Os Mais Belos Sonetos

Coletânea de sonetos escritos por poetas brasileiros, lusos e de outros paises

Juliana S Valis

Um outro ano nasce após dias de parto
Em meio às dores do tempo e da esperança assídua
Como se existisse sempre um momento exato
Para encontrar constância nos rumos sem saída

Um outro ano morre após dias de luta
Em meio às dores do luto e da ilusão contida
Como se houvesse sempre lágrima a ser enxuta
Para iluminar cada sorriso que emana vida

Um outro ano é apenas novo se encontrar mudança
Nos caminhos que cada um percorre diariamente
E nas trilhas que um sonho puro quase sempre alcança

Um outro ano é apenas novo se corrigir o mundo
Em prol da paz que um tempo etéreo e sublime sente
Ao impregnar felicidade no que há de mais profundo

Pedro J. Bondaczuk

É noite de Natal… Estrelas reluzentes
salpicam o céu, este infinito luzeiro.
Na sala, sob a árvore, estão os presentes.
As luzes, piscando, iluminam o pinheiro.

Só, reflito em fatos antigos e recentes,
nos ganhos e perdas deste ano, no final,
nos mui queridos amigos e nos parentes
que estão distantes nesta noite de Natal.

Penso, sobretudo, em você, amiga ausente,
no que gostaria de receber e dar,
no seu grande carinho e generosidade,

no seu sorriso e franqueza no olhar,
pois só quero, amiga, como maior presente,
o rico penhor da sua eterna amizade!

Gilka Machado

O prazer nos embriaga, a dor nos alucina;
só tu és a verdade e és a razão, Tristeza!
— flor emotiva, rosa esplêndida e ferina,
noute da alma, fulgindo, em astros mil acesa.

Não te amedronta o mal, o bem te não fascina,
és o riso truncado e a lágrima represa;
posta entre o gozo e a dor — satânica e divina —
moves eternamente um pêndulo — a incerteza.

Etérea sedução das longas horas mortas,
horas de treva e luz; mistério do sol-posto;
mal que não sabes doer e bem que não confortas...

Trago dentro de mim, desde que me acompanhas,
um veneno de mel, um mortífero gosto,
um desgosto em que gosto alegrias estranhas.

Emílio Kemp

Vão-se os dias passando e cada dia
Que chega, traz consigo as mesmas cores
Desta perene e atroz melancolia
Que me prende num círculo de horrores!

Se desta dor que tanto me crucia,
Busco esquecer-me, procurando amores,
Neles, somente, encontro — que ironia! —
Novos motivos para novas dores!...

E assim vivendo, eu vou como um precito
Que por estradas lúgubres caminha,
Rasgando os pés em pontas de granito.

Que importa a mim que a luz do sol se ria,
Se é tão profunda esta tristeza minha
Que eu já nem sei se fui alegre um dia!

Alberto de Oliveira

O homem, no último dia, abatido em seu horto,
Sente o extremo pavor que a morte lhe revela;
Seu coração é um mar que se apruma e encapela,
No pungente estertor do peito quase morto.

Tudo o que era vaidade, agora é desconforto.
Toda a nau da ilusão se destroça e esfacela
Sob as ondas fatais da indômita procela,
Do pobre coração, que é náufrago sem porto.

Somente o que venceu nesse mundo mesquinho,
Conservando Jesus por verdade e caminho,
Rompe a treva do abismo enganoso e perverso!

Onde vais, homem vão? Cala em ti todo alarde,
Foge dessa tormenta antes que seja tarde:
Só Jesus tem nas mãos o farol do Universo.

Raimundo Correia

Tudo passa no mundo. O homem passa
Atrás dos anos sem compreendê-los;
O tempo e a dor alvejam-lhe os cabelos,
À frouxa luz de uma ventura escassa.

Sob o infortúnio, sob os atropelos
Da dor que lhe envenena o sonho e a graça,
Rasga-se a fantasia que o enlaça,
E vê morrer seus ideais mais belos!...

Longe, porém, das ilusões desfeitas,
Mostra-lhe a morte vidas mais perfeitas,
Depois do pesadelo das mãos frias...

E como o anjinho débil que renasce,
Chora, chora e sorri, qual se encontrasse
À luz primeira dos primeiros dias.

