Florbela Espanca
Minh’alma, de sonhar-te, anda perdida
Meus olhos andam cegos de te ver!
Não és sequer razão de meu viver,
Pois que tu és já toda a minha vida!
Não vejo nada assim enlouquecida…
Passo no mundo, meu Amor, a ler
No misterioso livro do teu ser
A mesma história tantas vezes lida!
“Tudo no mundo é frágil, tudo passa…”
Quando me dizem isto, toda a graça
Duma boca divina fala em mim!
E, olhos postos em ti, vivo de rastros:
“Ah! Podem voar mundos, morrer astros,
Que tu és como Deus: princípio e fim!…”
Quem sou eu
- Carlos Arnaud de Carvalho
- São Domingos do Prata, Minas Gerais
- E nestas lutas vou cumprindo a sorte, até que venha a compassiva morte, levar-me à grande paz da sepultura.
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Olavo Bilac
"Ora (direis) ouvir estrelas! Certo
Perdeste o senso"! E eu vos direi, no entanto,
Que, para ouvi-las, muita vez desperto
E abro as janelas, pálido de espanto...
E conversamos toda a noite, enquanto
A via láctea, como um pálio aberto,
Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto,
Inda as procuro pelo céu deserto.
Direis agora! "Tresloucado amigo!
Que conversas com elas? Que sentido
Tem o que dizem, quando estão contigo?"
E eu vos direi: "Amai para entendê-las:
Pois só quem ama pode ter ouvido
Capaz de ouvir e de entender estrelas".
Nilo Bruzzi
No turbilhão da vida cotidiana
Há sempre um rosto oculto de mulher.
Há no tumulto da existência humana
Alguém que a gente quis e ainda quer.
E numa sede de paixão insana,
Cego e humilhado, aceita outra qualquer,
Mas sem íntimo ardor, de alma profana,
Porque a alma nem acordará sequer.
E vão passando, assim, uma por uma,
Mulheres e mulheres como vieram,
Sem depois despertar saudade alguma...
Pobre de quem, como eu, vê que, infeliz,
Teve todas aquelas que o quiseram
Mas nunca teve aquela que ele quis...
Dámaso Alonso
A porta aberta. Veio, quieta e suave...
Era material, espirito? Trazia
uma ligeira inclinação de nave
e uma luz matinal de claro dia.
Não chegava a ser ritmo, harmonia,
nem era cor. O coração bem sabe!
Porém dizer como era não podia
forma não é, e nem na forma cabe.
Língua, barro mortal, cinzel inepto
deixa a flor do conceito - eis o meu repto
nesta noite de bodas, de louvor,
e canta, mansamente, humildemente,
a sensação, a sombra, o estar presente,
enquanto ela a minha alma enche de amor.