Os Mais Belos Sonetos

Coletânea de sonetos escritos por poetas brasileiros, lusos e de outros paises

abr
19

Carlos Arnaud

No alvorecer sagrado da esperança,
Ressurge a luz em áureo resplendor,
O verbo eterno rompe a fria lança,
Do túmulo ergue o Cristo Salvador.

Os sinos clamam hinos de bonança,
Em notas de ouro e de púrpura dor,
A terra exulta uma lírica lembrança,
Ao sacrifício imenso do Redentor.

O sangue verte na rubra claridade,
Lava os pecados, rompe a vil cadeia,
E o mundo veste na túnica da paz.

Uma luz divina brilha na eternidade,
O Amor renasce, a alma se incendeia,
Na doce aurora que jamais se desfaz.

abr
12

Mário Beirão

Porque esse olhar de sombra de temor
Se perde em mim, às horas do sol posto,
Quando é de âmbar translúcido o teu rosto,
E a tua alma desmaia como flor;

Porque essas mãos, ardidas de fervor,
Ampararam minha vida de desgosto,
Pobre que sou, Mulher, eu hei composto
Harmonias de prece em teu louvor!

Dei-te a minha alma para ti nascida,
Meus versos que são mais que a minha vida;
Por Deus, perdoa ao mísero mendigo!

Perdoa a quem, ansioso de outro mundo,
Implora à Morte o sono mais profundo,
Só pela graça de sonhar contigo!

abr
05

Carlos Arnaud

Sutil, desvia o olhar e nunca se atreve,
Qual sombra ante à margem da emoção.
Furtiva espia, ardendo densa pretensão,
Enquanto o tempo, em silêncio lhe leve.

Que arte é essa que a paixão prescreve,
Ao passo tímido de tamanha tentação?
Por um segundo, rápida e ampla visão,
No canto do olhar, fixa um amor breve.

Oh, Bela Angelina, a chama do desejo,
Que num rastro discreto busca ensejo,
De querer com sutileza e astúcia tais!

Perdurará no olhar nu de quem intenta,
Entre os rabos dos olhos, há a tormenta
De amar sempre calada, e de nada mais.

mar
29

Manuel Bandeira

Meu tudo, minha amada e minha amiga,
Eis, compendiada toda num soneto,
A minha profissão seria de fé e afeto,
Que à confissão, aos teus pés, me obriga.

O que na alma guardei de muito antiga
Experiência foi pena e ansiar inquieto.
Gosto pouco do amor ideal objeto
Só, e do amor só carnal não gosto amiga.

O que há melhor no amor é a iluminância.
Mas, ai de nós! não vem de nós. Viria
De onde? Dos céus?… Da distância?…

Não te prometo os estos, a alegria,
A assunção… Mas em toda circunstância
Ser-te-ei sincero como a luz do dia.

mar
22

Cruz e Souza

Grande amor, amor, grande mistério
Que as nossas almas trêmulas enlaça...
Céu que nos beija, céu que nos abraça
Num abismo de luz profundo e sério.

Eterno espasmo de um desejo etéreo
E bálsamo dos bálsamos da graça,
Chama secreta que nas almas passa
E deixa nelas um clarão sidéreo.

Cântico de anjos e de arcanjos vagos
Junto às águas sonâmbulas de lagos,
Sob as claras estrelas desprendido...

Selo perpétuo, puro e peregrino
Que prende as almas num igual destino,
Num beijo fecundado num gemido.  

mar
15

Antero de Quental

Para tristezas, para dor nasceste. 
Podia a sorte pôr-te o berço estreito 
Em algum palácio e ao pé de régio leito, 
Em vez deste areal onde cresceste: 

Podia abrir-te as flores - com que veste 
As ricas e as felizes - nesse peito: 
Fazer-te... o que a Fortuna há sempre feito... 
Terias sempre a sorte que tiveste! 

