Cruz e Sousa
Trêmula e só, de um túmulo surgindo,
Aparição dos ermos desolados,
Trazes na face os frios tons magoados,
De quem anda por túmulos dormindo…
A alta cabeça no esplendor, cingindo
Cabelos de reflexos irisados,
Por entre auréolas de clarões prateados,
Lembras o aspecto de um luar diluindo…
Não és, no entanto, a torva Morte horrenda,
Atra, sinistra, gélida, tremenda,
Que as avalanches da ilusão governa…
Mas ah! és da Agonia a Noiva triste
Que os longos braços lívidos abriste
Para abraçar-me para a Vida eterna!
Quem sou eu
- Carlos Arnaud de Carvalho
- São Domingos do Prata, Minas Gerais
- E nestas lutas vou cumprindo a sorte, até que venha a compassiva morte, levar-me à grande paz da sepultura.
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Juvenal Antunes Encarnação da máxima bondade, Imagem de candura e de beleza, Fardou-te a perdulária Natureza Exemplo de ternura e castidade....
Costa e Silva
Não fujas ao destino, nem te afastes
Da rota que te foi traçada um dia,
Que a vida de surpresas e contrastes
Tem de ser fatalmente o que seria.
O tempo, inutilmente, não o gastes
Em rumo oposto à estrela que te guia;
Mas segue em tudo o verbo do Eclesiastes,
Profundo e amargo de sabedoria.
Não te afoites de encontro à própria sorte,
Porque, sendo imutáveis, são eternas
As leis da vida como as leis da morte;
E, se as tuas vaidades tanto externas,
Não pensas que, sendo homem, não és forte
E que, sendo mortal, não te governas.
Dante Milano
Gestos inúteis que não deixam traços
Faço, e as ondas me afogam no seu seio.
Uma parece que me parte ao meio,
Outra parece que me arranca os braços.
Sinto o corpo quebrado de cansaços,
E num exausto, sufocado anseio,
Sem ter a que amparar-me, cambaleio,
Sem ter onde pisar, falseio os passos.
Minha tristeza mede-se por léguas
Que venço, não em terra, mas nadando
No caminho do mar que não dá tréguas,
Batendo-me de peito contra mágoas,
Sôfrego, trôpego, gesticulando,
Como um náufrago em vão se agarra às águas...
Antero de Quental
Para além do Universo luminoso,
Cheio de formas, de rumor, de lida,
De forças, de desejos e de vida,
Abre-se como um vácuo tenebroso.
A onda desse mar tumultuoso
Vem ali expirar, esmaecida...
Numa imobilidade indefinida
Termina ali o ser, inerte, ocioso...
E quando o pensamento, assim absorto,
Emerge a custo desse mundo morto
E torna a olhar as coisas naturais,
À bela luz da vida, ampla, infinita,
Só vê com tédio, em tudo quanto fita,
A ilusão e o vazio universais.
Augusto dos Anjos
Alma feita somente de granito,
Condenada a sofrer cruel tortura
Pela rua sombria da amargura
- Ei-lo que passa - réprobo maldito.
Olhar ao chão cravado e sempre fito,
Parece contemplar a sepultura
Das suas ilusões que a desventura
Desfez em pó no hórrido delito.
E, à cruz da expiação subindo mudo,
A vida a lhe fugir já sente prestes
Quando ao golpe do algoz, calou-se tudo.
O mundo é um sepulcro de tristeza,
Ali, por entre matas de ciprestes,
Folga a justiça e geme a natureza.
Otacílio de Azevedo
Perdoai-me, senhora, se, rendido
Aos estranhos encantos de outra dona,
Meu coração do vosso distraído
Por outra no momento se apaixona.
Ah! não me houvésseis vós apetecido
E do meu ser feito chegar à tona
Um mundo estranho, há muito convertido
Em cinza que se esmói e se abandona,
Não seria de mim que recebêsseis,
Agora, a breve nênia comovida
De quem parte ao deixar alguém chorando.
Pois fostes vós - quisera me entendêsseis: -
Que o morto amor em mim ressuscitando,
Vos tornastes um ponto de partida ...
Antônio Gomes Leal
Vejo-a sempre passar séria, constante,
– Às vezes, inclinada na janela, –
Tranquila, fria, e pálido o semblante,
Como uma santa triste de capella.