Augusto dos Anjos

Quando nasci, num mês de tantas flores,
Todas murcharam, tristes, langorosas,
Tristes fanaram redolentes rosas,
Morreram todas, todas sem olores.

Mais tarde da existência nos verdores
Da infância nunca tive as venturosas
Alegrias que passam bonançosas,
Oh! Minha infância nunca teve flores!

Volvendo à quadra azul da mocidade,
Minh'alma levo aflita à Eternidade,
Quando a morte matar meus dissabores.

Cansado de chorar pelas estradas,
Exausto de pisar mágoas pisadas,
Hoje eu carrego a cruz das minhas dores!

Cruz e Sousa

Junto da Morte é que floresce a Vida!
Andamos rindo junto à sepultura.
A boca aberta, escancarada, escura
Da cova é como flor apodrecida.

A Morte lembra a estranha Margarida
Do nosso corpo, Fausto sem ventura...
Ela anda em torno a toda a criatura
Numa dança macabra indefinida.

Vem revestida em suas negras sedas
E a marteladas lúgubres e tredas
Das ilusões o eterno esquife prega.

E adeus caminhos vãos, mundos risonhos,
Lá vem a loba que devora os sonhos,
Faminta, absconsa, imponderada, cega!

Antero de Quental

Os que amei, onde estão? Idos, dispersos,
arrastados no giro dos tufões,
Levados, como em sonho, entre visões,
Na fuga, no ruir dos universos...

E eu mesmo, com os pés também imersos
Na corrente e à mercê dos turbilhões,
Só vejo espuma lívida, em cachões,
E entre ela, aqui e ali, vultos submersos...

Mas se paro um momento, se consigo
Fechar os olhos, sinto-os a meu lado
De novo, esses que amei vivem comigo,

Vejo-os, ouço-os e ouvem-me também,
Juntos no antigo amor, no amor sagrado,
Na comunhão ideal do eterno Bem.

Luís Guimarães Júnior

Como a ave que volta ao ninho antigo,
Depois de um longo e tenebroso inverno,
Eu quis também rever o lar paterno,
O meu primeiro e virginal abrigo.

Entrei. Um gênio carinhoso e amigo,
O fantasma, talvez, do amor materno,
Tomou-me as mãos — olhou-me grave e terno,
E, passo a passo, caminhou comigo.

Era esta a sala... (Oh! se me lembro! e quanto!)
Em que, da luz noturna à claridade,
Minhas irmãs e minha Mãe... O pranto

Jorrou-me em ondas... Resistir quem há de?
— Uma ilusão gemia em cada canto,
Chorava em cada canto uma saudade...

Constâncio Alves

Eras em plena mocidade, quando
Da nossa casa, um dia, te partiste;
E eu, coitado, sem mãe, pequeno e triste,
Fiquei por esta vida caminhando.

Assim — no meu amor teu rosto brando
Do tempo à ação maléfica resiste,
E o meu é, hoje, como nunca o viste,
Tanto o passar da idade o foi mudando.

Tão velho estou, que já me não conheces;
Nem poderias ver no que te chora
Esse a quem ensinaste tantas preces.

E tão moça ainda estás que (se memora
A saudade o teu vulto) — me apareces
Como se fosses minha filha agora.

Baptista Cepelos

Com sua voz assustadinha e doce,
doce como um trinar de passarinho,
ela me disse que esperá-la fosse,
fosse esperá-la à beira do caminho.

Mas o tempo da espera prolongou-se,
prolongou-se demais! E então sozinho,
passou o dia. Veio a tarde, e trouxe,
trouxe arrulhos de amor, de ninho em ninho.

Desespero. O silêncio me tortura.
Mas, de repente, alvoroçado, escuto
um farfalhar de folhas na espessura.

Ela chega e tão linda, de maneira
que só para gozar este minuto
eu a esperara a minha vida inteira.

Olavo Bilac

Cada alma é um mundo à parte em cada peito...
Nem se conhecem, no auge do transporte,
Os jungidos do vínculo mais forte,
Almas e corpos num casal perfeito:

Dormindo no calor do mesmo leito,
Voltando os corações à mesma sorte,
Consigo levam à velhice e à morte
Um recato de orgulho e de respeito...

