo e da loucura
Se desenrola, quente e embalsamada.

E quando a ansiosa vista desvairada
Embebo às vezes nessa noite escura,
Dela rompe uma voz, que, entrecortada
De soluços e cânticos, murmura...

É a voz do Amor, que, em teu olhar falando,
Num concerto de súplicas e gritos
Conta a história de todos os amores;

E vêm por ela, rindo e blasfemando,
Almas serenas, corações aflitos,
Tempestades de lágrimas e flores...

Alberto de Oliveira

Quando ela entrou, com um gesto de rainha,
Pálida e bela, altiva e desdenhosa,
Quedou-se em torno a sala rumorosa,
Tão nobre aspecto a divindade tinha.

Quem era essa mulher esplendorosa
Que a luz do raio e a luz do sol continha?
Falia, interroga a multidão ansiosa...
Ninguém soube jamais de onde ela vinha.

E inda depois que a aparição divina
Sumiu-se, no clarão que atrás deixara
Queimam-se as almas em que amor domina;

E em vago sonho inquieto e prolongado
Reveem todos a forma aérea e clara
E a imensa luz daquele vulto amado.

Virgínia Vitorino

Não venhas ver-me não. De que servia?
Nem eu tenho coragem para tanto.
Gostava muito, sim, mas todo o encanto
Da tua grande ausência acabaria.

É tornar-te a perder. Num certo dia,
Tu partes novamente, e todo o pranto,
Ou pouco ou muito - não importa quanto -
Nunca o compensa uma hora de alegria.

Mas, se eu não posso ter outro desejo!
Se eu, não te vendo a ti, nada mais vejo!
Como é que, sendo assim, não te hei-de ver?

Responde-te a minha alma comovida:
- Vale mais ter um mal por toda a vida
Do que alcançar um bem para o perder.

Alphonsus de Guimaraens

Às margens destas águas silenciosas,
Quantas vezes berçaste a alma dorida,
Esfolhando por elas, como rosas,
As suaves ilusões da tua vida!

Vias o doce olhar das amorosas
Refletido na linfa entristecida,
E, ao pôr do sol das vésperas lutuosas,
Erguer-se o vulto da mulher querida...

Se é tão dolente o Ribeirão do Carmo,
Onde com as mãos proféticas armaste
Os castelos de amor que ora desarmo!

O teu sonho deixaste-o nestas águas...
E hoje, revendo tudo que sonhaste,
Por elas também deixo as minhas mágoas.

Cruz e Sousa

Tu és o louco da imortal loucura,
O louco da loucura mais suprema.
A Terra é sempre a tua negra algema,
Prende-te nela a extrema Desventura.

Mas essa mesma algema de amargura,
Mas essa mesma Desventura extrema
Faz que tua alma suplicando gema
E rebente em estrelas de ternura.

Tu és o Poeta, o grande Assinalado
Que povoas o mundo despovoado,
De belezas eternas, pouco a pouco…

Na Natureza prodigiosa e rica
Toda a audácia dos nervos justifica
Os teus espasmos imortais de louco!

Alphonsus de Guimaraens

Estão mortas as mãos daquela Dona,
brancas e quietas como o luar que vela
as noites romanescas de Verona,
e as barbacãs e torres de Castela...

No último gesto de quem se abandona
à morte esquiva, que apavora e gela,
as suas mãos de Santa e de Madona,
inda postas em cruz, pedem por ela.

Uma esquecida sombra de agonias
oscula o jaspe virginal das unhas,
e ao longo oscila das falanges frias...

E os dedos finos... ai! Senhora, ao vê-los,
recordo-me da graça com que punhas
um cravo, um lírio, um goivo entre os cabelos!

Gonçalo Jácome

Aquela a quem relato o meu segredo,
que de lauréis a fronte me entretece,
impalpável visão que no rochedo
dos Prometeus do sonho comparece.

Aquela a quem nas dores intercedo,
que é toda amor, toda desinteresse,
dos céus azuis desceu ao meu degredo
nas invisíveis asas de uma prece.

Aquela... morrerei serenamente,
afogado na linfa do meu pranto,
repetindo o seu nome resplendente.

Aquela... surgirei diante os seus braços,
osculando as estrelas do seu manto,
fora do tempo e fora dos espaços.

Tristão da Cunha

Há muito tempo já que eu vou perdendo
os sonhos, um a um, pelo caminho:
- Sangue dum anho ingênuo, cor de arminho,
de calvário em calvário perecendo...

