Os Mais Belos Sonetos

Coletânea de sonetos escritos por poetas brasileiros, lusos e de outros paises

Cruz e Sousa

Essência das essências delicadas,
Meu perfumoso e tenebroso lírio,
Oh! dá-me a glória de celeste Empíreo
Da tu'alma nas sombras encantadas.

Subindo lento escadas por escadas,
Nas espirais nervosas do Martírio,
Das Ânsias, da Vertigem, do Delírio,
Vou em busca de mágicas estradas.

Acompanha-me sempre o teu perfume,
Lírio da Dor que o Mal e o Bem resumem,
Estrela negra, tenebroso fruto.

Oh! dá-me a glória do teu ser nevoento
para que eu possa haurir o sentimento
Das lágrimas acerbas do teu luto!

Auta de Souza

Eu não sei o que tenho... Essa tristeza
Que um sorriso de amor nem mesmo aclara,
Parece vir de alguma fonte amara
Ou de um rio de dor na correnteza.

Minh'alma triste na agonia presa,
Não compreende esta ventura clara,
Essa harmonia maviosa e rara
Que ouve cantar além, pela devesa.

Eu não sei o que tenho... Esse martírio,
Essa saudade roxa como um lírio,
Pranto sem fim que dos meus olhos corre,

Ai, deve ser o trágico tormento,
O estertor prolongado, lento, lento,
Do último adeus de um coração que morre...

Pe. Antônio Tomás

– Suba! Gritam-lhe arrogantemente,
Do alto da suntuosa escadaria.
E a pobrezinha, a mão nevada e fria,
Subindo, estende e implora sorridente.

Esmola para minha mãe doente,
E pela fome às portas da agonia.
Uma voz de trovão: – “rua vadia!
Vá ver se encontra ocupação decente!”

Desce, chorando. Lá embaixo a espera
A mendiga que nem subir pudera.
Beija-lhe o rosto, enxuga o pranto e sai;

– Mamãe, que homem tão mau esse que humilha
A pobreza infeliz?!” – “Cala-te, filha!
Não fale dele nunca. Ele é teu pai!”

Cruz e Sousa

Quando te escuto e te olho reverente
E sinto a tua graça triste e bela
De ave medrosa, tímida, singela,
Fico a cismar enternecidamente.

Tua voz, teu olhar, teu ar dolente
Toda a delicadeza ideal revela
E de sonhos e lágrimas estrela
O meu ser comovido e penitente.

Com que mágoa te adoro e te contemplo,
Ó da Piedade soberano exemplo,
Flor divina e secreta da Beleza.

Os meus soluços enchem os espaços
Quando te aperto nos estreitos braços,
solitária madona da Tristeza!

Jair Salles

Tão importante quanto amar alguém
talvez não seja só amar somente
e nem se dar por se querer contente
e nem se ter só pra dizer que tem!

Mais importante é quando o amor provém
de duas vidas num querer silente,
retribuindo ao mesmo canto urgente
a voz que clama pelo mesmo bem!

Mas quando tudo não se faz aceso
o coração já vem querer nos por
o que decerto já não traz desculpa!

Quem não amou ainda não sabe o peso:
amar sem medo é o verdadeiro amor
e não culpar-se é a verdadeira culpa.

Fausto Cardoso

Deslumbrado, cheguei, chorando, à terra, um dia!
E, do lauto festim da vida, achei-me à mesa;
Sempre libei, cantando, a taça da alegria,
Embebedou-me sempre o vinho da tristeza.

Esplêndidas visões trouxeram-me, à porfia,
As ânforas do amor. E, de volúpia acesa,
Minha boca, de boca em boca, um mosto hauria,
Que de tédio me encheu por toda a natureza!

Dá-me a velhice a taça. Eu das paixões prescindo.
E, ébrio, ascendo a espiral de um sonho delicioso,
No vinho da saudade achando um gosto infindo!

Parece-me o passado um rio luminoso,
Onde vogo a rever pelas margens, florindo,
A dor que, ao longe, tem as seduções do gozo!

Pe.  Antônio Tomás

Vou-me sentindo velho e fatigado
De mourejar por esta ingrata vida:
A mente se me torna enfraquecida
E o corpo tenho para o chão curvado.

