Os Mais Belos Sonetos

Coletânea de sonetos escritos por poetas brasileiros, lusos e de outros paises

Carlos Arnaud

No tempo que a razão se faz madura,
E o passo já conhece o chão que pisa,
A vida se revela em sua forma pura,
Como arte que o escritor a eterniza.

Sessenta e seis - idade que me fulgura
Com luz serena, sábia e sem pesquisa;
Não se busca mais o ouro da aventura,
Mas guarda o dom que o tempo suaviza.

O mundo já não é só a chama e vento,
Mas livro aberto em páginas discretas,
Com versos que repousam seu momento.

E eu, que sou do tempo dos estetas,
Celebro em rima o nobre fundamento:
Viver é bom, e os anos me são poetas.

Mauro Mota

Brisa da tarde, mensageira brisa, 
do tempo antigo como se voltasse. 
Brisa do jardim público, na lisa 
pedra do banco, uma legenda nasce. 

Quase criatura pela relva pisa 
flutuante, fina, alígera, fugace, 
entre meus dedos trêmulos desliza, 
sinto o seu beijo póstumo na face.

Brisa da tarde, vens tangida 
pelos cabelos soltos, rápidos 
cabelos esvoaçantes pelos céus azuis. 

Lembro, um dia, a envolveste e foste embora, 
brisa, e da amada tão distante, agora, 
é o cheiro e a imagem que me restituis.

Carlos Arnaud

Na tez do prado, exímia flor viceja,
Seu cálix de ouro ao sol resplandece,
E a brisa mansa, cândida, esmorece
Ante o perfume que em volúpia alveja.

E logo ao lado, austero e vil, rasteja
O espinho agudo, em nua mudez cresce,
Sem cor, sem graça, com sua ira fenece
No chão estéril que em desdém o beija.

Oh, contraste! Que ironia se ensina
Na arte estranha da agreste campina,
Onde a beleza e a dor se fazem laço!

Pois da flor nasce uma grandeza divina,
E do espinho o pranto da fatal ruína,
Tecendo vida em dúbio e ingênuo passo.

Carlos Arnaud

Nos lábios dela, a rima é mel furtivo,
Mas se beijá-la, provo o amargo pranto.
Seu olhar de íris clara e luz de espanto
Fere-me a alma, como aço frio e esquivo.

Doura-lhe o sol a tez, num tom lascivo,
Mas sua voz ressoa como um canto brando,
Pois há em seu peito o ardor pulsando
Que ao meu clamor responde mui reativo.

Minha Bela Angelina, sou mero viajante,
Perdido em órbita, sem brilho e fomento,
A vagar no vácuo, errante e distante.

Se o amor foi pena, traçou meu destino:
Serei eu poeta, e em versos o lamento
Por não ter sido o seu querer libertino.

Carlos Arnaud

Na cidade altiva, onde a noite avança,
o luar recobre a praça e a nua estrada,
brilhando no Prata, pura luz que dança,
tecendo as sombras numa renda alada.

Um sereno espelho nas águas do rio,
reflete o céu num sonho imaculado,
de súbito envolve o campo em desvario,
seu véu de luz em pranto derramado.

E sob a brisa, toda terra se enfeitiça,
nas folhas que murmuram seus enredos,
A lua desliza em sua áurea preguiça,

bordando vales com seus brancos dedos.
Assim, São Domingos guarda em sua liça
o encanto oculto dos astros quedos.

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