No alto dum monte, a luz que eu ia vendo,
diante de mim cantando como um ninho,
fria beijou-me o rubro desalinho,
e atrás de mim no escuro foi descendo.

Hoje os olhos se voltam como preces
para as memórias, em que há luas mortas,
e tu, morta, que morta não pareces!

Sobre esta alma de dúvida e agonias
caia a luz desses olhos, dessas portas
onde esperam o sol as almas frias... 

Figueiredo Pimentel

Já nada tenho do que outrora tive,
e noutros tempos muita coisa eu tinha:
minha Alma, agora, em desespero vive,
vivendo sem viver, triste e sozinha.

Muito sorri e muita dor contive,
para que o Mundo vil não visse a minha
grande e profunda Mágoa. E assim estive,
a viver uma vida bem mesquinha.

Tudo perdi. Na noite do Passado,
apagou-se o fanal que me guiava,
no Céu do meu viver a fulgurar.

Agora, velho, trôpego, cansado,
espero, mas em vão, que da Alma escrava,
venha a Morte os grilhões despedaçar.

Cruz e Sousa

Muda, espectral, entrando as arcarias
da cripta onde ela jaz eternamente
no austero claustro silencioso - a gente
desce com as impressões das cinzas frias...

Pelas negras abóbadas sombrias
donde pende uma lâmpada fulgente,
por entre a frouxa luz triste e dormente
sobem do claustro as sacras sinfonias.

Uma paz de sepulcro após se estende...
e no luar da lâmpada que pende
brilham clarões de amores condenados...

Como que vem do túmulo da morta
um gemido de dor que os ares corta,
atravessando os mármores sagrados!

Vespasiano Ramos

Ah, se as dores que eu sinto ela sentisse,
se as lágrimas que eu choro ela chorasse;
talvez nunca um momento me negasse
tudo que eu desejasse e lhe pedisse!

Talvez a todo instante consentisse
minha boca beijar a sua face,
se o caminho que eu tomo ela tomasse,
se o calvário que eu subo ela subisse!

Se o desejo que eu tenho ela tivesse,
se os meus sonhos de amor ela sonhasse,
aos meus rogos talvez não se opusesse!

Talvez nunca negasse o que eu pedisse,
se as lágrimas que eu choro ela chorasse
e se as dores que eu sinto ela sentisse!... 

Vicente de Carvalho

Fora, na vasta noite, um vento de procela
Erra, aos saltos, uivando, em rajadas e em fúria;
E num rumor de choro, uma voz de lamúria,
Ouço a chuva a escorrer nos vidros da janela.

No desconforto do meu quarto de estudante,
Velo. Sinto-me como insulado da vida.
Eu imagino a morte assim, aborrecida
Solidão numa sombra infinita e constante…

Tu, que és forte, rebrame em fúria, natureza!
Eu, caído num fundo abismo de tristeza,
Invejo-te a expansão livre do temporal;

E, no tédio feroz que me assalta e me toma,
Sinto ansiarem-me n’alma instintos de chacal…
E compreendo Nero incendiando Roma.

Alexis Félix Arvers

Tenho na alma um segredo e um mistério na vida:
um amor que nasceu, eterno, num momento.
É sem remédio a dor; trago-a pois escondida,
e aquela que a causou nem sabe o meu tormento.

Por ela hei de passar, sombra inapercebida,
sempre a seu lado, mas num triste isolamento,
e chegarei ao fim da existência esquecida
sem nada ousar pedir e sem um só lamento.

E ela, que entanto Deus fez terna e complacente,
há de, por seu caminho, ir surda e indiferente
ao murmúrio de amor que sempre a seguirá.

A um austero dever piedosamente presa,
ela dirá lendo estes versos, com certeza:
“Que mulher será esta?” e não compreenderá. 

Cruz e Sousa

Estás morto, estás velho, estás cansado!
Como um sulco de lágrimas pungidas
ei-las, as rugas, as indefinidas
noites do ser vencido e fatigado.

Envolve-te o crepúsculo gelado
que vai soturno amortalhando as vidas
ante o responso em músicas gemidas
no fundo coração dilacerado.

A cabeça pendida de fadiga,
sentes a morte taciturna e amiga,
que os teus nervosos círculos governa.

Estás velho, estás morto! Ó dor, delírio,
alma despedaçada de martírio,
ó desespero da Desgraça eterna! 

Raul de Leoni

Nascemos um para o outro, dessa argila
De que são feitas as criaturas raras;
Tens legendas pagãs nas carnes claras
E eu tenho a alma dos faunos na pupila...