E mesmo assim, neste penoso estado,
Que a discreto repouso já convida
Uma incessante e temerosa lida
Me consome o viver triste e cansado.

E o velho coração – quem tal dissera –
Persegue ainda a muita vâ quimera
No louco intento de encontrar ventura.

E nestas lutas vou cumprindo a sorte,
Até que venha a compassiva morte
Levar-me à grande paz da sepultura.

Raul de Leoni

Poente no meu jardim... O olhar profundo
Alongo sobre as árvores vazias,
Essas em cujo espírito infecundo
Soluçam silenciosas agonias.

Assim estéreis, mansas e sombrias,
Sugerem à emoção em que as circundo
Todas as dolorosas utopias
De todos os filósofos do mundo.

Sugerem... Seus destinos são vizinhos:
Ambas, não dando frutos, abrem ninhos
Ao viandante exânime que as olhe.

Ninhos, onde vencida de fadiga,
A alma ingênua dos pássaros se abriga
E a tristeza dos homens se recolhe...

Florbela Espanca

Deixa-me ser a tua amiga, Amor,
A tua amiga só, já que não queres
Que pelo teu amor seja a melhor
A mais triste de todas as mulheres.

Que só, de ti, me venha mágoa e dor
O que me importa a mim? O que quiseres
É sempre um sonho bom! Seja o que for,
Bendito sejas tu por mo dizeres!

Beijá-me as mãos, Amor, devagarinho...
Como se os dois nascêssemos irmãos,
Aves cantando, ao sol, no mesmo ninho...

Beija-mas bem!... Que fantasia louca
Guardar assim, fechados, nestas mãos,
Os beijos que sonhei pra minha boca!

Raimundo Correia

Vai-se a primeira pomba despertada...
Vai-se outra mais... mais outra... enfim dezenas
de pombas vão-se dos pombais, apenas
raia, sanguínea e fresca, a madrugada...

E, à tarde, quando a rígida nortada
sopra, aos pombais, de novo, elas, serenas,
ruflando as asas, sacudindo as penas,
voltam todas em bando e em revoada...

Também dos corações, onde abotoam.
os sonhos, um por um, céleres voam,
como voam as pombas dos pombais;

no azul da adolescência as asas soltam,
fogem... Mas aos pombais as pombas voltam,
e eles aos corações não voltam mais!.

Cruz e Sousa

O coração que sente vai sozinho,
Arrebatado, sem pavor, sem medo...
Leva dentro de si raro segredo
Que lhe serve de guia no Caminho.

Vai no alvoroço, no celeste vinho
Da luz os bosques acordando cedo,
Quando de cada trêmulo arvoredo
Parte o sonoro e matinal carinho.

E o Coração vai nobre e vai confiante,
Festivo como a flâmula radiante
Agitada bizarra pelos ventos...

Vai palpitando, ardente, emocionado
O velho Coração arrebatado,
Preso por loucos arrebatamentos!

Edgard Rezende

Se eu pudesse falar, eu te diria
entre outras coisas, que te adoro tanto,
que são teus olhos todo o meu encanto,
a beleza, o clarão do próprio dia;

que és no meu céu a nuvem de alegria
a força animadora do meu canto,
a luz que as minhas noites alumia,
o lenço que me enxuga o eterno pranto!

Se eu pudesse falar (vencido o medo
e, certo, nos teus olhos de veludo
lendo que para tal não era cedo)

muito mais te diria, talvez tudo:
- se não me transformasse num rochedo,
- se te fitando eu não ficasse mudo...

Guilherme de Almeida

Deixas, enquanto o luar branqueia o espaço,
pela escada de seda, o parapeito...
E vens, leve e ainda quente do teu leito,
como um sono de tule, por meu braço...

Somos o par mais poético e perfeito
dos últimos românticos...Teu passo,
cantando no jardim, marca o compasso
do coração que bate no meu peito.

Depois partes e eu fico. E às escondidas,
sobre a volúpia verde das alfombras,
minha sombra confunde-se na tua...