Tinhas de ser assim... Teus olhos fitos, 
Que não são deste mundo e onde eu leio 
Uns mistérios tão tristes e infinitos, 

Tua voz rara e esse ar vago e esquecido, 
Tudo me diz a mim, e assim o creio, 
Que para isto só tinhas nascido!

mar
08

Carlos Arnaud

Branca morada onde Bela Angelina pousa, 
De arrimo, claros muros vão se elevando. 
Nos vãos do templo, a paz em si repousa, 
Sutil silêncio sempre ao vento entoando.

Esculpidos em mármore carrara, tronos. 
Vê-se cúpulas e pisos de alvura e de alvor. 
Nas tramas das colunas, erguem-se panos, 
Germinam gerânios e rosas no exterior.

No átrio eterno, quando a luz se entrega, 
Ouve-se lindas canções em dias imortais, 
Enquanto ao seu tempo o destino navega.

E a Bela Angelina, diante os amplos vitrais
Do Novo Lar que escolheu, a vida abnega, 
Construindo seus sonhos em tempos reais...

mar
01

Carlos Arnaud

Na busca incessante por serenidade, 
Enquanto o carnaval aqui se estende, 
Procuro um refúgio de tranquilidade, 
Longe da folia que o sossego ofende.

As alegorias que aos meus olhos ferem, 
O funk ignóbil, tanto irrita e maltrata, 
São vultos e sons qual jamais preferem, 
Meu ser calmo, e a santa paz do Prata.

Ah, mas que sujeitinho chato de veneta,
Que não acha graça nessa festa momesca,
Onde as drogas fluem de forma dantesca?

Carnaval é uma obra nefasta do capeta.
E é por trás das máscaras e fantasias
Que se escondem as vezes vidas vazias.

fev
22

Cláudio Manuel da Costa

Não se passa, meu bem, na noite, e dia
Uma hora só, que a mísera lembrança
Te não tenha presente na mudança,
Que fez, para meu mal, minha alegria.

Mil imagens que debuxa e fantasia,
Mais me atormenta e mais me cansa...
Pois tão longe estou de uma esperança,
Que alívio pode dar-me esta porfia!

Tirano foi comigo o fado ingrato,
Que crendo, em te roubar, pouca vitória,
Me deixou para sempre o teu retrato:

Eu me alegrara da passada glória,
Se quando me faltou teu doce trato,
Me faltara também dele a memória!

fev
15

Cruz e Souza

É a bondade que te faz formosa,
Que a alma te diviniza e transfigura;
É a bondade, a rosa da ternura,
Que te perfuma com perfume de rosa.

Teu ser angelical de luz bondosa
Verte em meu ser a mais sutil doçura,
Uma celeste, límpida frescura,
Um encanto, uma paz maravilhosa.

Eu afronto contigo os vampirismos,
Os corruptos e mórbidos abismos
Que busquem tentar-me no Caminho.

Na suave, na mesma doce claridade,
No consolo, de amor dessa bondade
Bebo a tua alma como etéreo vinho. 

fev
08

Carlos Arnaud

Pelo silêncio da noite, teu nome chamo, 
Sob o céu de estrelas, teu olhar brilha, 
E em sonhos, nos braços teus, me inflamo. 
E a saudade em meu peito, forte fervilha.

As flores que desabrocham na primavera, 
São pálidas, toscas ante a tua face calma. 
Teu riso, é doce melodia branda e sincera, 
Ao som dele, em êxtase, descanso a alma.

Nos teus olhos castanhos encontro o carinho,
Oh, Angelina, teu amor é meu doce caminho,
Um rubor que me queima, numa chama pura.

Assim, na penumbra, eu sigo com meu sonho
Platônico, sincero, e às vezes bem tristonho.
Ao teu lado, minha vida será sempre segura.

fev
01

Guilherme de Almeida

Ó namorados que passais, sonhando,
quando boia, no céu, a lua cheia!
Que andais traçando corações na areia
e corações nos peitos apagando!

Despertas ninhos vosso passo... Quando
pelas bocas em flor o amor chilreia,
nem sei se é o vosso beijo que gorjeia,
se são as aves que se estão beijando...

Mais cuidado! Não vá vossa alegria
afligir tanta gente que seria
feliz sem nunca ouvir nem ver!