Às belezas heroicas te comparas
E em mim a luz olímpica cintila,
Gritam em nós todas as nobres taras
Daquela Grécia esplêndida e tranquila...

É tanta a glória que nos encaminha
Em nosso amor de seleção, profundo,
Que ouço ao longe o oráculo de Elêusis.

Se um dia eu fosse teu e fosses minha,
O nosso amor conceberia um mundo
E do teu ventre nasceriam deuses...

Mário Beirão

Quando é noite, e, na voz da Imensidade,
Um alto sonho em lágrimas crepita,
Tua graça de morte me visita,
Teu olhar é um sorriso de saudade…

E a tua Ausência intimamente invade
Meu coração que morto inda palpita;
E a lágrima que eu sangro se ilimita,
Reflete em sua dor a eternidade!

Vens de Além; são de sombras teus vestidos;
Tua noite de morte me ilumina,
Confundimos em êxtase os sentidos…

Um canto ri na cruz da nossa dor;
Canto onde brilha uma oração divina,
Morre o Desejo e principia o Amor!

Luís Delfino

Daqui a uns anos mais, que mais esperas?
Há de incender-se o céu de estrelas de ouro;
pelas curvas azuis as primaveras
espalharão o seu cabelo louro...

As covas se abrirão como crateras;
berços e ninhos se encherão de choro,
e à noite irão nas asas das quimeras
os sorrisos e as lágrimas em coro...

Os dias, esfolhando as ígneas rosas,
bem como um bando de águias luminosas
varrerão a amplidão dos céus tristonhos...

E Deus, no entanto, sonolento, calmo,
verá surgir a treva, palmo a palmo,
sobre a nossa existência e os nossos sonhos!... 

Olavo Bilac

Olha-me! O teu olhar sereno e brando
Entra-me o peito, como um largo rio
De ondas de ouro e de luz, límpido, entrando
O ermo de um bosque tenebroso e frio.

Fala-me! Em grupos doudejantes, quando
Falas, por noites cálidas de estio,
As estrelas acendem-se, radiando,
Altas, semeadas pelo céu sombrio.

Olha-me assim! Fala-me assim! De pranto
Agora, agora de ternura cheia,
Abre em chispas de fogo essa pupila...

E enquanto eu ardo em sua luz, enquanto
Em seu fulgor me abraso, uma sereia
Soluce e cante nessa voz tranquila!

Jenário de Fátima

Bem pior que não ter a quem se ama.
É ter um coração desnaturado,
Que grita, que anseia, que reclama
Alguém que não se importa a seu chamado.

Alguém que quase sempre inventa um drama.
Alguém que tem seu tempo ocupado.
Alguém que cria história, molda trama
Cujo papel só pensa pro seu lado.

Ainda assim este coração insiste.
Mesmo que infinitamente triste,
Esta sempre por perto de olhar vago.

Sonhando com um aceno de improviso,
Na busca da migalha de um sorriso,
Feito um cãozinho que procura afago.

Mário Beirão

Quando a fitar-te ainda o sol declina
E a cor dos teus cabelos no ar flutua,
A tua alma na minha se insinua,
Teu vulto é prece alando-se, divina!

A nossa voz, esparsa em luz, fascina;
A nossa voz… perdoa, Amor, a tua!
Ergues o olhar: cresce em silêncio a lua,
Como uma flor, na tarde peregrina!

E a tua graça, etéreo Abril jucundo,
Bênção de Deus que tudo beija e alcança,
Sorri em flor na escuridão do Mundo…

A luz do Céu é o teu olhar sem fim;
E, no silêncio feito de esperança,
ouço o teu coração bater por mim!

Aníbal Nobre

Muitas vezes se cruza em meu caminho
Com seu sorriso aberto e inocente,
Um pequeno e descalço pobrezinho
Que transmite ternura a toda a gente!

Com dez anos - ou menos -, tão sozinho,
Pede esmola pedindo pão, somente!
Mas a falta de Amor e de Carinho
Nos seus olhos azuis é evidente!

Quando ontem uma esmola lhe quis dar,
Curioso, atrevi-me a perguntar
O que é que transportava na sacola...

Eram só três bocados de pão duro!
- Mas ao ver seu olhar tão grato e puro,
Fui eu quem recebeu a maior esmola!

Mauro Mota

A sombra para sempre refletida
pouco importa que esteja o corpo ausente.
O silêncio do piano, de repente,
rebenta tua valsa preferida.