Ah! pudessem fundir-se nossas vidas
como se fundem nossas duas sombras,
sob o mistério pálido da lua!

Fagundes Varela

Eu passava na vida errante e vago
Como o nauta perdido em noite escura,
Mas tu te ergueste peregrina e pura
Como o cisne inspirado em manso lago.

Beijava a onda num soluço mago
Das moles plumas a brilhante alvura,
E a voz ungida de eternal doçura
Roçava as nuvens em divino afago.

Vi-te, e nas chamas de fervor profundo
A teus pés afoguei a mocidade,
Esquecido de mim, de Deus, do mundo!

Mas ai! cedo fugiste!... da soidade,
Hoje te imploro desse amor tão fundo,
Uma idéia, uma queixa, uma saudade!

Vinícius de Moraes

Desesperança das desesperanças…
Última e triste luz de uma alma em treva…
- A vida é um sonho vão que a vida leva
Cheio de dores tristemente mansas.

- É mais belo o fulgor do céu que neva
Que os esplendores fortes das bonanças
Mais humano é o desejo que nos ceva
Que as gargalhadas claras das crianças.

Eu sigo o meu caminho incompreendido
Sem crença e sem amor, como um perdido
Na certeza cruel que nada importa.

Às vezes vem cantando um passarinho
Mas passa. E eu vou seguindo o meu caminho
Na tristeza sem fim de uma alma morta.

Olavo Bilac

Se por vinte anos, nesta furna escura,
Deixei dormir a minha maldição,
- Hoje, velha e cansada da amargura,
Minha alma abrirá como um vulcão.

E em torrentes de cólera e loucura,
Sobre a tua cabeça ferverão
Vinte anos de silêncio e de tortura,
Vinte anos de agonia e solidão...

Malditas sejas pelo ideal perdido!
Pelo mal que fizeste sem querer!
Pelo amor que morreu sem ter nascido!

Pelas horas vividas sem prazer!
Pela tristeza do que eu tenho sido!
Pelo esplendor do que eu deixei de ser!...

Bento Ernesto Júnior

A vida, meu amor, que hoje passamos
só pode ser com lágrimas descrita,
tão grande a dor que o peito nos habita,
tão amargo este fel que hoje provamos.

Tão nublados de lágrimas levamos
os olhos, sob o peso da desdita,
que tudo que ante nós vive e palpita,
tudo inundado em lágrimas julgamos.

E todo esse lutuoso mar de pranto,
que vemos em nossa alma e em tudo vemos,
nasce de havermos nos amado tanto!...

Porém, embora a amar, tanto soframos,
cada vez mais, amada, nos queremos,
cada vez mais, querida, nos amamos.

Mauro Mota

De mim perto, bem perto, junto, unida,
como nunca estiveste, agora estás.
Foste e ficaste - estranha despedida,
reino de sombras, de silêncio e paz.

Tua presença é eterna, eterna é a vida
que, feliz, para sempre, viverás.
Morta é a morte, levaste-a de vencida,
não nos separaremos nunca mais.

Quando chegar meu derradeiro instante,
ó noiva ausente num país distante,
nossos amigos todos ouvirão

vozes e cantos, músicas e abraços.
Dos fantasmas que formos nos espaços
será o encontro sem separação.

Augusto dos Anjos

O homem por sobre quem caiu a praga
Da tristeza do Mundo, o homem que é triste
Para todos os séculos existe
E nunca mais o seu pesar se apaga!

Não crê em nada, pois, nada há que traga
Consolo à Mágoa, a que só ele assiste.
Quer resistir, e quanto mais resiste
Mais se lhe aumenta e se lhe afunda a chaga.

Sabe que sofre, mas o que não sabe
E que essa mágoa infinda assim não cabe
Na sua vida, é que essa mágoa infinda

Transpõe a vida do seu corpo inerme;
E quando esse homem se transforma em verme
É essa mágoa que o acompanha ainda!

Álvaro Feijó

Morreu. Deitada no caixão estreito,
Pálida e loira, muito loira e fria,
O seu lábio tristíssimo sorria
Como num sonho virginal desfeito.

Lírio que murcha ao despontar do dia,
Foi descansar no derradeiro leito,
As mãos de neve erguidas sobre o peito,
Pálida e loira, muito loira e fria...