Seu riso sem calor como o brilhante
No nosso lábio o próprio riso gela,
E ela nasceu para chorar diante
De um Cristo numa estreita e escura cela.
Seu olhar virginal como as crianças
Jamais disse do amor as coisas mansas;
Jamais vergou da Força ao choque rude.
Abrasa-a um fogo divinal secreto!
Eu sinto, mal a avisto, ao seu aspecto,
O brio intenso e negro da Virtude.
Olavo Bilac
Já me não amas? Basta! Irei, triste, e exilado
Do meu primeiro amor para outro amor, sozinho.
Adeus, carne cheirosa! Adeus, primeiro ninho
Do meu delírio! Adeus, belo corpo adorado!
Em ti, como num vale, adormeci deitado,
No meu sonho de amor, em meão do caminho...
Beijo-te inda uma vez, num último carinho,
Como quem vai sair da pátria desterrado...
Adeus, corpo gentil, pátria do meu desejo!
Berço em que se emplumou o meu primeiro idílio,
Terra em que floresceu o meu primeiro beijo!
Adeus! Esse outro amor há de amargar-me tanto,
Como o pão que se come entre estranhos, no exílio,
Amassado com fel e embebido de pranto...
Guilherme de Almeida
O pequenino livro, em que me atrevo
a mudar numa trêmula cantiga
todo o nosso romance, ó minha amiga,
será, mais tarde, nosso eterno enlevo.
Tudo o que fui, tudo o que foste eu devo
dizer-te: e tu consentirás que o diga,
que te relembre a nossa vida antiga,
nos dolorosos versos que te escrevo.
Quando, velhos e tristes, na memória
rebuscarmos a triste e velha história
dos nossos pobres corações defuntos,
que estes versos, nas horas de saudade,
prolonguem numa doce eternidade
os poucos meses que vivemos juntos.
Alphonsus de Guimaraens
Ó minha amante, eu quero a volúpia vermelha
Nos teus braços febris receber sobre a boca;
Minh'alma, que ao calor dos teus lábios se engelha
E morre, há de cantar perdidamente louca.
O peito, que a uma furna escura se assemelha,
De mágicos florões o teu olhar me touca;
Ao teu lábio que morde e tem mel como a abelha,
Dei toda a vida... e eterna ela seria pouca.
Ao teu olhar, oceano ora em calma ora em fúria,
Canta a minha paixão um salmo fundo e terno,
Como o ganido ao luar de uma cadela espúria...
- Salmo de tédio e dor, hausteante, negro e eterno,
E no entanto eu te sigo, ó verme da luxúria,
E no entanto eu te adoro, ó céu do meu inferno!
Mário Linhares
Simplifica, a sorrir, tua existência,
Vê, em tudo, um motivo de alegria,
E, assim, na paz de tua consciência,
Faze da Fé teu pão de cada dia!
E conserva em perpétua adolescência,
Num halo de esplendor e de harmonia,
Teu coração e tua inteligência,
Dentro do sonho excelso que te guia.
Homem! Repara como à luz da aurora,
Na aleluia sem par da Natureza,
Tudo, em redor, de júbilo se enflora!
Sim, tudo nos desperta e nos convida
Para o Bem, para a Luz, para a Beleza
Da grande festa espiritual da Vida!
Álvares de Azevedo
Pálida, à luz da lâmpada sombria,
Sobre o leito de flores reclinada,
Como a lua por noite embalsamada,
Entre as nuvens do amor ela dormia!
Era a virgem do mar, na escuma fria
Pela maré das águas embalada!
Era um anjo entre nuvens d’alvorada
Que em sonhos se banhava e se esquecia!
Era mais bela! o seio palpitando...
Negros olhos as pálpebras abrindo...
Formas nuas no leito resvalando...
Não te rias de mim, meu anjo lindo!
Por ti as noites eu velei chorando,
Por ti nos sonhos morrerei sorrindo!
Gilka Machado
Ó meu santo pecado, ó pecadora
virtude minha! ó minha hesitação!
bem diferente esta existência fora,
ermo de ti tão frágil coração!...
Se ora és sensualidade cantadora,
instinto vivo, alegre volição,
logo és consciência calma, pensadora,
silenciosa tortura da razão.