Poupai a ingenuidade delicada
dos que amaram sem nunca dizer nada,
dos que foram amados sem saber!

jan
25

Luís de Góngora

O brilho de metal do teu cabelo
um dia se consome na ferrugem
e os olhos cristalinos, que hoje fulgem,
apagam-se em perpétuo pesadelo.

Tanto viço, não há como contê-lo:
os seios murcham, tudo se resume
numa disforme massa, feito estrume,
no lodo da matéria em desmazelo.

Aproveita o feitio tão formoso
e, juntos, desfrutemos cada gozo
que os deuses não nos neguem nem adiem.

Antes que esse teu corpo, enfim inerme,
converta-se em repasto para o verme,
celebremos Horácio - Carpe diem!

jan
18

Araújo Figueredo

Dessa tarde recordo a profunda tristeza...
E porque não? Recordo a hora da despedida.
Eu te deixara só, meu sonho de beleza,
Ó meu lírio da serra, ó flor estremecida!

Nessa hora amargurada, a própria natureza
Parecia uma noiva, entre goivos, vestida
Para a morte. Do céu na límpida turquesa
Uma estrela surgiu, a resplender de vida!

Entre abraços, teu peito ao meu peito apertaste.
E eu para o mar parti. Mas de onde então ficaste,
Um rastilho de luz branca me acompanhou...

Seria o teu amor assim transfigurado?
Ou a saudade augural do teu peito magoado?
E onde o meu coração tristíssimo ficou?

jan
11

Carlos Arnaud

Nos braços da manhã, surge Angelina, 
Com olhar sereno, um andar encantado, 
No sonho, me envolve, bela e divina, 
Num mundo mágico, suavemente airado.

Cabelos pretos como a noite descente, 
Sorriso que ilumina, ternura infinita, 
Presença que encanta de forma latente, 
Cada gesto dela, uma emoção inaudita.

Em jardins floridos juntos amávamos, 
Risos, abraços e beijos, trocávamos. 
Acordo e percebo quão doce é sonhar.

Vivo cada dia a recordar seus gestos, 
No silêncio da noite, sonhos requestos, 
E vejo ao amanhecer, a luz do seu olhar. 

jan
04

Alceu Wamosy

Ó fantasma sinistro da desgraça!
Visionário, sonâmbulo, maldito,
Que arrastas pelas sombras do infinito,
A agonia titânica da tua raça!

O teu vulto gigante, quando passa,
Traz no exterior ciclópico do grito,
Toda a fúria sombria do rio Cocyto,
Toda a insânia que as almas despedaça!

Que destino fatal teus passos leva?
Que procuras, vagabundo, alma de treva,
Pela noite dos séculos, a esmo?

De onde vens? Quem tu és? Importa pouco!
Talvez sejas Ahasverus, errante e louco,
Perdido na inconsciência de si mesmo ...

dez
28

Mauro Mota

Minha alma! Amiga! Vem de tua fronde
a encarnação da dor num grande grito!
Abres os braços, gritas ao infinito,
mas a voz do silêncio é quem responde!

Tão moça és! No entanto, não sei onde
possa encontrar o bálsamo bendito
que cure a imensa chaga que se esconde
pelas entranhas do teu ventre aflito!

E a maior dor das tuas grandes dores
é a de viver aos sóis das Primaveras
sem a fecundação que, ansiosa, esperas.

Tua mísera tristeza simboliza o luto!
Talvez fosse melhor nunca dar flores
Do que florir somente, e não dar fruto!

dez
21

Carlos Arnaud

Noite de Natal, na paz se veste o mundo,
Sob a luz das estrelas, sonhos reluzentes, 
Silêncio sereno, um mistério profundo, 
Cânticos divinos, nas vozes resplendentes.

Brilham os olhos, no encanto profundo, 
Esperança renasce, em corações ardentes, 
Na manjedoura humilde, o amor fecundo, 
Cristo, em seu berço, abençoa os presentes.

A mesa está farta, um calor acolhedor, 
Abraços apertados, na doce harmonia, 
Luz de velas ilumina o amor verdadeiro.