Canção de Viena, na hora e no ambiente
onde em antigas noites foi ouvida.
A tristeza da tua despedida
Quando as rosas abriam suavemente

O medo de alma que, no escuro, tinhas,
a música dos gestos e da fala,
tuas mãos a tremer dentro das minhas.

A valsa preferida que rebenta,
diáfanos véus em giros pela sala,
teu fantasma dançando a valsa lenta. 

Jenário de Fátima

Quantas bobagens por amor fazemos...
quantas tolices, coisas impensadas...
coisas que depois ao ser analisadas
jamais refletem o senso que temos.

E no fim de tudo quando arrependemos,
e a insônia vem roubando as madrugadas,
as lágrimas que escorrem apressadas,
dão a dimensão daquilo que perdemos.

No dia seguinte, defronte do espelho,
um olhar cansado... exausto... vermelho...
insistentemente parece dizer:

Este teu jeito... teu temperamento...
tu jogaste tudo fora em um momento,
mas tens a vida inteira pra se arrepender... 

Pe. Antônio Tomás

“Ontem, viu-se-lhe em casa a esposa morta
E a filhinha mais nova, tão doente!
Hoje, o empresário vai bater-lhe à porta,
Que a platéia o reclama, impaciente.

Ao palco em breve surge...pouco importa
O seu pesar àquela estranha gente
E ao som das ovações que os ares corta,
Trejeita, e canta e ri, nervosamente.

Aos aplausos da turba, ele trabalha
Para esconder no manto em que se embuça
A cruciante angústia que retalha

No entanto, a dor cruel mais se lhe aguça
E enquanto o lábio trêmulo gargalha,
Dentro do peito o coração soluça”.

Mario Quintana

Recordo ainda... e nada mais me importa...
Aqueles dias de uma luz tão mansa
Que me deixavam, sempre, de lembrança,
Algum brinquedo novo à minha porta...

Mas veio um vento de Desesperança
Soprando cinzas pela noite morta!
E eu pendurei na galharia torta
Todos os meus brinquedos de criança...

Estrada afora após segui... Mas, ai,
Embora idade e senso eu aparente
Não vos iludais o velho que aqui vai:

Eu quero os meus brinquedos novamente!
Sou um pobre menino... acreditai!...
Que envelheceu, um dia, de repente!... 

Cruz e Sousa

Rola da luz do céu, solta e desfralda
Sobre ti mesma o pavilhão das crenças,
Constele o teu olhar essas imensas
Vagas do amor que no teu peito escalda.

A primorosa e límpida grinalda
Há de enflorar-te as amplidões extensas
Do teu pesar - há de rasgar-te as densas
Sombras - o véu sobre a luzente espalda…

Ainda não ri esse teu lábio rubro
Hoje - ainda na alma, nesse azul delubro
Não fulge o brilho que as paixões enastra;

Mas, amanhã, no sorridor noivado,
A vida triste por que tens passado,
De madressilvas e jasmins se alastra.

Cruz e Sousa

Pálida, bela, escultural, clorótica
Sobre o divã suavíssimo deitada,
Ela lembrava - a pálpebra cerrada -
Uma ilusão esplendida de ótica.

A peregrina carnação das formas,
- o sensual e límpido contorno,
Tinham esse quê de avérnico e de morno,
Davam a Zola as mais corretas normas!…

Ela dormia como a Vênus casta
E a negra coma aveludada e basta
Lhe resvalava sobre o doce flanco…

Enquanto o luar - pela janela aberta —
- como uma vaga exclamação - incerta
Entrava a flux - cascateado - branco!!… 

Alphonsus de Guimaraens

Que olhar de monja em longa penitência
O olhar daqueles olhos macerados!
Pairava-lhe talvez na morna essência
Uma alma carregada de pecados.

Para que mundos, para que existência,
Tão além desta vida, ei-los voltados!
Ó inacessível, mística dolência
De uns olhos a sonhar outros noivados...

Voz do passado, som que ressuscita!
Olhar tão cheio de palavras mortas
Daqui por certo que não pode ser...

Alma, para me ver, Alma bendita,
Põe-te de luto nessas duas portas
Com uma tristeza de quem vai morrer...

Cruz e Sousa

Olhos voltados para mim e abertos
Os braços brancos, os nervosos braços,
Vens de espaços estranhos, dos espaços
Infinitos, intérminos, desertos…

Do teu perfil os tímidos, incertos
Traços indefinidos, vagos traços
Deixam, da luz nos ouros e nos aços,
Outra luz de que os céus ficam cobertos.