Contudo, eu te bendigo, eu te bendigo,
ó dúbio sentimento, que comigo
vives, minha agonia e meu prazer!
Quanto lourel minha existência junca,
por ti, pecado, que não foste nunca,
por ti, virtude, que ainda sabes ser!
Adelmar Tavares
Eu que proclamo odiar-te, eu que proclamo
querer-te mal, com fúria e com rancor,
mal sabes tu como, em segredo, te amo
o vulto pensativo e sofredor.
Quem vê o fel que em cólera derramo,
no ódio que punge, desesperador,
mal sabe que, se a sós me encontro, chamo
por teu amor, com o mais profundo amor...
Mal sabe que, se acaso, novamente,
buscasses o calor do velho ninho
de onde um capricho te fizera ausente,
eu, esquecendo a tua ingratidão,
juncaria de rosas o caminho
em que voltasses para o meu perdão...
Juvenal Antunes
Essa saudade que jamais se farta,
De corroer-me a alma dolorida,
Faz-me temer que o coração se parta,
Aniquilando-me tão pesada vida!
E assim, vou folheando o livro triste,
Do nosso amor já transformado em pranto,
Hoje que dos meus olhos tu fugiste,
Envolvendo-te de morte o negro manto.
Até que, dessa saudade as dores,
Libertem-me de vez dos amargores
Dessa maldita e insuportável vida.
Porque, as nossas almas se juntando,
Dessa matéria vil se libertando
Eternamente se amarão, querida.
Raimundo Correia
Quando do Olimpo nos festins surgia
Hebe risonha, os deuses majestosos
Os copos estendiam-lhe, ruidosos,
E ela, passando, os copos lhes enchia...
A Mocidade, assim, na rubra orgia
Da vida, alegre e pródiga de gozos,
Passa por nós, e nós também, sequiosos,
Nossa taça estendemos-lhe, vazia...
E o vinho do prazer em nossa taça
Verte-nos ela, verte-nos e passa...
Passa, e não torna atrás o seu caminho.
Nós chamamo-la em vão; em nossos lábios
Restam apenas tímidos ressábios,
Como recordações daquele vinho.
Amadeu Amaral
Tudo isto há de passar, de certo, muito em breve...
Branca névoa sutil, ir-se-á quando o sol nasça;
branco sonho de amor, passará, como passa
pelas ondas em fúria uma garça de neve.
Passará dentro em pouco, imitando a fumaça
que se evola e se esvai nas curvas que descreve.
Fumaça de ilusão, força é que o vento a leve,
força é que o vento a leve, e disperse, e desfaça.
Que importa! Uma ilusão que nos alegra e afaga
há de ser sempre assim, no mar bravo da vida,
como a espuma que fulge e morre sobre a vaga.
Esta me há de fugir, esta que hoje me inflama!
E antes vê-la fugir como uma luz perdida
que possuí-la na mão como um pouco de lama...
José Bonifácio
Se te procuro, fujo de avistar-te,
E se te quero, evito mais querer-te,
Desejo quase... quase aborrecer-te,
E se te fujo, estás em toda parte.
Distante, corro logo a procurar-te,
E perco a voz e fico mudo ao ver-te,
Se me lembro de ti, tento esquecer-te,
E se te esqueço, cuido mais amar-te.
O pensamento assim partido ao meio,
E o coração assim também partido,
Chamo-te e fujo, quero-te e receio!
Morto por ti, eu vivo dividido,
Entre o meu e o teu ser sinto-me alheio,
E sem saber de mim, vivo perdido!
Augusto dos Anjos
Agregado infeliz de sangue e cal,
Fruto rubro de carne agonizante,
Filho da grande força fecundante
De minha brônzea trama neuronial
Que poder embriológico fatal
Destruiu, com a sinergia de um gigante,
A tua morfogênese de infante,
A minha morfogênese ancestral?!
Porção de minha plásmica substância,
Em que lugar irás passar a infância,
Tragicamente anônimo, a feder?!…
Ah! Possas tu dormir feto esquecido,
Panteisticamente dissolvido
Na noumenalidade do não ser!
Juvenal Antunes
Passas por mim tão orgulhosa... Nada
Sou no teu coração? Pois eu queria
Ser ao menos a humílima calçada
Que tu pisas, com força, todo dia!