Ficam, por toda a vida, as duas vidas
Na mais profunda comunhão estranhas,
No mais completo amor desconhecidas.

E os dois seres, sentindo-se tão perto,
Até num beijo, são duas montanhas
Separadas por léguas de deserto...

Guilherme de Almeida

Fico - deixas-me velho. Moça e bela,
partes. Estes gerânios encarnados,
que na janela vivem debruçados,
vão morrer debruçados na janela.

E o piano, o teu canário tagarela,
a lâmpada, o divã, os cortinados:
- "Que é feito dela?" - indagarão - coitados!
E os amigos dirão: - "Que é feito dela?"

Parte! E se, olhando atrás, da extrema curva
da estrada, vires, esbatida e turva,
tremer a alvura dos cabelos meus;

irás pensando, pelo teu caminho,
que essa pobre cabeça de velhinho
é um lenço branco que te diz adeus!

Miguel Russowscky

Um por um, os meus sonhos, nesta vida,
despi no andar do tempo modorrento,
qual árvore esfolhada pelo vento
numa tarde outonal, entristecida.

Quebrei-me um pouco, assim, a cada ida,
à procura não sei de qual intento.
Deixei amor, amigos e, ao relento
destroços de minha alma enrijecida.

E hoje, velho, ao voltar da caminhada,
tropeço em meus pedaços pela estrada,
com saudosa visão aqui e ali.

Não mais me iludo, e essa descrença atesta
que passarei o tempo que me resta,
recolhendo os pedaços que perdi.

Martins Fonte

Antes de conhecer-te, eu já te amava,
porque sempre te amei a vida inteira.
Eras a irmã, a noiva, a companheira,
a alma gêmea da minha que eu sonhava.

Com o coração, à noite, ardendo em lava
em meus versos vivias, de maneira
que te contemplo a imagem verdadeira
e acho a mesma que outrora contemplava.

Amo-te. Sabes que me tens cativo.
Retribuis a afeição que em mim fulgura,
transfigurada nos anseios da Arte.

Mas, se te quero assim, por que motivo
tardaste tanto em vir, que hoje é loucura -
mais que loucura: um crime - desejar-te?

Gerson Silvestre Alencar

Chega setembro: a primavera se anuncia.
Ao longe vejo, solitário na campina,
O mesmo ipê que todo ano se ilumina
Tão amarelo e ofuscante à luz do dia.

Mal se reveste e já se despe a ramaria.
É quando o vento implacável em ferina
Arremetida vem e a flora elimina.
E me entristece que se acabe... Mal surgia.

Enquanto vejo o que restou da floração,
Sinto que o ipê põe-se a falar-me ao coração
(Onde, faz tempo, não florescem alegrias).

E, zombeteiro, diz: “Iguala-nos a Sorte;
Em ti também ao Riso segue um Vento Norte,
Tal como ocorre às minhas flores fugidias”.

Joaquim Marques

Se de mim não sentes saudade,
Se dentro de ti, por mim, não tens réstea de amor;
Então não finjas... te peço, por favor;
Não queiras transformar o irreal... em realidade...

Fostes sempre a menina dos meus olhos,
E dos três que amei, a quem eu dei vida,
Talvez, por seres filha, eras a mais querida.
Eras aquela flor... que suavisava meus abrolhos...

Depois de tanto bem eu te ter feito,
E sem que para tal haja uma explicação...
Tu respondes com frieza, silêncio e sem pleito!?...

Em meus pensamentos indeléveis, concluo então:
Que triste é um pai fazer bem a um filho, que a respeito,
Somente tem para lhe dar... a sua ingratidão!...

Vinícius de Moraes

Passem-se dias, horas, meses, anos
Amadureçam as ilusões da vida
Prossiga ela sempre dividida
Entre compensações e desenganos.

Faça-se a carne mais envilecida
Diminuam os bens, cresçam os danos
Vença o ideal de andar caminhos planos
Melhor que levar tudo de vencida.

Queira-se antes ventura que aventura
À medida que a têmpora embranquece
E fica tenra a fibra que era dura.

E eu te direi: amiga minha, esquece...
Que grande é este amor meu de criatura
Que vê envelhecer e não envelhece.

