Os Mais Belos Sonetos

Coletânea de sonetos escritos por poetas brasileiros, lusos e de outros paises

Filinto de Almeida

A velhice é cansaço... E esse cansaço
não nos vem de trabalho ou movimento...
O que ora faço é demorado e lento
e acho malfeito o pouco que ainda faço.

Tudo me cansa: até o pensamento!
Já pouquíssimo ando e arrasto o passo...
quase sempre dorminte ou sonolento,
vivo uma triste vida de madraço.

Nunca fui mandrião nem calaceiro,
nem também muito ativo, é bem que o diga,
mas domei sempre a inércia, sobranceiro.

Agora, a própria inércia me castiga,
pois se acaso repouso um dia inteiro
esse mesmo repouso me fatiga!

Luís Delfino

Estava no caixão como num leito,
palidamente fria e adormecida;
as mãos cruzadas sobre o casto peito,
e em cada olhar sem luz um sol sem vida.

Pés atados com fita em nó perfeito,
de roupas alvas de cetim vestida,
o torso duro, rígido, direito,
a face calma, lânguida, abatida...

O diadema das virgens sobre a testa,
níveo lírio entre as mãos, toda enfeitada,
mas como noiva que cansou da festa...

Por seis cavalos brancos arrancada,
onde vais tu dormir a longa sesta
na mole cama em que te vi deitada?

Junqueira Freire

Arda de raiva contra mim a intriga,
morra de dor a inveja insaciável;
destile seu veneno detestável
a vil calúnia, pérfida inimiga.

Una-se todo, em traiçoeira liga,
contra mim só o mundo miserável.
Alimente por mim ódio entranhável
o coração da terra que me abriga.

Sei rir-me da vaidade dos humanos;
sei desprezar um nome não preciso;
sei insultar uns cálculos insanos.

Durmo feliz sobre o suave riso
de uns lábios de mulher gentis, ufanos;
e o mais que os homens são, desprezo e piso.

José Maria do Amaral

Passaste como a estrela matutina,
que se some na luz pura da aurora;
da vida só viveste aquela hora
em que a existência em flor luz sem neblina.

Ver-te e perder-te! De tão triste sina
não passa a mágoa em mim, antes piora;
sem ver-te já, minh'alma ainda te adora
em triste culto que a saudade ensina.

Não vivo aqui; a vida em ti só ponho.
Na fé, de Cristo filha, a dor abrigo,
futuro em ti no céu vejo risonho!

Neste mundo, meu mundo é teu jazigo;
dizem que a vida é triste e falaz sonho,
se é sonho a vida, sonharei contigo.

Pe. Antônio Tomás

Sobre a cama de ferro estreita e dura,
Soltando tristes ais, fundos lamentos,
Se estorce a enferma, em bruscos movimentos,
Presa nas garras de feroz tortura.

No entanto, ao pé do leito, o velho cura,
Que veio ministrar-lhe os sacramentos,
Entoa em graves, místicos acentos,
Longas preces ungidas de amargura.

Um gemido mais alto os ares corta,
E, de repente, enfia pela porta
Loura criança, rechonchuda e linda,

E à enferma inquire, - os olhos rasos d'água
E a voz repleta de infinita mágoa:
Ó mamãezinha, dói-lhe muito ainda?

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