Mas, não me queres mal... Que se diria
Se tu fosses tão frias e tão malvada
Que, desprezando a minha idolatria,
Transformasses-me em folha bem rasgada?
Não! Tu és mais mulher do que pareces...
Sabes amar e sabes fazer preces
Pela felicidade de quem te ama!
Porque é, enfim, meu sonho verdadeiro,
És meu amor primeiro e derradeiro
E, da minh'alma, Laura, a última chama!
Carlos Arnaud
Ainda és a mesma, ó flor da natureza,
Rainha do Médio Piracicaba! Brilhante.
Torrão de amor, onde o peregrino amante,
Sorveu em silêncio toda sua triunfal beleza.
Ao certo és que possuis rara nobreza,
No teu sorriso hospitaleiro, diamante,
Que herdou de Domingos, o desbravante,
Das margens de um rio de prateada pureza.
Não há cidade mais bela,
Mais atraente quanto ela,
Na qual meu coração recata.
Lugar de mulher formosa,
De uma igreja matriz maravilhosa,
Eu te Amo São Domingos do Prata.
Juvenal Antunes
Reuniram-se três deuses vis do Averno.
Para perder-me. Disse o mais irado:
Façamo-lo imortal, pobre e aleijado,
Demos-lhe eterna vida e um mal eterno!
Disse o segundo: Demos-lhe um tão terno
Peito de pai que, ao ver o filho amado
Por um braço homicida apunhalado,
Sofra dor que comova ao próprio Inferno.
Mas, o ultimo dos três, com voz estranha,
Cujo som abalou uma montanha,
A despedir do olhar sulfúreo lume,
Por mais encanecido e desumano
Na ciência de infligir tortura e dano,
Praguejou: Basta que ame e tenha ciúme!
Manuel du Bocage
Por esta solidão, que não consente
Nem do sol, nem da Lua a claridade,
Ralado o peito já pela saudade
Dou mil gemidos a Marília ausente:
De seus crimes a mancha inda recente
Lava Amor, e triunfa da verdade,
A beleza, apesar da falsidade,
Me ocupa o coração, me ocupa a mente:
Lembram-me aqueles olhos tentadores,
Aquelas mãos, aquele riso, aquela
Boca suave, que respira amores...
Ah, trazei-me ilusões, a ingrata, a bela!
Pintai-me vós, oh sonhos, entre flores
Suspirando outra vez nos braços dela!
Herculano Vieira
Cerra, de vez, as portas de teu seio
Aos nocivos influxos da vaidade.
Encara a dor, o sofrimento alheio,
com olhos de ternura, de piedade.
Frágil mortal: da vida no volteio,
Átomo que és da vil humanidade,
Com esta hás de sentir, num mesmo enleio,
Risos - lágrimas, sonho - realidade...
Ama e sê bom. Aos órfãos da fartura,
Aos párias que o desdém tanto tortura,
Estende, compassivo, os braços teus.
De virtude e não de ouro é feita a escada
Por onde as almas na final jornada,
Sobem, confiantes, aos Portais dos Céus!
Cláudio Manoel da Costa
Estes os olhos são da minha amada,
Que belos, que gentis e que formosos!
Não são para os mortais tão preciosos
Os doces frutos da estação dourada.
Por eles a alegria derramada
Tornam-se os campos de, prazer gostosos.
Em zéfiros suaves e mimosos
Toda esta região se vê banhada.
Vinde olhos belos, vinde, e enfim trazendo
Do rosto do meu bem as prendas belas,
Dai alívio ao mal que estou gemendo.
Mas ah! delírio meu que me atropelas!
Os olhos que eu cuidei que estava vendo,
Eram (quem crera tal!) duas estrelas.
Dirceu Rabelo
Quem dividiu comigo corpo e alma
E me dava alegria na tristeza
E que me aconselhava agir com calma
Nos momentos difíceis de incerteza.
Hoje nada me diz e não reclama
Disso que lhe aprontou a Natureza:
Já não se lembra mais dos entes que ama
E sem cometer crime vive presa.
