Os Mais Belos Sonetos

Coletânea de sonetos escritos por poetas brasileiros, lusos e de outros paises

Corrêa de Araujo

Morria... O abismo embaixo, esboroadas
Fauces horríveis para o espaço abria,
E eu suspenso no vácuo, as mãos pousadas
Nas margens negras, já sem fé morria.

Sei que caí mas que, ao cair, sagradas
Mãos me ampararam na voragem fria;
E, ao despertar, Alguém de asas douradas,
Alguém que eu amo, junto a mim sorria.

Eras tu! Amparaste-me a fugiste:
E eis-me de novo cheio de desditas!
E eis-me de novo desvairado e triste!

E clamo e gemo... que cruel contraste!
És tu agora que me precipitas
No meu abismo donde me tiraste! 

Teófilo Dias

Sulcas o ar de um rastro perfumoso
Que os nervos me alvoroça e tantaliza,
Quando o teu corpo musical desliza
Ao hino do teu passo harmonioso.

A pressão do teu lábio saboroso
Verte-me na alma um vinho que eletriza,
Que os músculos me embebe, e nectariza,
E afrouxa-os, num delíquio langoroso.

E quando junto a mim passas, criança,
Revolta e crespa, luxuosa trança,
Na espádua arfando em túrbidos negrumes,

Naufraga-me a razão em sombra densa,
Como se houvera sobre mim suspensa
Uma nuvem de cálidos perfumes! 

Augusto Gil

O amor é chama enorme que alumia
E nos consome e gasta o coração.
Uma fagulha o ateia — a simpatia,
Termina em labaredas — a paixão.

Tanto é maior a luz que ele irradia,
Quanto intensa é depois a escuridão.
A indiferença é como a cinza fria
Que fica dessa lenta combustão.

Senhora a quem amei perdidamente,
Não me entristece o seu desdém mordente,
Já nada me preocupa, nem me importa...

Porque, desde que vós me não amais,
O meu corpo doente não é mais
Que a tumba viva da minha alma morta...

Augusto Gil

De banza a tiracolo e capa à trovador,
Eu nunca fui cantar endechas amorosas,
Lirismos de Romeu junto aos balcões em flor,
Por sob o luar dormente e as nuvens vaporosas.

Tão pouco tenho a linha airosa, aristocrata,
Da fina flor do tom, os dândis adamados
Que andam pelos salões, monoculando, à cata
Dum dote que lhes salve a pança de cuidados.

Tenho, como qualquer, a aspiração ideal
Duma noiva gentil, dum ninho conjugal;
Mas tudo se desfaz se penso um só momento

Neste quadro banal, depois do casamento:
O sogro, a sogra, a esposa, um filho já taludo
E eu, muito aborrecido... a olhar para aquilo tudo.

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