Os Mais Belos Sonetos

Coletânea de sonetos escritos por poetas brasileiros, lusos e de outros paises

Cruz e Souza

Eu não busco saber o inevitável
Das espirais da tua vi matéria.
Não quero cogitar da paz funérea
Que envolve todo o ser inconsolável.

Bem sei que no teu círculo maleável
De vida transitória e mágoa seria
Há manchas dessa orgânica miséria
Do mundo contingente, imponderável.

Mas o que eu amo no teu ser obscuro
E o evangélico mistério puro
Do sacrifício que te torna heroína.

São certos raios da tua alma ansiosa
E certa luz misericordiosa,
E certa auréola que te fez divina!

Cruz e Souza

Uma hora só que o teu perfil se afasta,
Um instante sequer, um só minuto
Desta casa que amo — vago luto
Envolve logo esta morada casta.

Tua presença delicada basta
Para tudo tornar claro e impoluto...
Na tua ausência, da Saudade escuto
O pranto que me prende e que me arrasta...

Secretas e sutis melancolias
Recuadas na Noite dos meus dias
Vêm para mim, lentas, se aproximando.

E em toda casa, nos objetos, erra
Um sentimento que não é da Terra
E que eu mudo e sozinho vou sonhando...

Olavo Bilac

Treme o rio, a rolar, de vaga em vaga...
Quase noite. Ao sabor do curso lento
Da água, que as margens em redor alaga,
Seguimos. Curva os bambuais o vento.

Vivo há pouco, de púrpura, sangrento,
Desmaia agora o ocaso. A noite apaga
A derradeira luz do firmamento.
Rola o rio, a tremer, de vaga em vaga.

Um silêncio tristíssimo por tudo
Se espalha. Mas a lua lentamente
Surge na fímbria do horizonte mudo:

E o seu reflexo pálido, embebido
Como um gládio de prata na corrente,
Rasga o seio do rio adormecido.

Alphonsus de Guimaraens

Bem me valeu rezar e ser humilde e justo,
E erguer ao céu piedoso os olhos compassivos:
O dragão que eu temia apareceu-me, o busto,
Fulvo, no resplendor dos clarões redivivos...

Tombei de joelhos, sem poder lutar, a custo,
Diante da luz de sete olhos contemplativos.
Brilhava um sol qualquer no imóvel céu adusto,
Como nunca se viu neste mundo de vivos.

E os sete olhos do monstro olhavam-me, esperando
Que a minha alma cedesse à torpeza sombria
Dos pecados mortais, cada qual mais nefando.

Silêncio e morte em que me vi! Sobressaltada
A minha alma acordou, e o dragão que eu temia,
Fugindo, ante o sinal da cruz desfez-se em nada... 

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