Nas algemas fatais da desventura
De carregar a cruz de um mal sem cura,
Que fere muito mais o companheiro,
De quem se escuta agora esta mensagem:
Chegando aos cais da última viagem,
Dos dois é mais feliz quem vá primeiro.
Humberto de Campos
Vinte e seis anos, trinta amores: trinta
vezes a alma de sonhos fatigada.
e, ao fim de tudo, como ao fim de cada
amor, a alma de amor sempre faminta!
Ó mocidade que foges! brada
aos meus ouvidos teu futuro, e pinta
aos meus olhos mortais, com toda a tinta,
os remorsos da vida dissipada!
Derramo os olhos por mim mesmo… E, nesta
muda consulta ao coração cansado,
que é que vejo? que sinto? que me resta?
Nada: ao fim do caminho percorrido,
o ódio de trinta vezes ter jurado
e o horror de trinta vezes ter mentido!
Luís Delfino
O amor!... Um sonho, um nome, uma quimera,
Uma sombra, um perfume, uma cintila,
Que pendura universos na pupila,
E eterniza numa alma a primavera;
Que faz o ninho, e dá meiguice à fera,
E humaniza o rochedo, e o bronze, e a argila,
Sem o afago do qual Deus se aniquila
Dentro da própria luminosa esfera.
A música dos sóis, o ardor do verme,
O beijo louco da semente inerme,
Vulcão, que o vento arrasta em tênues pós:
Curvas suaves, deslumbrantes seios
De vida e formas variegadas cheios,
É o amor em nós, e o amor fora de nós.
Cláudio Manoel da Costa
Neste álamo sombrio, aonde a escura
Noite produz a imagem do segredo;
Em que apenas distingue o próprio medo
Do feio assombro a hórrida figura
Aqui, onde não geme, nem murmura
Zéfiro brando em fúnebre arvoredo,
Sentado sobre o tosco de um penedo
Chorava Fido a sua desventura.
Às lágrimas, a penha enternecida
Um rio fecundou, donde manava
D'ânsia mortal a cópia derretida;
A natureza em ambos se mudava;
Abalava-se a penha comovida;
Fido, estátua de dor, se congelava.
Juvenal Antunes
Nas madrugadas de verão, costumo
Levantar-me com o claro do sol radioso,
E encontro um novo e delicioso pouso
No meu viver. Tomo café, e fumo!
Seguindo, então, meu pensamento e rumo
De idéias gratas e felizes ouso,
Pensar que o mundo é plácido e formoso
E é ditosa a existência, que eu consumo.
Ditosa, sim, porque é ventura plena
Encher a noite de ósculos de amor
E, após, gozar esta manhã tão linda...
Enquanto tu, oh! Laura, assim serena...
No nosso leito, sob o cobertor,
Fatigada de amar, dormes ainda!
Luís Vaz de Camões
Erros meus, má Fortuna, Amor ardente
Em minha perdição se conjuraram;
Os erros e a Fortuna sobejaram,
Que para mim bastava Amor somente.
Tudo passei; mas tenho tão presente
A grande dor das cousas que passaram,
Que já as frequências suas me ensinaram
A desejos deixar de ser contente.
Errei todo o discurso de meus anos;
Dei causa a que a Fortuna castigasse
As minhas mal fundadas esperanças.
De Amor não vi senão breves enganos.
Oh! Quem tanto pudesse, que fartasse
Este meu duro Génio de vinganças!
Augusto dos Anjos
Na etérea limpidez de um sonho branco,
Lúcia sorriu-se à bruma nevoenta,
E a procela chorou num fundo arranco
De mágoa triste e de paixão violenta.
E Lúcia disse à bruma lutulenta:
- Foge, senão com o meu olhar te espanco!
E eu vi que, à voz de Lúcia, grave e lenta,
O céu tremia em seu trevoso flanco.
Fulgia a bruma para sempre. A vida
Despontava na aurora amortecida
À rutilância mágica do dia.
Aquele riso despertava a aurora!
E tudo riu-se, e como Lúcia, agora,
O sol, alegre e rubro, também ria!
Cláudio Manuel da Costa
Nise? Nise? Onde estás? Aonde espera
Achar-te uma alma, que por ti suspira,
Se quanto a vista se dilata, e gira,
Tanto mais de encontrar te desespera!
Ah se ao menos teu nome ouvir pudera
Entre esta aura suave, que respira!