Tinha a cor da rainha das baladas
E das monjas antigas maceradas,
No pequenino esquife em que dormia...

Levou-a a morte na sua graça adunca!
E eu nunca mais pude esquece-la, nunca!
Pálida e loira, muito loira e fria...

Artur Azevedo

Já te esqueceram todos neste mundo...
Só eu, meu doce amor, só eu me lembro,
Daquela escura noite de setembro
Em que da cova te deixei no fundo.

Desde esse dia um látego iracundo
Açoitando-me está, membro por membro.
Por isso que de ti não me deslembro,
Nem com outra te meço ou te confundo.

Quando, entre os brancos mausoléus, perdido,
Vou chorar minha acerba desventura,
Eu tenho a sensação de haver morrido!

E até, meu doce amor, se me afigura,
Ao beijar o teu túmulo esquecido,
Que beijo a minha própria sepultura!

Augusto de Lima

Num tom de voz que a piedade ungia,
Falava o padre ao crente do Alcorão,
Que no leito de morte se estorcia:
— "Implora de Jesus a compaixão."

"Deixa Mafoma, ó filho da heresia,
E abraça a sacrossanta religião
Do que morreu por nós..." E concluía:
"Se te queres salvar morre cristão."

Ao filho de Jesus, o moribundo,
Ergueu o olhar esbranquiçado e fundo,
Onde da morte já descia o véu.

Mas logo se estorceu na ânsia extrema
E ao ver da Redenção o triste emblema,
Ruge expirando: "Alá nunca morreu!".

Alphonsus de Guimaraens 

Em teu louvor, Senhora, estes meus versos,
E a minha Alma aos teus pés para cantar-te.
E os meus olhos mortais, em dor imersos,
Para seguir-te o vulto em toda a parte.

Tu que habitas os brancos universos,
Envolve-me de luz para adorar-te,
Pois evitando os corações perversos
Todo o meu ser para o teu seio parte.

Que é necessário para que eu resuma
As Sete Dores dos teus olhos calmos?
Fé, Esperança, Caridade, em suma.

Que chegue em breve o passado derradeiro:
Oh! dá-me para o corpo os Sete Palmos,
Para a Alma, que não morre, o Céu inteiro!

Pe. Manuel Albuquerque

Quando eu soltar meu último suspiro;
quando o meu corpo se tornar gelado,
e o meu olhar se apresentar vidrado,
e quiserdes saber se inda respiro,

eis o melhor processo que eu sugiro:
- Não coloqueis o espelho decantado
em frente ao meu nariz, mesmo encostado,
porque não falha a prova que eu prefiro:

- Fazei assim: - Por cima do meu peito.
do lado esquerdo, colocai a mão.
e procedei, seguros, deste jeito:

- Gritai “MARIA!” ao pé do meu ouvido,
e se não palpitar meu coração,
então é certo que eu terei morrido!

Corrégio de Castro

Conheces, certo, aquela flor dourada
que volta a face para o sol nascente
e, tendo a face para o sol voltada,
constante o segue, desde a aurora ao poente.

E já notaste que, se anuviada
a esfera de turquesa não consente
se perceba o astro louro, a flor amada
mesmo sem vê-lo, segue o sol ausente?

Também minha alma é como a flor do helianto.
Desde o instante feliz em que te vi
como tocada de um suave encanto,

- não sei que força estranha que senti -
pois em riso ela esteja, esteja em pranto,
trago-a sempre voltada para ti!

Cynthia Castello Branco

Tenho-lhe um ódio quase extravagante
depois de havê-lo amado com loucura…
As vezes penso que se o amor não dura,
tece correntes, mesmo agonizante!

Sinto-me escrava dele e a cada instante
pergunto-me a razão desta clausura!...
Talvez porque nascendo é uma ventura,
o amor que morre é sempre vigilante.

Quero afastar os laços que me prendem
ao meu destino, assim como se eu fora
este chão que ele pisa... E, entretanto,

garras do Tempo sobre mim se estendem
e é uma vertigem doida, embriagadora,
odiá-lo assim depois de amá-lo tanto!

