Os Mais Belos Sonetos

Coletânea de sonetos escritos por poetas brasileiros, lusos e de outros paises

Gilka Machado

Ser mulher, vir à luz trazendo a alma talhada
para os gozos da vida: a liberdade e o amor,
tentar da glória a etérea e altívola escalada,
na eterna aspiração de um sonho superior…

Ser mulher, desejar outra alma pura e alada
para poder, com ela, o infinito transpor,
sentir a vida triste, insípida, isolada,
buscar um companheiro e encontrar um senhor…

Ser mulher, calcular todo o infinito curto
para a larga expansão do desejado surto,
no ascenso espiritual aos perfeitos ideais…

Ser mulher, e oh! atroz, tantálica tristeza!
ficar na vida qual uma águia inerte, presa
nos pesados grilhões dos preceitos sociais! 

Nunes Claro

Quem quer que sejas tu, que neste abrigo
Vieste em hora mansa hoje parar.
Feliz! Vens encontrar aqui contigo
Os tesouros que andaste a procurar.

Vens encontrar, sob o silêncio amigo,
A paz do ouvido, e a glória do olhar.
E até, quem sabe? Aquele beijo antigo
que há muito tempo não sabias dar.

Vens encontrar, (é tarde? Não importa),
Um bem que passou à tua porta.
Um grande amor, nem tu soubeste a quem.

E vens, (tanta riqueza em toda a parte),
Vens a ti mesmo, atónito, encontrar-te.
És um poeta, e nunca o viste bem.

Alberto de Oliveira

Austero e frio, entrar no aposento
O médico: - “É preciso o seu cabelo
Cortem.” - Dissera. E eu vi, - nem sei dizê-lo!
Cair-lhe as tranças nesse atroz momento.

Agora mais faminto, mais violento
Crescia o mal. Da morte o escuro selo
Já sobre a fronte lhe notava, e ao vê-lo,
Dor a dor me estalava o pensamento.

O olhar preso no meu, no etéreo fundo
De seu olhar um anjo me acenava,
Como a dizer: - “Já basta deste mundo!”

Com um sorriso no lábio, ela morria...
E o anjo lá estava: em seu olhar, me olhava,
Em sua boca, em seu sorrir, sorria.

Junqueira Freire

Arda de raiva contra mim a intriga,
Morra de dor a inveja insaciável;
Destile seu veneno detestável
A vil calúnia, pérfida inimiga.
 
Una-se todo, em traiçoeira liga,
Contra mim só, o mundo miserável.
Alimente por mim ódio entranhável
O coração da terra que me abriga.
 
Sei rir-me da vaidade dos humanos;
Sei desprezar um nome não preciso;
Sei insultar uns cálculos insanos.
 
Durmo feliz sobre o suave riso
De uns lábios de mulher gentis, ufanos;
E o mais que os homens são, desprezo e piso.

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