Nise, cuido, que diz; mas é mentira.
Nise, cuidei que ouvia; e tal não era.
Grutas, troncos, penhascos da espessura,
Se o meu bem, se a minha alma em vós se esconde,
Mostrai, mostrai-me a sua formosura.
Nem ao menos o eco me responde!
Ah como é certa a minha desventura!
Nise? Nise? Onde estás? Aonde? Aonde...?
Vicente de Carvalho
Eu cantarei de amor tão fortemente
Com tal celeuma e com tamanhos brados
Que afinal teus ouvidos, dominados,
Hão de à força escutar quanto eu sustente.
Quero que meu amor se te apresente
— Não andrajoso e mendigando agrados,
Mas tal como é: risonho e sem cuidados,
Muito de altivo, um tanto de insolente.
Nem ele mais a desejar se atreve
Do que merece: eu te amo, e o meu desejo
Apenas cobra um bem que se me deve.
Clamo, e não gemo; avanço, e não rastejo;
E vou de olhos enxutos e alma leve
À galharda conquista do teu beijo.
Cruz e Sousa
Alma do Amor, cansada, erma e fremente,
Arrastando o grilhão das próprias dores,
Sustenta a luz da fé por onde fores,
Torturada, ferida, descontente...
Nebulosas, estrelas, mundos, flores
Rasgam, vibrando, excelso trilho à frente...
Tudo sonha, buscando o lume ardente
Do eterno amor de todos os amores!
Alma, de pés sangrando senda afora,
Humilha-te, padece, chora, chora,
Mas bendize o teu santo cativeiro...
Não esperes ninguém para ajudar-te,
Ama apenas, que Deus, por toda a parte,
É o sol do amor para o Universo inteiro.
Juvenal Antunes
Amo-te ainda e sempre! A tua luz do dia
Surja após esta noite e seus lamentos...
E voem para ti meus pensamentos,
Saiba-te falsa embora, falsa e fria!
Terei até nos lábios a alegria,
A alegria fictícia dos tormentos
Que, abafando os mais rudes sofrimentos,
Num sorriso tristíssimo irradia...
Distribuirei olhares e canções...
Farei versos a outras... e irei, terno,
Murmurando fingidas confissões...
Tu, no entanto, terás mais bela palma:
A glória deste amor, único, eterno,
E a adoração constante de minh'alma!
Otacílio de Azevedo
Alto, de frente ao revoltoso oceano
e exposto à eterna rigidez do vento,
levanta-se ao prestígio soberano
dos músculos de ferro, o cata-vento.
Pulsa-lhe a vida a cada movimento
e parece oxidar-lhe o desengano,
quando se lhe transforma num lamento
todo o seu vão clamor, vezes humano.
Pregado ao solo, numa infinda mágoa,
de mil sonhos, talvez, sobre os escombros,
chora, enchendo de pranto a caixa-d'água ....
É que ele, preso à angústia de existir,
sente a revolta de suster, aos ombros,
asas de ferro, e não poder subir!
Otacílio de Azevedo
Noite. Plange, convulsa, a harpa do vento. A terra
Dorme. O espaço lá fora é tempestuoso e escuro.
Nem sequer uma estrela as pálpebras descerra,
Se as pálpebras descerro e uma estrela procuro...
É nesta hora de amor que de joelhos murmuro
Doce nome de alguém que entre saudades erra...
Surge, irradiando ao sol de seu sorriso puro,
Todo o seu vulto ideal que a minha vida encerra.
Abraço-lhe os braços!... Vem... E o seu cabelo louro
Deixe ver através de uma neblina de ouro
Todo o seu corpo em flor que de almo luar se neva...
Mas se tento oscular-lhe o alvo colo macio,
Súbito, foge... E eu sinto, abandonado e frio,
O meu beijo rolar na solidão da treva...
Adelle de Oliveira
Ontem, pobre de mim. Porque pensasse
Demais em ti, como a ninguém diria,
Vi mais de um riso ingrato de ironia
Pungir minha'alma e abrasear-me a face.
Inda ao lembrar-me a confusão renasce
E coro, e tremo como então tremia
O casto amor que sinto e que escondia,
Quis o destino, vê, que revelasse.