Deixam nos céus uma outra luz mortuária,
Uma outra luz de lívidos martírios,
De agonies, de mágoa funerária…

E causas febre e horror, frio, delírios,
Ó Noiva do Sepulcro, solitária,
Branca e sinistra no clarão dos círios!

Florbela Espanca

Eu queria ser o Mar de altivo porte
Que ri e canta, a vastidão imensa!
Eu queria ser a Pedra que não pensa,
A pedra do caminho, rude e forte!

Eu queria ser o Sol, a luz intensa,
O bem do que é humilde e não tem sorte!
Eu queria ser a árvore tosca e densa
Que ri do mundo vão e até da morte!

Mas o Mar também chora de tristeza…
As árvores também, como quem reza,
Abrem, aos Céus, os braços, como um crente!

E o Sol altivo e forte, ao fim de um dia,
Tem lágrimas de sangue na agonia!
E as Pedras… essas… pisa-as toda a gente!…

Olavo Bilac

Cego, em febre a cabeça, a mão nervosa e fria,
Trabalha. A alma lhe sai da pena, alucinada,
E enche-lhe, a palpitar, a estrofe iluminada
De gritos de triunfo e gritos de agonia.

Prende a ideia fugaz; doma a rima bravia,
Trabalha... E a obra, por fim, resplandece acabada:
"Mundo, que as minhas mãos arrancaram do nada!
Filha do meu trabalho! ergue-te à luz do dia!

Cheia da minha febre e da minha alma cheia,
Arranquei-te da vida ao ádito profundo,
Arranquei-te do amor à mina ampla e secreta!

Posso agora morrer, porque vives!" E o Poeta
Pensa que vai cair, exausto, ao pé de um mundo,
E cai - vaidade humana! - ao pé de um grão de areia...

Cruz e Sousa

Gargalha, ri, num riso de tormenta,
como um palhaço, que desengonçado,
nervoso, ri, num riso absurdo, inflado
de uma ironia e de uma dor violenta.

Da gargalhada atroz, sanguinolenta,
agita os guizos, e convulsionado
Salta, gavroche, salta clown, varado
pelo estertor dessa agonia lenta...

Pedem-te bis e um bis não se despreza!
Vamos! reteza os músculos, reteza
nessas macabras piruetas de aço...

E embora caias sobre o chão, fremente,
afogado em teu sangue estuoso e quente,
ri! Coração, tristíssimo palhaço.

Olavo Bilac

Inda hoje, o livro do passado abrindo,
Lembro-as e punge-me a lembrança delas;
Lembro-as, e vejo-as, como as vi partindo,
Estas cantando, soluçando aquelas.

Umas, de meigo olhar piedoso e lindo,
Sob as rosas de neve das capelas;
Outras, de lábios de coral, sorrindo,
Desnudo o seio, lúbricas e belas…

Todas, formosas como tu, chegaram,
Partiram… e, ao partir, dentro em meu seio
Todo o veneno da paixão deixaram.

Mas, ah! nenhuma teve o teu encanto,
Nem teve olhar como esse olhar, tão cheio
De luz tão viva, que abrasasse tanto.

Luís Vaz de Camões

Quando de minhas mágoas a comprida
Imaginação os olhos me adormece,
Em sonhos aquela alma me aparece
Que para mim foi sonho nesta vida.

Lá numa saudade, onde estendida
A vista pelo campo desfalece,
Corro para ela; e ela então parece
Que mais de mim se alonga, compelida.

Brado: não me fujais, sombra benina!
Ela (os olhos em mim com brando pejo,
Como quem diz que já não pode ser),

Torna a fugir-me; e eu, gritando: dina...
Antes que diga mene, acordo, e vejo
Que nem um breve engano posso ter.

Martins Fontes

Se eu fosse Deus seria a vida um sonho,
nossa existência um júbilo perene!
nenhum pesar que o espírito envenene
empanaria a luz do céu risonho!

Não haveria mais: o adeus solene.
A vingança, a maldade, o ódio medonho,
e o maior mal, que a todos anteponho,
a sede, a fome da cobiça infrene!

Eu exterminaria a enfermidade,
todas as dores da senilidade,
e os pecados mortais seriam dez...

A criação inteira alteraria,
porém, se eu fosse Deus, te deixaria
exatamente a mesma que tu és!

Alceu Wamosy 

Das mulheres que amei, tu foste a mais fingida
E entre todas, talvez, a que mentiu melhor...
Eu fiz do teu amor a essência da minha vida
E o teu braço assassino apunhalou-me o amor.