Vilma Oliveira

Todos esses meses de agosto
São dias eternos e pungentes
Com tantas lágrimas de desgosto
A compungir a alma da gente!

Entro no meu quarto, a porta fecho,
Entre quatro paredes, eis minha cela,
Desde que nasci esse desfecho...
Durmo com a dor e acordo com ela!

Ingente clamor que me saúda
Rogo de joelhos: Quem me acuda?
Enxuguem o pranto do meu rosto!

Façam findar essa agonia...
Acabem com as noites e os dias...
Nunca mais exista mês de agosto!

Cruz e Sousa

Ah! Toda a alma num cárcere anda presa
Soluçando nas trevas, entre as grades
Do calabouço olhando imensidades
Mares, estrelas, tardes, natureza

Tudo se veste de uma igual grandeza
Quando a alma entre grilhões as liberdades
Sonha e, sonhando, as imortalidades
Rasga no etéreo o Espaço da Pureza

Ó almas presas, mudas e fechadas
Nas prisões colossais e abandonadas
Da Dor no calabouço, atroz, funéreo

Nesses silêncios solitários, graves
Que chaveiro do Céu possui as chaves
Para abrir-vos as portas do Mistério?

Raul de Leoni

Depois da morte, tudo aqui subsiste,
Neste Além que sonhamos, que entrevemos,
Quando a nossa alma chora nos extremos
Dessa dor que no mundo nos assiste.

Doce consolação, porém, existe
Aos amargosos prantos que vertemos,
Do conforto celeste os bens supremos
Ao coração desalentado e triste.

Também existe aqui a austera pena
À consciência infeliz que se condena,
Por qualquer erro ou falta cometida;

E a Morte continua eliminando
A influência do mal, torvo e nefando,
Para que brilhe a Perfeição da Vida.

Luís Edmundo

Há uma lágrima sempre atenta em nossos olhos;
Branca, redonda, clara, adamantina, pura,
E assim como no mar os traiçoeiros escolhos,
Ela, escondida, a flor das pálpebras procura,

E, aí fica parada. Os íntimos refolhos
De nossa alma reflete, e quando uma ventura
Em riso nos entreabre os lábios com doçura,
Ela, a lágrima, fica a nos tremer nos olhos.

Tu que és moça e que ris, e não sabes da mágoa
Da vida, tem cuidado! Olha essa gota d'água;
Se não queres, da vida, achar-te entre os abrolhos

Ri, mas ri devagar, que a lágrima traiçoeira,
Talvez por te ver rir assim dessa maneira,
Trema e caia, afinal, um dia dos teus olhos!

Alfredo de Assis

No pranto da criança não diviso
Mágoa nenhuma, é tudo luz e encanto;
Tem, nuns restos de céu e paraíso,
Toda a alegria matinal de um canto.

Mas, de um velho, num rápido sorriso,
Mágoas profundas eu percebo entanto!
No pranto da criança há quase riso,
No sorriso do velho há quase pranto!...

Ri-se o velho, é um pôr de sol que chora;
Chora a criança, é como se uma aurora
Num chuveiro de pérolas se abrisse;

E tem muito mais luz, mais esperança,
A lágrima nos olhos da criança
Que o sorriso nos lábios da velhice!...

Aluísio de Azevedo

Calcula, minha amiga, que tortura!
Amo-te muito e muito, e, todavia,
Preferira morrer a ver-te um dia
Merecer o labéu de esposa impura!

Que te não enterneça esta loucura,
Que te não mova nunca esta agonia,
Que eu muito sofra porque és casta e pura,
Que, se o não foras, quanto eu sofreria!

Ah! Quanto eu sofreria se alegrasses
Com teus beijos de amor, meus lábios tristes,
Com teus beijos de amor, as minhas faces!

Persiste na moral em que persistes.
Ah! Quanto eu sofreria se pecasses,
Mas quanto sofro mais porque resistes!

Bastos Portela

És moça e bela. Assim, hoje pões e dispões;
E, feliz, num requinte fátuo de vaidade,
Vais pela vida, altiva, a esmagar corações...
Nada encontras no amor que te amargure ou enfade!

Mas, quando, um dia, enfim, atingires a idade
Em que se perdem, para sempre, as ilusões,
Tu me dirás, então, o que é sentir saudade
E o que é chorar no horror de longas solidões...