E foi assim: na sala cheia passa
Alguém que eu chamo docemente (era
Ali, na sala, a fina flor da graça).
Não me responde, que suplício o meu,
Em vez do nome que eu chamar devera,
Sem que soubesse murmurara o teu.
Pe. Antônio Tomás
Muitas vezes cantei, nos tempos idos,
Acalentando sonhos de ventura;
Então da lira a voz suave e pura
Era-me um gozo d’alma e dos sentidos.
Hoje vejo esses sonhos convertidos
Num acervo de penas e amargura,
E percorro da vida a estrada escura
Recalcando no peito os meus gemidos.
E, se tento cantar como remédio
Às minhas mágoas, ao sombrio tédio
Que lentamente as forças me quebranta,
Os sons que arranco à pobre lira agora
Mais parecem soluços de quem chora
Do que a doce toada de quem canta.
Juvenal Antunes
Entre as do mundo fúteis criaturas,
Já vivi muito mais de onze mil dias;
E, contando alegrias e amarguras,
Tive mais amarguras, que alegrias.
Engolfei em cismares e poesias,
Cantei, como poeta, as coisas puras,
Sem saber, coração, que recolhias
Desilusões passadas e futuras.
Hoje, cético estou. Bem tarde embora,
Vejo só ter razão quem geme e chora,
E quanta ideia vã nos enfeitiça...
De orgulhos e vaidades me desprendo;
E, como um simples verme, vou vivendo
Na calma, na indolência, na preguiça!
Olavo Bilac
Cabelos brancos! dai-me, enfim, a calma
A esta tortura de homem e de artista:
Desdém pelo que encerra a minha palma,
E ambição pelo mais que não exista;
Esta febre, que o espírito me encalma
E logo me enregela; esta conquista
De idéias, ao nascer, morrendo na alma,
De mundos, ao raiar, murchando à vista:
Esta melancolia sem remédio,
Saudade sem razão, louca esperança
Ardendo em choros e findando em tédio;
Esta ansiedade absurda, esta corrida
Para fugir o que o meu sonho alcança,
Para querer o que não há na vida!
Luís Guimarães Júnior
Eu vejo-a sempre no final do dia,
Quando os purpúreos flocos do ocidente
Vão descorando harmoniosamente,
Aos gemedores sons da Ave Maria.
Sua estatura de altivez sombria
Passa na vaga luz do sol poente,
Como o fantasma, a sombra penitente
Da antiga Musa solitária e fria.
Direis ao vê-la que uma aguda pena,
Que um martírio satânico e profundo
Morde-lhe as fibras d’alma e as envenena;
E ela percorre as festas deste mundo
Com a santa palidez de Madalena,
E com o olhar do Cristo moribundo.
Juvenal Antunes
Não sou como esses triviais amantes
Que notam faltas na mulher amada
És para mim tão pura e dedicada
Como as que são mais castas e constantes
Quanto mais juras, quanto mais garantes
Mentindo sempre à jura formulada
A minha alma a teus pés ajoelhada
Julga um bem, todo o mal com que a quebrantes
Por ti faria acerbos sacrifícios
Acho adoráveis todos os teus vícios
E Justíssima a tua iniquidade
Faze de mim, se queres, um bandido
Por teu amor é gloria haver perdido
Honra, brio, fortuna e probidade!
Olavo Bilac
Bendito o que na terra o fogo fez, e o teto
E o que uniu à charrua o boi paciente e amigo;
E o que encontrou a enxada; e o que do chão abjeto,
Fez aos beijos do sol, o oiro brotar, do trigo;
E o que o ferro forjou; e o piedoso arquiteto
Que ideou, depois do berço e do lar, o jazigo;
E o que os fios urdiu e o que achou o alfabeto;
E o que deu uma esmola ao primeiro mendigo;
E o que soltou ao mar a quilha, e ao vento o pano,
E o que inventou o canto e o que criou a lira,
E o que domou o raio e o que alçou o aeroplano…
Mas bendito entre os mais o que no dó profundo,
Descobriu a Esperança, a divina mentira,
Dando ao homem o dom de suportar o mundo!
Luís Guimarães Júnior
Os olhos dela, os olhos de Clemência
São como o infindo azul resplandecente:
Olhos em cuja luz misticamente
Desponta a estrela d’alva da inocência.