Que esta noite seja de eterno fervor, 
A união se fortaleça, mais na alegria, 
E que a paz reine no novo ano inteiro.

dez
14

Carlos Arnaud

O Grinch, do monte, vê o mundo humano, 
Noite de Natal, o riso estridente lá ecoa, 
Deseja ele roubar, em um golpe insano, 
Levando todo brilho, que o Natal entoa.

Da vila do Quem, no vale, ergue o canto, 
Corações se aquecem, em união repleta, 
E o Grinch, em trevas, traça com espanto, 
Um plano de levar embora toda a festa.

Naquela noite fria, o roubo se consuma, 
Árvores, luzes, presentes, na bagagem, 
Esperança furtada, Natal que se desfaz.

Mas o coração do Grinch, de gelo em suma, 
Desperta ao som do amor, e na passagem, 
Descobre que Natal é um momento de paz.

dez
07

Carlos Arnaud

No céu de bruma, Angelina emerge, 
Como um sonho etéreo, intocável. 
Olhar misterioso, na noite diverge, 
Num enigma brando, impenetrável.

Os teus passos ecoam na penumbra, 
Sussurros suaves em uma extasia, 
Cada gesto teu, mais que vislumbra,
Revela e oculta a própria fantasia.

Bela Angelina, na dúvida do não dito, 
És a mulher que desvenda o infinito, 
E no teu ser, o mistério é presente.

O perfume de teu corpo é incenso, 
E no silêncio, sua voz é fogo imenso,
Que invade e desperta a alma da gente.

nov
30

Amélia de Oliveira

Não te peço a ventura desejada,
Nem os sonhos que outrora tu me deste,
Nem a santa alegria que puseste
Nessa doce esperança já passada.

O futuro de amor que prometeste
Não te peço! Minha alma angustiada
Já não te pede, de impossível, nada,
Já não te lembra aquilo que esqueceste!

Nesta mágoa sorvida ocultamente,
Nesta saudade atroz que me deixaste,
Nada te peço! Nada! Tão somente

Neste pranto que choro ainda por ti,
Peço-te agora a paz que me roubaste,
Peço-te agora a vida que perdi!

nov
23

Juvenal Antunes

Encarnação da máxima bondade,
Imagem de candura e de beleza,
Fardou-te a perdulária Natureza
Exemplo de ternura e castidade.

No indizível horror desta saudade,
Em que minha alma se debate, preza,
Fazes da própria mágoa, e de tristeza,
Um misto de tortura e suavidade.

Bendita seja, pois, mulher querida,
Que escreves e dispões de minha sina,
Como causa e razão de minha vida...

Realças na confecção de qualquer verso:
E, sendo assim tão fraca e tão franzina,
És a obra mais perfeita do Universo!

nov
16

João Ribeiro

Ó Musa, cujo olhar de pedra, que não chora, 
Gela o sorriso ao lábio e as lágrimas estanca! 
Dá-me que eu vá contigo, em liberdade franca, 
Por esse grande espaço onde o Impassível mora. 

Leva-me longe, ó Musa impassível e branca! 
Longe, acima do mundo, imensidade em fora, 
Onde, chamas lançando ao cortejo da aurora, 
O aureo plaustro do sol nas nuvens solavanca. 

Transporta-me, de vez, numa ascensão ardente, 
À deliciosa paz dos Olímpicos-Lares, 
Onde os deuses pagãos vivem eternamente. 

E onde, num longo olhar, eu possa ver contigo, 
Passarem, através das brumas seculares, 
Os Poetas e os Heróis do grande mundo antigo.

nov
09

Carlos Arnaud

Na aurora de teu rosto esplendoroso, 
Desliza a luz que enche a minha vida. 
Teus olhos, estrelas em céu de gozo, 
Refletem a mais pura alma, querida.

Nos campos do amor, és flor purpurina,
A musa que inspira a vida deste poeta. 
Teu nome em versos leio, Bela Angelina, 
E no teu recanto meu coração completa.

Ao som da tua voz, terna e sincera,
Meu ser desperta, rompe, se reitera. 
Em ti, amiga, encontro paz e glória.

