Os Mais Belos Sonetos

Coletânea de sonetos escritos por poetas brasileiros, lusos e de outros paises

Antero de Quental

Entre os filhos dum século maldito
Tomei também lugar na ímpia mesa,
Onde, sob o folgar, geme a tristeza
Duma ânsia impotente de infinito.

Como os outros, cuspi no altar avito
Um rir feito de fel e de impureza…
Mas um dia abalou-se-me a firmeza,
Deu-me um rebate o coração contrito!

Erma, cheia de tédio e de quebranto,
Rompendo os diques ao represo pranto,
Virou-se para Deus minha alma triste!

Amortalhei na Fé o pensamento,
E achei a paz na inércia e esquecimento…
Só me falta saber se Deus existe!

Raimundo Correia

Doire a Poesia a escura realidade
E a mim a encubra! Um visionário ardente
Quis vê-la nua um dia; e, ousadamente,
Do áureo manto despoja a divindade;

O estema da perpétua mocidade
Tira-lhe e as galas; e ei-la, de repente,
Inteiramente nua e inteiramente
Crua, como a Verdade! E era a Verdade!

Fita-a em seguida, e atônito recua…
- Ó Musa! exclama então, magoado e triste,
Traja de novo a louçainha tua!

Veste outra vez as roupas que despiste!
Que olhar se apraz em ver-te assim tão nua?…
À nudez da Verdade quem resiste?!

Álvares de Azevedo

Um beijo ainda! os lábios teus, donzela,
Nos meus se pousem - junto de teu seio
Que treme-te e palpita em doce enleio
Beba eu o amor que teu olhar revela.

Vem ainda uma vez! és pura e bela,
Arfa-te o seio, amor, nos olhos te leio…
Que importa o mais? vem, anjo, sem receio!
Um beijo em tua face! inda outro nela!

Aperta-me ao teu colo - assim - um beijo
Desses em que ao céu uma alma se transporta!…
- E o mundo?… - Um louco. - E o crime? - Só te vejo.

- Mas quando a vida em nós gelou-se morta
- E o inferno? - Contigo eu o desejo.
- E Deus? – Meu Deus és tu. - E o céu? - Que importa!

Victor Silva

Só, dominando no alto a alpestre serrania,
Entre alcantis, e ao pé de um rio majestoso,
Dorme quedo na névoa o solar misterioso,
Encerrado no horror de uma lenda sombria.

Ouve-se à noite, em torno, um clamor lamentoso,
Piam aves de agouro, estruge a ventania,
E brilhando no chão por sobre a selva fria,
Correm chamas sutis de um fulgor nebuloso.

Dentro um luxo funéreo. O silêncio por tudo...
Apenas, alta noite, uma sombra de leve
Agita-se a tremer nas trevas de veludo...

Ouve-se, acaso, então, vaguíssimo suspiro,
E na sala, espalhando um clarão cor de neve,
Resvala como um sopro o vulto de um vampiro. 

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