Augusto dos Anjos

Adeus, adeus, adeus! E, suspirando,
Saí deixando morta a minha amada,
Vinha o luar iluminando a estrada
E eu vinha pela estrada soluçando.

Perto, um ribeiro claro murmurando
Muito baixinho como quem chorava,
Parecia o ribeiro estar chorando
As lágrimas que eu triste gotejava.

Súbito ecoou do sino o som profundo!
Adeus! - eu disse. Para mim no mundo
Tudo acabou-se, apenas restam mágoas.

Mas no mistério astral da noute bela
Pareceu-me inda ouvir o nome dela
No marulhar monótono das águas!

Osman Assunção

Encontro-te de novo em meu caminho!
És sempre a mesma - fria e indiferente;
Tendo no olhar o mesmo brilho algente,
Sem um raio de amor ou de carinho.

Achas-me em teu caminho novamente!
Sou sempre o mesmo - frágil e mesquinho;
Trazendo na alma o mesmo desalinho
E no meu peito o mesmo fogo ardente.

E nosso olhar se encontra enfim. Anseio
Ofegante de amor e de receio!...
Impassível (até custa dizê-lo)

Tu me fitas com a mesma indiferença,
Assassinando minha velha crença
Com a fria luz de teu olhar de gelo.

Felix Pacheco 

Lágrimas... Noutras épocas verti-as.
Não tinha o olhar enxuto, como agora.
- Alma, dizia então comigo, chora,
que o pranto diminui as agonias.

Ah! Quantas vezes pelas faces frias,
por mal do meu amor, que se ia embora.
gota a gota, rolando, elas, outrora,
marcaram noites e marcaram dias!

Vinham do oceano da alma, imenso e fundo,
ondas de angústia, em suspiroso arranco,
numa desesperança acerba e louca.

Nos olhos, hoje, as lágrimas estanco,
mas rolam todas, sem que as veja o mundo,
sob a forma de risos. pela boca.

Antero de Quental

Chamei em volta do meu frio leito
As memórias melhores de outra idade,
Formas vagas, que às noites, com piedade,
Se inclinam, a espreitar, sobre o meu peito...

E disse-lhes: No mundo imenso e estreito
Valia a pena, acaso, em ansiedade
Ter nascido? Dizei-mo com verdade,
Pobres memórias que eu ao seio espreito.

Mas elas perturbaram-se - coitadas!
E empalideceram, contristadas,
Ainda a mais feliz, a mais serena...

E cada uma delas, lentamente,
Com um sorriso mórbido, pungente,
Me respondeu: - Não, não valia a pena!

Corrêa de Araujo

Ela olhou e passou, graciosa e bela.
Passou... e foi-se para sempre, embora
brilhe em meu coração, desde tal hora,
ditosa, a doce luz dos olhos dela...

Estrela que no azul cintila e mora,
viu-a o Poeta e emocionou-se ao vê-la;
e amou a estrela doidamente, e a Estrela
fugiu, fulgindo, pelos céus afora...

Desde então, muitos anos já passaram;
talvez haja fechado - a garra adunca
da morte, - os olhos que me deslumbraram..

Neste vale de lágrimas e abrolhos,
viva cem anos, não verei mais nunca
olhos tão lindos como aqueles olhos!

Mauro Mota

Vejo-te morta. As brancas mãos pendentes.
Delas agora, sem querer, libertas
a alma dos gestos e, dos lábios quentes
ainda, as frases pensadas só em certas

tardes perdidas. Sob as entreabertas
pálpebras, sinto, em teu olhar presentes,
mundos de imagens que, às regiões desertas
da morte, levarás, que a morte sentes

fria diante de todos os apelos.
Vejo-te morta. Viva, a cabeleira,
teus cabelos voando! ah! teus cabelos!

Gesto de desespero e despedida,
para ficares de qualquer maneira
pelos fios castanhos presa à vida.

Narciso Araujo

Como está triste aquela casa! Nela,
Meus olhos viam tanta vez, outrora,
Em purpurejos, rútila, a janela
Toda tocada de clarões de aurora.