À cada riso teu, promessa fementida,
Se abria na minha alma uma esperança em flor,
Para depois morrer, para morrer colhida
Com a foice do teu beijo ardente, enganador!

Mas tu, que foste falsa, hás de levar na face
O estigma cruel da legenda imortal,
Que há de te assinalar, onde a tua sombra passe.

E nunca hás de encontrar, errante pelo mundo,
Num peito como o meu, um outro afeto igual,
- Assavero do amor, perpétuo vagabundo!

Emílio de Menezes

Quando, à primeira vez, lhe vi a grandeza,
foi nos tempos da longe meninice.
E quedei-me à mudez de quem sentisse
a alma de pasmos e terrores presa.

Depois, na mocidade, a olhá-lo, disse:
é moço o mar na força e na beleza!
Mas, ao dia apagado e à noite acesa,
hoje o sinto entre as brumas da velhice.

Distanciado de escarpas e barrancos,
vejo-o morrer-me aos pés, calmo, ao abrigo
das grandes fúrias e os hostis arrancos.

E, ao contemplá-lo assim, tristonho digo,
vendo-lhe, à espuma, os meus cabelos brancos:
o velho mar envelheceu comigo!

Guimarães Passos

Sem aos outros mentir, vivi meus dias
desditosos por dias bons tomando,
das pessoas alegres me afastando
e rindo às outras mais do que eu sombrias.

Enganava-me assim, não me enganando;
fiz dos passados males alegrias
do meu presente e das melancolias
sempre gozos futuros fui tirando.

Sem ser amado, fui feliz amante;
imaginei-me bom, culpado sendo;
e, se chorava, ria ao mesmo instante.

E tanto tempo fui assim vivendo,
de enganar-me tornei-me tão constante,
que hoje nem creio no que estou dizendo. 

Félix Arvers

Tenho um mistério na alma e um segredo na vida:
Eterno amor que, num momento, apareceu.
Mal sem remédio, é dor que conservo escondida
E aquela que o inspirou nem sabe quem sou eu.

A seu lado serei sempre a sombra esquecida
De um pobre homem de quem ninguém se apercebeu.
E hei de esse amor levar ao fim da humana lida,
Certo de que dei tudo e ele nada me deu.

E ela que Deus formou terna, pura e distante,
Passa sem perceber o murmúrio constante
Do amor que, a acompanhar-lhe os passos, seguirá.

Fiel ao dever que a fez tão fria quanto bela,
Perguntará, lendo estes versos cheios dela:
“Que mulher será esta?” E não compreenderá.

Vicente de Carvalho

Belas, airosas, pálidas, altivas,
Como tu mesma, outras mulheres vejo:
São rainhas, e segue-as num cortejo
Extensa multidão de almas cativas.

Têm a alvura do mármore; lascivas
Formas; os lábios feitos para o beijo;
E indiferente e desdenhoso as vejo
Belas, airosas, pálidas, altivas...

Por quê? Porque lhes falta a todas elas,
Mesmo às que são mais puras e mais belas,
Um detalhe sutil, um quase nada:

Falta-lhes a paixão que em mim te exalta,
E entre os encantos de que brilham, falta
O vago encanto da mulher amada.

Hermeto Lima

Essa que passa por aí, senhores,
de olhos castanhos e fidalgo porte,
é a princesa ideal dos meus amores,
a mais franzina pérola do Norte.

Contam que, numa noite de esplendores,
a essa que esmaga o coração mais forte
hinos cantaram e jogaram flores
as estrelas, em mágico transporte.

Acreditais, talvez, ser fantasia!...
Eu vos direi que não... Em certo dia,
quando ela entrou na festival capela,

eu vi a Virgem mergulhada em pranto,
e o Cristo de Marfim fitá-la tanto,
como se fosse apaixonado dela!

Luís Guimarães Júnior

Ias vivendo alegre e descuidosa,
Ó virgem alma! – Um dia aos teus ouvidos
Passar sentiste os mágicos ruídos
Que a voz do beijo espalha vitoriosa.

Essa harmonia ardente e saborosa
Perturbou como um vinho os teus sentidos...
Viste romper uns sóis desconhecidos,
Pobre Vestal! e a fronte ergueste ansiosa.

Vibrou enfim a desejada hora,
Hora do amor cruel e fugitiva,
Em que dobrando a fronte, livre outrora,

Triste, abatida, em lágrimas, cativa,
Tu sofres a delícia aterradora
De estares sepultada e estares viva.

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