Ó Bela Angelina, o teu meigo sorriso, 
És para mim o mais sonhado paraíso, 
E a conquista deste será minha vitória...

nov
02

Carlos Arnaud

Na névoa tênue de um dia primaveral, 
As almas suspiram memórias antigas. 
Em sombras quietas de um sonho fatal, 
Sussurram histórias e eternas cantigas.

Nos túmulos frios, repousa o passado, 
Num silêncio da fé que ecoa mistérios. 
Flores desbotadas em solo sagrado, 
Guardam segredos de amores etéreos.

A manhã fria, pálida, observa serena, 
Lágrimas que fluem como um rio lento, 
Em prece à brisa que doce envenena.

Finados, instantes de paz e tormento, 
Onde a vida e a morte dançam amena, 
Num ciclo eterno de puro sentimento.

out
26

Guilherme de Almeida
 
Mas não passou sem nuvem de tristeza
esse amor que era toda a tua vida,
em que eu tinha a existência resumida
e a viva chama de minha alma, acesa.

Nem lemos sem vislumbre de incerteza
a página do amor, lida e relida,
mas pouquíssimas vezes entendida,
sempre cheia de engano e de surpresa,

Não. Quantas vezes ocultei a minha
dor num sorriso! Quanta vez sentiste
parar, medroso, o coração de gelo!

É que nossa alma às vezes adivinha
que perder um amor não é tão triste
como pensar que havemos de perdê-lo. 

out
19

Cruz e Souza

Por uma estrada de astros e perfumes
A Santa Virgem veio ter comigo:
Douravam-lhe o cabelo claros lumes
Do sacrossanto resplendor amigo.

Dos olhos divinais no doce abrigo
Não tinha laivos de paixões e ciúmes:
Domadora do mal e do perigo
Da montanha da Fé galgara os cumes.

Vestida na alva excelsa dos profetas
Falou na ideal resignação de ascetas,
Que a febre dos desejos aquebranta.

No entanto os olhos dela vacilavam,
Pelo mistério, pela dor flutuavam,
Vagos e tristes, apesar de Santa!

out
12

Pe. Antônio Tomás

Ao sopro do terral abrindo a vela,
Na esteira azul das águas arrastada,
Segue veloz a intrépida jangada
Entre os uivos do mar que se encapela.

Prudente, o jangadeiro se acautela
Contra os mil acidentes da jornada;
Fazem-lhe, entanto, guerra encarniçada
O vento, a chuva, os raios, a procela.

Súbito, um raio o prostra e, furioso,
Da jangada o despeja na água escura;
E, em brancos véus de espuma, o desditoso.

Envolve e traga a onda intumescida,
Dando-lhe, assim, mortalha e sepultura
O mesmo mar que o pão lhe dera em vida. 

out
05

Alphonsus de Guimaraens

Vestido de ouro o Sol, bom padre, canta a missa
Da luz no altar do céu. Véus de celestes damas,
As nuvens voam: cantam pássaros: e viça
Mais do que nunca o olhar de Flora pelas ramas.

Entra o Espectro. Com voz soluçante e submissa
Murmuro-lhe: Por que, se és luz, se já não amas,
Atormentar-me assim? Não haverá justiça
Final no inferno, fogo eterno, eternas chamas?

Para que perseguir-me. Anjo tristonho? Espera.
Ou antes de noite vem, quando o remorso chora,
E o luto os olhos fecha à alma da primavera.

Bem te deves lembrar: quando tu me esqueceste,
Brilhava o mesmo sol no mesmo céu de agora...
Bem te deves lembrar: foi um dia como este.

set
28

Alberto de Oliveira

Parado o engenho, extintas as senzalas,
Sem mais senhor, existe inda a fazenda,
A envidraçada casa de vivenda
Entregue ao tempo com as desertas salas.

Se ali penetras, vês em cada fenda
Verdear o musgo e ouves, se acaso falas,
Soturnos ecos e o roçar das alas
De atros morcegos em revoada horrenda.

Amam o luar, entretanto, essas ruínas.
Uma noite, horas mortas, de passagem
Eu a varanda olhava, quando vejo

À janela da frente, entre cortinas
De prata e luz, chegar saudosa imagem
E, unindo os dedos, atirar-me um beijo...

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