A beleza desfeita, humilde, decadente,
Serás a flor que, num jardim, murcha e descora,
Ao crepúsculo azul da tarde, mansamente...

E vendo-te passar, como os fantasmas, eu...
Eu sofrerei, talvez, como quem lembra ou chora
Uma bela mulher que se amou, e morreu!

Otávio Rocha

“Venha me ver sem falta... Estou velhinha.
Iremos recordar nosso passado;
a sua mão quero apertar na minha
quero sonhar ternuras ao seu lado...”

Respondi, pressuroso, numa linha:
“Perdoe-me não ir... ando ocupado.
Ameia-a tanto quanto foi mocinha
e de tal modo também fui amado.

Passou a mocidade num relance...
Hoje estou velho, velha está... Suponho
que perdeu da beleza os vivos traços.

Não quero ver morrer nosso romance...
Prefiro tê-la, jovem no meu sonho,
do que, velha, apertá-la, nos meus braços!

Roger Feraudy

No meu desalento procuro entender,
se passo na vida, ou a vida é que passa!
Eu devo estar velho, ou cansei de viver,
e agora não sei realmente o que faça!

E vejo confuso o probo hoje ser
aquele que honesto serviu de chalaça,
por ser virtuoso cumprir seu dever.
Só vence quem usa da fraude, a trapaça!

Na música o som meus ouvidos tortura,
no verso, na prosa e até na pintura,
se exalta o vulgar com incenso e louvor.

Nos tempos modernos - é regra geral,
porque sem critério, no mundo atual,
mudou-se o conceito, inverteu-se o valor!

Romildes de Meirelles

Estou completamente só... O dia
acaba, a tarde morre docemente
e eu estou só em meio a tanta gente,
nesta tarde chuvosa, cinza e fria...

A solidão da tarde me angustia,
deixa-me imerso em um torpor dolente
e eu vejo o tempo ir-se lentamente
de gota em gota, em triste nostalgia.

A chuva aumenta a minha ansiedade,
enchendo-me de mística saudade,
numa tristeza atroz que o olhar me embaça.

E vejo tudo qual se fosse um sonho,
onde o tempo se escoa tão tristonho
na cadência da chuva na vidraça.

Raul de Leoni

Nunca mais me esqueci!... Era criança
e em meu velho quintal, ao sol-nascente,
plantei, com minha mão ingênua e mansa,
uma linda amendoeira adolescente.

Era a mais rútila e íntima esperança...
cresceu... cresceu... e, aos poucos, suavemente,
pendeu os ramos sobre um muro em frente
e foi frutificar na vizinhança...

Daí por diante, pela vida inteira,
todas as grandes árvores que em minhas
terras, num sonho esplêndido semeio,

como aquela magnífica amendoeira,
eflorescem nas chácaras vizinhas
e vão dar frutos no pomar alheio...

Vinícius de Moraes

De tudo, ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.

Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento.

E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama

Eu possa dizer do meu amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.

Olavo Bilac

Não és bom, nem és mau: és triste e humano...
Vives ansiando, em maldições e preces,
Como se a arder no coração tivesses
O tumulto e o clamor de um largo oceano.

Pobre, no bem como no mal padeces;
E rolando num vórtice insano,
Oscilas entre a crença e o desengano,
Entre esperanças e desinteresses.

Capaz de horrores e de ações sublimes,
Não ficas com as virtudes satisfeito,
Nem te arrependes, infeliz, dos crimes:

E no perpétuo ideal que te devora,
Residem juntamente no teu peito
Um demônio que ruge e um deus que chora.

Juvenal Antunes

Amo-te assim, tão pálida e alquebrada,
Pelas noites de insônia e de delírio;
E velo, ao lado teu, - funéreo círio,-
Até que o dia vença a madrugada...

Não estás nem vencida nem saciada...
Apenas, para o teu e o meu martírio,
És frágil como a pétala de um lírio,
E eu tenho uma alma ao corpo escravizada

Nunca ouvirás de minha boca o insulto,
Que te rebaixa ao nível das rameiras...
Voto-te um nobre e imperfectível culto!