Ali morou Maria, doce e bela
Conterrânea gentil, mimo de Flora,
Que perfumava, em outro tempo, aquela
Casa que eu vejo tão tristonha, agora.

Como está triste aquela casa! Quando,
Alheio a tudo, longamente a fito,
Uma saudade, dentro em mim chorando,

Recorda o feliz tempo, em que Maria,
Com o rosto alegre, juvenil, bonito,
Era, à janela, um sol que resplendia.

Artur Azevedo

No dia em que na terra te sumiram,
Eu fui ver-te defunta sobre a eça,
Fechados para sempre — oh, sorte avessa!
Aqueles olhos que me seduziram.

À luz do sol uma janela abriram,
E o jardim avistei onde, oh, condessa,
Uma noite perdemos a cabeça,
E as estátuas de mármore sorriram...

Saíste por aquela mesma porta
Onde outrora os teus lábios me esperaram,
Cheios do amor que ainda me conforta.

Quando o jardim saudoso atravessaram
Seis homens com o esquife em que ias morta,
As estátuas de mármore choraram!

Antero de Quental

Um dia, meu amor (e talvez cedo,
Que já sinto estalar-me o coração!)
Recordarás com dor e compaixão
As ternas juras que te fiz a medo...

Então, da casta alcova no segredo,
Da lamparina ao tremulo clarão,
Ante ti surgirei, espectro vão,
Larva fugida ao sepulcral degredo...

E tu, meu anjo, ao ver-me, entre gemidos
E aflitos ais, estenderás os braços
Tentando segurar-te aos meus vestidos...

— "Ouve! espera!" — Mas eu, sem te escutar,
Fugirei, como um sonho, aos teus abraços
E como fumo sumir-me-ei no ar!

Júlio Salusse

A vida, manso lago azul algumas
Vezes, algumas vezes mar fremente,
Tem sido para nós constantemente
Um lago azul sem ondas, sem espumas,

Sobre ele, quando, desfazendo as brumas
Matinais, rompe um sol vermelho e quente,
Nós dois vagamos indolentemente,
Como dois cisnes de alvacentas plumas.

Um dia um cisne morrerá, por certo:
Quando chegar esse momento incerto,
No lago, onde talvez a água se tisne,

Que o cisne vivo, cheio de saudade,
Nunca mais cante, nem sozinho nade,
Nem nade nunca ao lado de outro cisne!

Álvares de Azevedo

Já da morte o palor me cobre o rosto,
Nos lábios meus o alento desfalece,
Surda agonia o coração fenece,
E devora meu ser mortal desgosto!

Do leito embalde no macio encosto
Tento o sono reter!… já esmorece
O corpo exausto que o repouso esquece…
Eis o estado em que a mágoa me tem posto!

O adeus, o teu adeus, minha saudade,
Fazem que insano do viver me prive
E tenha os olhos meus na escuridade.

Dá-me a esperança com que o ser mantive!
Volve ao amante os olhos por piedade,
Olhos por quem viveu quem já não vive!

Florbela Espanca

Eu sou a que no mundo anda perdida,
eu sou a que na vida não tem norte.
Sou a irmã do Sonho, e desta sorte
sou a crucificada... a dolorida...

Sombra de névoa tênue e esvaecida,
e que o destino amargo, triste e forte,
impele brutalmente para a morte!
Alma de luto sempre incompreendida!...

Sou aquela que passa e ninguém vê...
Sou a que chamam triste sem o ser...
Sou a que chora sem saber porquê...

Sou talvez a visão que Alguém sonhou,
alguém que veio ao mundo prá me ver
e que nunca na vida me encontrou!

Décio Duarte Ennes

Escrevo-te, querida, a última carta,
e nela envio o meu saudoso adeus
com o qual seguirão os dias meus,
que de viver minha alma já esta farta!

Tudo de mim agora já se aparta,
e o próprio Amor – este menino-deus –
já me renega e põe-me entre os ateus,
a mim, cuja existência quis eu dar-ta!

Poucas palavras restam-me, bem poucas,
(talvez, até as julgues tu bem loucas...):
Ofereci-te o amor – e o recusaste!

Ofereci-te a vida – e a não quiseste!
Agora eu te devolvo o que me deste:
- Os versos de um poeta que inspiraste!

