Os Mais Belos Sonetos

Coletânea de sonetos escritos por poetas brasileiros, lusos e de outros paises

Alberto de Oliveira

Parado o engenho, extintas as senzalas,
Sem mais senhor, existe inda a fazenda,
A envidraçada casa de vivenda
Entregue ao tempo com as desertas salas.

Se ali penetras, vês em cada fenda
Verdear o musgo e ouves, se acaso falas,
Soturnos ecos e o roçar das alas
De atros morcegos em revoada horrenda.

Amam o luar, entretanto, essas ruínas.
Uma noite, horas mortas, de passagem
Eu a varanda olhava, quando vejo

À janela da frente, entre cortinas
De prata e luz, chegar saudosa imagem
E, unindo os dedos, atirar-me um beijo...

Alphonsus de Guimaraens

Vestido de ouro o Sol, bom padre, canta a missa
Da luz no altar do céu. Véus de celestes damas,
As nuvens voam: cantam pássaros: e viça
Mais do que nunca o olhar de Flora pelas ramas.

Entra o Espectro. Com voz soluçante e submissa
Murmuro-lhe: Por que, se és luz, se já não amas,
Atormentar-me assim? Não haverá justiça
Final no inferno, fogo eterno, eternas chamas?

Para que perseguir-me. Anjo tristonho? Espera.
Ou antes de noite vem, quando o remorso chora,
E o luto os olhos fecha à alma da primavera.

Bem te deves lembrar: quando tu me esqueceste,
Brilhava o mesmo sol no mesmo céu de agora...
Bem te deves lembrar: foi um dia como este.

Alphonsus de Guimaraens

Sempre vivi com a morte dentro da alma,
Sempre tacteei nas trevas de um jazigo.
A sombra que me envolve é eterna e calma,
E sigo sem saber quem vai comigo.

O fantasma que o coração me ensalma
Não me ouve mais as orações que digo.
Não existe no solo uma só palma
Pela alameda olímpica que sigo...

Vós que ao meu lado viestes, visionários
Da esperança! ficastes no caminho,
Envolvidos nas dobras dos sudários...

Que seria de mim, se eu não tivesse
O calor subalar do teu carinho,
Ó minha ânsia, ó meu sonho, ó minha prece!

Corrêa de Araujo

De certo dormes, a tão altas horas,
Horas de espectros pela noite escura;
Lá na vila natal, onde tu moras,
Dormes e sonhas, bela criatura!

Sonhos, tangendo as cítaras sonoras,
Para os céus arrebatam-te a alma pura;
Dormes e eu velo, dormes e ignoras
A saudade infernal que me tortura.

Sonhas talvez com querubins alados,
E eu cismo aqui, entregue ao devaneio
Dos sonhadores e dos namorados...

Dormes, envolta em leves claridades,
E eu velo, e o coração me sangra, cheio
Da mais cruel de todas as saudades.

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