Raimundo Correia
Penetro a estância fúnebre e sombria,
Extremo leito da mulher amada;
E ergo a loisa que a cobre — despojada
De toda a graça ideal que a revestia:
Da beleza, onde um casto amor sorria,
Pudica e doce, nada resta, nada!
Nua de carnes, só a branca ossada,
Que apalpo e sinto fria, fria, fria...
E, o sono seu eterno interrompendo,
Clamo... Da noite o vento álgido corta,
Cai neve e é gélido o esplendor da lua...
Então, a erguer-se, pávida, tremendo
De frio e com pudor, me diz a "morta":
"Cobre-me! Há tanto frio e estou tão nua!"
Quem sou eu
- Carlos Arnaud de Carvalho
- São Domingos do Prata, Minas Gerais
- E nestas lutas vou cumprindo a sorte, até que venha a compassiva morte, levar-me à grande paz da sepultura.
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Olavo Bilac
Vive dentro de mim, como num rio,
Uma linda mulher, esquiva e rara,
Num borbulhar de argênteos flocos, Iara
De cabeleira de ouro e corpo frio.
Entre as ninféias a namoro e espio:
E ela, do espelho móbil da onda clara,
Com os verdes olhos úmidos me encara,
E oferece-me o seio alvo e macio.
Precipito-me, num ímpeto de esposo,
Na desesperação da glória suma,
Para a estreitar, louco de orgulho e gozo...
Mas nos meus braços a ilusão se esfuma:
E a mãe-d'água, exalando um ai piedoso,
Desfaz-se em mortas pérolas de espuma.
Hermes Fontes
Pois que tudo acabou, mando-te agora
os passaportes dessa despedida:
puna pálida rosa ressequida,
uma sombra de flor, murcha e inodora.
E o teu retrato que se descolora
como se descolora a minha vida,
vestida de anjo, a receber na ermida
tua primeira comunhão outrora.
Mando-te as cartas e os cabelos; mando
uma luva, de que essa mão foi alma,
quando... e dizer que já nem eu sei quando!
Mando-te. E manda-me, afinal te digo,
manda-me o eterno sono, a eterna calma,
manda-me o coração que está contigo!
Luís Guimarães Júnior
Astro de amor, baixado à terra um dia
Para aclarar as trevas com teu pranto:
Encarnação do beijo sacrossanto
Que Deus pousou na fronte de Maria;
Cedo pagou-te o mundo o que devia,
Pobre rei de Israel! bem cedo! – e enquanto
Uns te renegam, – outros o teu manto
Arrastam ébrios pelo chão da orgia.
Por entre as nossas vergonhosas cenas,
Essa divina Imagem que eu contemplo,
Provoca injúrias e desdéns apenas:
Ó belo, inútil e imortal Exemplo!
Hoje riem de ti as Madalenas,
E os vendilhões expulsam-te do templo.