Paulo Gustavo

Se eu pudesse esquecer-te... Se eu pudesse
Arrancar-te de vez do pensamento!...
E aos céus imploro, numa ardente prece,
A suave e eterna paz do esquecimento.

Talvez que alguma calma assim me viesse
A tanto desespero, ao meu tormento.
Mas a verdade é que ninguém se esquece
De um grande amor, de um grande encantamento.

E se alguém te disser que se esqueceu
Do amor que, um dia, no seu peito ardeu,
Não creias que jamais há de lembrar.

Quando o amor é como este assim profundo,
O mais que se consegue neste mundo
É poder recordá-lo sem chorar!

Mário Quintana

Da vez primeira em que me assassinaram,
Perdi um jeito de sorrir que eu tinha.
Depois, a cada vez que me mataram,
Foram levando qualquer coisa minha.

Hoje, dos meus cadáveres, eu sou
O mais desnudo, o que não tem mais nada.
Arde um toco de Vela amarelada,
Como único bem que me ficou.

Vinde! Corvos, chacais, ladrões de estrada!
Pois dessa mão avaramente adunca
Não haverão de arrancar a luz sagrada!

Aves da noite! Asas do horror! Voejai!
Que a luz trêmula e triste como um ai,
A luz de um morto não se apaga nunca!

Marta de Mesquita

Oh! meu amor, escuta, estou aqui,
pois o teu coração bem me conhece,
eu sou aquela voz que, em tanta prece
endoideceu, chorou, gemeu por ti!

Sou eu, sou eu que ainda não morri.
Nem a morte me quer, ao que parece,
e vinha renovar se ainda pudesse
as horas dolorosas que vivi.

Oh! que insensato e louco é quem se ilude!
Quiz fugir, esquecer-te, mas não pude...
Vê lá do que teus olhos são capazes!

Deitando a vista pelo mundo além
desisto de encontrar na vida um bem
que valha o mal que tu me fazes!

Vinícius de Moraes

Não, já não amo mais os passarinhos
A quem, triste, contei tanto segredo
Nem amo as flores despertadas cedo
Pelo vento orvalhado dos caminhos.

Não amo mais as sombras do arvoredo
Em seu suave entardecer de ninhos
Nem amo receber outros carinhos
E até de amar a vida tenho medo.

Tenho medo de amar o que de cada
Coisa que der resulte empobrecida
A paixão do que se der à coisa amada

E que não sofra por desmerecida
Aquela que me deu tudo na vida
E que de mim só quer amor - mais nada.

Alceu Wamosy

O triste coração que eu trago, é tão velhinho,
E tanto tem amado, e tem vivido tanto,
Que não suporta mais o fogo de um carinho,
Nem de outro coração o cálido quebranto.

Às vezes, alta noite, ouço-o chorar sozinho,
Do meu peito escondido ao último recanto,
Assim como quem sente a dor de algum espinho
Que o dere, e quer leni-la , ao afagá-la em pranto.

É ele! É o coração tristíssimo, que chora
De saudade de alguém, que o fez antegozar
Um grande, um santo amor, e que se foi embora.

E escuto-o palpitar, tão leve, que parece
Um ser que sente frio, e treme, a murmurar
Num soluço infinito, os restos de uma prece...

Belmiro Braga

E partes amanhã! . . . E, triste, eu penso
no que há de ser de mim, meu doce encanto . . .
E sinto os olhos úmidos de pranto
e na alma a angústia de um pesar imenso . . .

Eu tenho agora o coração suspenso,
nos lábios a mudez, no olhar o espanto:
- feiticeira, puseste-me quebranto,
tu és dona de mim, eu te pertenço. . .

E partes amanhã, meu bem querido,
sem que eu possa, ditoso e comovido,
beijar a tua fronte e os olhos teus. . .

Sem que eu possa, feliz, numa ânsia louca,
com meus lábios gravar na tua boca
as cinco letras da palavra - Adeus! . . .

