Os Mais Belos Sonetos

Coletânea de sonetos escritos por poetas brasileiros, lusos e de outros paises

Brasílio Machado

Tudo assim vai: a luz para o adito sombrio,
o verme para o fruto, a flor para o paul;
as asas sobre a chama; o ninho pelo rio;
o espírito na sombra, as nuvens pelo azul;

a fonte para a pedra, a lágrima nos cílios,
nos lábios o soluço, o coração na dor;
a nênia compassando o canto dos idílios,
neblina sobre luz, ciúme sobre amor;

a neve em campo azul, os lírios e a saudade,
o tédio, o sofrimento em plena mocidade,
dos espinhos no ramo, em bando, os colibris...

No entanto quando vem da morte a imagem nua,
ave tonta, nossa alma em lágrimas recua,
se debatendo ao pé do túmulo... feliz!

Antônio Crespo

Fora de portas vive. É silenciosa
A modesta vivenda em que ela habita,
Ali correu-lhe a vida bonançosa,
Ali golpeou-lhe os seios a desdita.

Raro de quando em quando uma visita
Novas lhe traz da vida tumultuosa,
E ela sorrindo a furto, descuidosa,
No azul os olhos em silêncio fita.

Sozinha e triste a pálida viúva,
Por essas noites de invernia e chuva,
A um honesto e feminil labor se entrega.

E, alta noite, levanta, em dor sepulta,
O olhar, que fixa, e demorado prega
No eterno Ausente que num quadro avulta.

Fagundes Varela

Vem despontando a aurora, a noite morre,
Desperta a mata virgem seus cantores,
Medroso o vento no arraial das flores
Mil beijos furta e suspirando corre.

Estende a névoa o manto e o vale percorre,
Cruzam-se as borboletas de mil cores,
E as mansas rolas choram seus amores
Nas verdes balsas onde o orvalho escorre.

E pouco a pouco se esvaece a bruma,
Tudo se alegra à luz do céu risonho
E ao flóreo bafo que o sertão perfuma.

Porém minha alma triste e sem um sonho
Murmura, olhando o prado, o rio, a espuma:
Como isto é pobre, insípido, enfadonho! 

Afonso Lopes de Almeida

Essa janela a casa nos amplia...
Por ela, aberta para o panorama,
Vê-se nascer, vê-se morrer o dia,
No esplendor dos crepúsculos em chama.

Dos montes para o plaino, a casaria
Ao pendor das vertentes, se derrama;
Depois, o mar, que ao longe ulula e brama,
Preso na jaula verde da baía.

As destras, finas, hábeis mãos de artista,
A minha Mãe, em frente a essa janela
Urde a trama dos sonhos, imprevista...

E eu, vendo-a, penso então, com os olhos nela:
Se de dentro de casa é linda, a vista,
De fora para dentro, ainda é mais bela!

Nicolau Tolentino

Vens debalde, oh belíssima perjura,
Com o lindo rosto em lágrimas banhado: 
Já fui por ti mil vezes enganado, 
E sempre me afetaste essa ternura.

Esse alvo peito, que é de neve pura,
Mas de aço, e fino bronze temperado, 
Encobre um coração refalseado, 
Um coração de viva rocha dura.

Em vão trabalhas, se enganar-me queres,
Vejo correr com ânimo sereno 
Esse pranto em que fundas teus poderes:

Mal inventado ardil: ardil pequeno:
Tu mesma me ensinaste, que as mulheres 
Misturam com as lágrimas o veneno.

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