Perante o meu amor, és pura e casta,
Se és falsa, escolho-te entre as verdadeiras;
És mulher... Para mim é quanto basta!

Guilherme de Almeida

Hoje, voltas-me o rosto, se ao teu lado
passo. E eu, baixo os meus olhos se te avisto.
E assim fazemos, como se com isto,
pudéssemos varrer nosso passado.

Passo esquecido de te olhar, coitado!
Vais, coitada, esquecida de que existo.
Como se nunca me tivesses visto,
como se eu sempre não te houvesse amado.

Se às vezes, sem querer nos entrevemos,
se quando passo, teu olhar me alcanças
e meus olhos te alcançam quando vais.

Ah! Só Deus sabe! Só nós dois sabemos.
Volta-nos sempre a pálida lembrança.
Daqueles tempos que não voltam mais!

Ciro Vieira da Cunha

Saudade! o teu olhar longo e macio
Derramando doçura em meu olhar...
Um bocado de sol sentindo frio,
Uma estrela vestida de luar...

Saudade! pobre beijo fugidio
Que tanto quis e não cheguei a dar...
A mansidão inédita de um rio
Na volúpia satânica do mar...

Saudade! o nosso amor... o teu afago...
O meu carinho... o teu olhar tão lindo...
Um pedaço de céu dentro de um lago...

Saudade! um lenço branco me acenando...
Uma vontade de chorar sorrindo,
Uma vontade de sorrir chorando...

Raul Machado

Quando Estela morreu, choravam tanto!
Chovia tanto nessa madrugada!
- Era o pranto dos seus, casado ao pranto
Da Natureza - mãe desventurada!

Ninguém podia ver-lhe o rosto santo,
A fronte nívea, a pálpebra cerrada,
Que não sentisse, logo, em cada canto
Dos olhos, uma lágrima engastada!

Ai! não credes, bem sei, porque não vistes!
Mas quando ela morreu, chorava tudo!
Até dois círios, lânguidos e tristes,

Acendidos à sua cabeceira,
Iam chorando, no seu pranto mudo,
Um rosário de lágrimas de cera!

J. G. de Araujo Jorge

Serviu-te a manjedoura humilde de começo,
nem palácios reais, nem berços de cetim...
— aliás, para pregares a obra que conheço
tu só podias mesmo ter nascido assim...

Decorei tua história e dela não me esqueço
porque sei que tu foste humano e igual a mim!
— e sofreste, e sonhaste, e pagaste por preço
do teu sonho o Calvário que aureolou teu fim!

Sem falsas liturgias revelaste a Vida,
e curvado, com o peso da cruz sobre os ombros
sangraste os pés desnudos na íngreme subida...

Inútil sacrifício!... Hoje, apóstolos teus
reduzindo a grandeza do teu sonho a escombros
mercadejam teus restos em nome de Deus!

Olavo Bilac

Cheguei. Chegaste. Vinhas fatigada
E triste, e triste e fatigado eu vinha.
Tinhas a alma de sonhos povoada,
E a alma de sonhos povoada eu tinha...

E paramos de súbito na estrada
Da vida: longos anos, presa à minha
A tua mão, a vista deslumbrada
Tive da luz que teu olhar continha.

Hoje, segues de novo... Na partida
Nem o pranto os teus olhos umedece,
Nem te comove a dor da despedida.

E eu, solitário, volto a face, e tremo,
Vendo o teu vulto que desaparece
Na extrema curva do caminho extremo.

Raimundo Correia

Se a cólera que espuma, a dor que mora
N’alma e destrói cada ilusão que nasce,
Tudo o que punge, tudo o que devora
O coração, no rosto se estampasse;

Se se pudesse, o espírito que chora
Ver através da máscara da face,
Quanta gente, talvez, que inveja agora
Nos causa, então piedade nos causasse!

Quanta gente que ri, talvez, consigo
Guarda um atroz, recôndito inimigo,
Como invisível chaga cancerosa!

Quanta gente que ri, talvez, existe,
Cuja ventura única consiste
Em parecer aos outros venturosa!

Vicente de Carvalho

Só a leve esperança, em toda a vida,
Disfarça a pena de viver, mais nada;
Nem mais a existência, resumida,
Que uma grande esperança malograda.