Luís Guimarães Júnior

O coração que bate neste peito
e que bate por ti unicamente;
o coração, outrora independente,
hoje humilde, cativo e satisfeito;

quando eu cair, enfim, morto e desfeito,
quando a hora soar lugubremente
do repouso final, - tranqüilo e crente
irá sonhar no derradeiro leito.

E quando um dia fores, comovida,
- branca visão que entre os sepulcros erra -
visitar minha fúnebre guarida,

o coração, que todo em si te encerra,
sentindo-te chegar, mulher querida,
palpitará de amor dentro da terra.

Olegário Mariano

Toda manhã, ao sol, cabelo ao vento,
ouvindo a água da fonte que murmura,
rego as minhas roseiras com ternura,
que água lhes dando, dou-lhes força e alento.

Cada uma tem um suave movimento
quando a chamar minha atenção procura
e mal desabrochada na espessura,
manda-me um gesto de agradecimento.

Se cultivei amores às mancheias,
culpa não cabe às minhas mãos piedosas
que eles passassem para mãos alheias.

Hoje, esquecendo ingratidões mesquinhas,
alimento a ilusão de que essas rosas,
ao menos essas rosas, sejam minhas.

Augusto dos Anjos

Hoje que a mágoa me apunhala o seio,
E o coração me rasga atroz, imensa,
Eu a bendigo da descrença, em meio,
Porque eu hoje só vivo da descrença.

À noite quando em funda soledade
Minha alma se recolhe tristemente,
Prá iluminar-me a alma descontente,
Se acende o círio triste da Saudade.

E assim afeito às mágoas e ao tormento,
E à dor e ao sofrimento eterno afeito,
Para dar vida à dor e ao sofrimento,

Da saudade na campa enegrecida
Guardo a lembrança que me sangra o peito,
Mas que no entanto me alimenta a vida.

Saturnino de Meireles

Tudo se acaba aos nossos olhos perto
numa brancura que de ver nos cansa,
como se então de névoas um deserto
se abrisse assim sem luz nem esperança.

E nessa névoa que nos deixa incerto
e num abismo sem sentir nos lança,
como se o olhar se visse então coberto,
sentimos se apagar nossa lembrança.

Sentimos um torpor indefinido,
um vago sentimento adormecido
como da morte as frias mãos felinas.

E nesse triste desalento infindo
de todo o céu sentimos ir fluindo
neblinas e neblinas e neblinas.

Auta de Souza

Acostumei-me a vê-lo todo o dia
de manhãzinha, alegre e prazenteiro,
beijando as brancas flores de um canteiro
no meu jardim - a pátria da ambrosia.

Pequeno e lindo, só me parecia
que era da noite o sonho derradeiro...
Vinha trazer às rosas o primeiro
beijo do Sol, nessa manhã tão fria!

Um dia foi-se e não voltou... Mas quando
a suspirar me ponho, contemplando,
sombria e triste, o meu jardim risonho,

digo, a pensar no tempo já passado:
- talvez, ó coração amargurado,
aquele beija-flor fosse o teu sonho!

Alice Moderno

Cisma um frade na cela úmida e fria,
ao pé de uma janela gradeada;
na sua fronte vasta e calcinada,
fundas rugas traçou a hipocondria.

A luz do seu olhar, tênue e sombria,
traduz uma saudade amargurada;
na amplidão brilha a lua prateada,
a lua, a companheira da agonia!

Abelard fita o éter. De repente,
o seu profundo olhar torna-se ardente,
parece que nos céus alguém divisa.

Geme a brisa do outono entre o arvoredo,
e ele ouve, balbuciando-lhe um segredo,
uma voz semelhante à de Heloisa!

Luís Delfino

Helena, o amor não é um sol bendito,
Não é o idílio dentro de uma gruta;
É o abismo sem fundo, é a treva abrupta,
Que se abre em longo e doloroso grito;

É andar neste exício em que me agito;
É conhecer a dúvida na luta;
Fala o universo, e temeroso o escuta
O amor, o pobre escravo do infinito.

Não ela a dor, a dor de idade em idade;
Quem não ama, e interrompe o pensamento
De um Deus, emenda-o, e dele enfim se evade.

Não é mais folha solta entregue ao vento;
É com amor a vida a eternidade,
É sem amor a vida um só momento...

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