Nada perturba a calma transparência
Desse infantil olhar terno e dormente,
Onde se estampa ainda fielmente
Do Divino cuidado a paciência.
Deixa que eu cante, ó anjo, a formosura
Do teu olhar dulcíssimo: - entretanto
Cedo virá a hora ingrata e escura
Em que outra voz apregoará o encanto
Dos olhos teus, queimados de amargura,
De amor, de febre e de insensato pranto.
Guilherme de Almeida
Quando as folhas caírem nos caminhos,
ao sentimentalismo do sol poente,
nós dois iremos vagarosamente,
de braços dados, como dois velhinhos,
e que dirá de nós toda essa gente,
quando passarmos mudos e juntinhos?
- "Como se amaram esses coitadinhos!
como ela vai, como ele vai contente!"
E por onde eu passar e tu passares,
hão de seguir-nos todos os olhares
e debruçar-se as flores nos barrancos...
E por nós, na tristeza do sol posto,
hão de falar as rugas do meu rosto
hão de falar os teus cabelos brancos.
João Xavier de Matos
Pôs-se o sol… Como já na sombra feia
Do dia pouco a pouco a luz desmaia,
E a parda mão da noite, antes que caia,
De grossas nuvens todo o ar semeia!
Apenas já diviso a minha aldeia;
Já do cipreste não distingo a faia.
Tudo em silêncio está; só lá na praia
Se ouvem quebrar as ondas pela areia.
Com a mão na face, a vista ao céu levanto;
E cheio de mortal melancolia,
Nos tristes olhos mal sustenho o pranto.
E se inda algum alívio ter podia,
Era ver esta noite durar tanto
Que nunca mais amanhecesse o dia!
Mário Beirão
Teus olhos de tão mística elegia,
resplandecentes de penumbra viva,
Perdem-se em mim: do meu olhar deriva
A luz da mais cristã melancolia!
Possa eu viver em ti, nessa harmonia
De memorante paz meditativa;
Minha alma da tua alma se cativa,
Aspira o teu silêncio que inebria!
Teu vulto no Ar imprime-se em debuxos
De recortada flor; visões perpassam
Noturnamente nos teus olhos bruxos!
Uma fonte discorre outonos tristes;
Caem flores do Céu; almas esvoaçam;
Estendo as mãos… adeus! Já não existes!
Auta de Souza
Num dia turvo assim foi que partiste
Cheio de dor e de tristeza cheio.
Eu fiquei a chorar num doido anseio
Olhando o espaço merencório, triste.
Não sei se mágoa mais profunda existe
Que esta saudade que me oprime o seio,
Pois a amargura que ferir-me veio
Naquele dia, ó meu irmão! persiste.
Os anos que se foram! Entanto, eu cismo
A todo o instante, no profundo abismo
Que veio a morte entre nós dois abrir.
Mas cada noite, na asa de uma prece,
Ou num raio de sol quando amanhece,
Vejo tua alma para o céu subir…
Cruz e Sousa
Há certas almas vãs, galvanizadas
De emoção, de pureza, de bondade,
Que como toda a azul imensidade
Chegam a ser de súbito estreladas.
E ficam como que transfiguradas
Por momentos, na vaga suavidade
De quem se eleva com serenidade
Às risonhas, celestes madrugadas.
Mas nada às vezes nelas corresponde
Ao sonho e ninguém sabe mais por onde
Anda essa falsa e fugitiva chama…
É que no fundo, na secreta essência,
Essas almas de triste decadência
São lama sempre e sempre serão lama.
Teixeira de Pascoaes
Sinto que, às vezes, choras, minha Irmã,
No teu sombrio quarto recolhida…
É que ela vem rompendo a sombra vã
Da Morte, e lhe aparece à luz da vida!
E aflita, como choras, minha Irmã…
Teu chôro é tua voz emudecida,
Ante a imagem da Filha, essa manhã
Em profunda saudade amanhecida.
Silêncio! Não palpites, coração;
Nem canto de ave ou mística oração
Um tal idílio venha perturbar!
Deixai a Filha amada e a Mãe saudosa:
A Filha a rir, de face carinhosa,
E a Mãe, tão triste e pálida, a chorar…