O eterno sonho da alma desterrada,
Sonho que a traz ansiosa e embevecida,
É uma hora feliz, sempre adiada.
E que não chega nunca em toda a vida

Essa felicidade que supomos,
Árvore milagrosa, que sonhamos
Toda arreada de dourados pomos,

Existe, sim: mas nós não a alcançamos
Porque está sempre apenas onde a pomos
E nunca a pomos onde nós estamos.

Cruz e Sousa

Ninguém sentiu o teu espasmo obscuro,
Ó ser humilde entre os humildes seres.
Embriagado, tonto dos prazeres,
O mundo para ti foi negro e duro.

Atravessaste no silêncio escuro
A vida presa a trágicos deveres
E chegaste ao saber de altos saberes
Tornando-te mais simples e mais puro.

Ninguém te viu o sentimento inquieto,
Magoado, oculto e aterrador, secreto,
Que o coração te apunhalou no mundo.

Mas eu que sempre te segui os passos
Sei que a cruz infernal prendeu-te os braços
E o teu suspiro como foi profundo!

Olavo Bilac

Penso, às vezes, nos sonhos, nos amores,
Que inflamei à distância pelo espaço;
Penso nas ilusões do meu regaço
Levadas pelo vento a alheias dores...

Penso na multidão dos sofredores,
Que uma bênção tiveram do meu braço;
Talvez algum repouso ao seu cansaço,
Talvez ao seu deserto algumas flores...

Penso nas amizades sem raízes,
Nos afetos anônimos, dispersos,
Que tenho sob os céus de outros países...

Penso neste milagre dos meus versos:
Um pouco de modéstia aos mais felizes,
Um pouco de bondade aos mais perversos...

Gregório de Matos

Pequei, Senhor; mas não porque hei pecado,
Da vossa alta clemência me despido;
Porque, quanto mais tenho delinqüido,
Vos tenho a perdoar mais empenhado.

Se basta a vós irar tanto pecado,
A abrandar-vos sobeja um só gemido:
Que a mesma culpa, que vos há ofendido,
Vos tem para o perdão lisonjeado.

Se uma ovelha perdida, e já cobrada,
Glória tal e prazer tão repentino,
Vos deu, como afirmais na Sacra História:

Eu sou, Senhor, a ovelha desgarrada,
Cobrai-a; e não queirais, Pastor divino,
Perder na Vossa ovelha a vossa glória.

Luís Vaz de Camões

Alma minha gentil, que te partiste
Tão cedo desta vida, descontente,
Repousa lá no Céu eternamente
E viva eu cá na terra sempre triste.

Se lá no assento etéreo, onde subiste,
Memória desta vida se consente,
Não te esqueças daquele amor ardente
Que já nos olhos meus tão puro viste.

E se vires que pode merecer-te
Alguma cousa a dor que me ficou
Da mágoa, sem remédio, de perder-te,

Roga a Deus, que teus anos encurtou,
Que tão cedo de cá me leve a ver-te,
Quão cedo de meus olhos te levou.

Florbela Espanca

Se me ponho a cismar em outras eras
Em que ri e cantei, em que era querida,
Parece-me que foi noutras esferas,
Parece-me que foi numa outra vida ...

E a minha triste boca dolorida,
Que dantes tinha o rir das primaveras,
Esbate as linhas graves e severas
E cai num abandono de esquecida!

E fico, pensativa, olhando o vago ...
Toma a brandura plácida dum lago
O meu rosto de monja de marfim ...

E as lágrimas que choro, branca e calma,
Ninguém as vê brotar dentro da alma!
Ninguém as vê cair dentro de mim!

Augusto dos Anjos

Vês! Ninguém assistiu ao formidável
Enterro de tua última quimera.
Somente a Ingratidão - esta pantera -
Foi tua companheira inseparável!

Acostuma-te à lama que te espera!
O Homem, que, nesta terra miserável,
Mora, entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera.

Toma um fósforo. Acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja.

Se a alguém causa inda pena a tua chaga,
Apedreja essa mão vil que te afaga,
Escarra nessa boca que te beija!

Vinícius de Moraes

Será assim, amiga: um certo dia
Estando nós a contemplar o poente
Sentiremos no rosto, de repente
O beijo leve de uma aragem fria.

Tu me olharás silenciosamente
E eu te olharei também, com nostalgia
E partiremos, tontos de poesia
Para a porta de treva aberta em frente.

Ao transpor as fronteiras do Segredo
Eu, calmo, te direi: – Não tenhas medo
E tu, tranqüila, me dirás: – Sê forte.

E como dois antigos namorados
Noturnamente triste e enlaçados
Nós entraremos nos jardins da morte.

Martins Fontes

Quando em teus braços, meu amor, te beijo,
se me torno, de súbito, tristonho,
é porque às vezes, com temor, prevejo
que esta alegria pode ser um sonho.

Olho os meus olhos nos teus olhos... Ponho,
trêmulo, as mãos nas tuas mãos... E vejo
que és tu mesma, que és tu! E ainda suponho
Ser enganado pelo meu desejo.

Quanto mais, desvairado de ansiedade,
do teu corpo, meu corpo se avizinha,
mais de ti, junto a ti, sinto saudade...

- E o meu suplício atroz não se adivinha,
quando, beijando-te, o pavor me invade
de que em meus braços tu não sejas minha!

Olegário Mariano

Deste amor torturado e sem ventura
Resta-me o alívio do arrependimento.
O pouco que me deste de ternura
Não vale o que te dei de encantamento.

Abri para o teu sonho o firmamento,
Semeei de estrelas tua noite escura.
Dei-te alma, exaltação e sentimento.
Fiz de um bloco de pedra uma criatura.

Hoje, ambos à mercê de sorte avessa,
Se para te esquecer luto e me esforço,
Manda-me o coração que não te esqueça.

Padecemos idêntico suplício:
Tu - corroída de pena e de remorso,
Eu - com vergonha do meu sacrifício.

Vespasiano Ramos

Desde este instante, sem cessar, maldigo,
Aquele instante de felicidade!
Para que tu vieste ter comigo,
Meu amor! Minha luz! Minha saudade?!

Dês que te foste, foram-se contigo
Todos os sonhos desta mocidade...
A tua vinda — fora-me um castigo;
A tua volta — uma fatalidade!

Dês que te foste, dentro em mim plantaste
A ânsia infinita dos desesperados
Porque voltando, nunca mais voltaste...

Correm-me os dias de aflições, cobertos:
Eu entrei para o amor de olhos fechados
E saí para a dor de olhos abertos!

Corina Rebuá

Como faz frio neste quarto agora!
A chuva bate em cheio na vidraça.
E o relógio da igreja, de hora em hora,
Soa. Há passos na rua... E a ronda passa...

Não consigo dormir. Como demora
Esta vigília que me torna lassa!
Se abro um livro, não leio. E lá por fora
Chove. Há passos na rua... E a ronda passa...

Dormes? Não creio. Eu sei que estás velando,
Porque eu pressinto que, de quando em quando,
Vem o teu corpo fluídico e me enlaça.

O relógio da igreja está batendo.
São quatro horas. Que insônia! Está chovendo.
Ouço passos na rua... E a ronda passa...

José Mariano de Oliveira

É aqui, no estreito espaço onde vieste
Sonhar na eterna noite sossegada,
Que ora dormes teu sono, acompanhada
Daquela mesma que, ao partir, me deste.

Mortas tão cedo! Como tu morreste,
Da vida no começo da jornada,
Nossa filha, entre nós tão desejada,
Desceu também à noite a que desceste!

Iguais na idade e na meiguice tanta!
Ela me acompanhava na amargura
Que desde a tua morte que quebranta.

Tua imagem com a dela se mistura...
Vejo-vos ambas, cada qual mais santa,
Amo-vos ambas, cada qual mais pura.

Olavo Dantas

Do teu amor bem sei só a lembrança
Posso guardar como um ditoso alento,
Pois adorar alguém sem esperança
É o eterno prazer no sofrimento.

Meu poema de amor e sentimento
Componho com a alegria da criança
Que não sabe que o mundo é só tormento
E o bem que mais se quer menos se alcança.

Mas se algum dia, festival, risonho,
Realizar-se o milagre do meu sonho,
Pensarei recompor o Paraíso.

Igual a um semi-deus, hei de encontrar
As delícias da terra em teu sorriso,
As doçuras do céu em teu olhar...

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