Augusto dos Anjos
Na etérea limpidez de um sonho branco,
Lúcia sorriu-se à bruma nevoenta,
E a procela chorou num fundo arranco
De mágoa triste e de paixão violenta.
E Lúcia disse à bruma lutulenta:
- Foge, senão com o meu olhar te espanco!
E eu vi que, à voz de Lúcia, grave e lenta,
O céu tremia em seu trevoso flanco.
Fulgia a bruma para sempre. A vida
Despontava na aurora amortecida
À rutilância mágica do dia.
Aquele riso despertava a aurora!
E tudo riu-se, e como Lúcia, agora,
O sol, alegre e rubro, também ria!
Quem sou eu
- Carlos Arnaud de Carvalho
- São Domingos do Prata, Minas Gerais
- E nestas lutas vou cumprindo a sorte, até que venha a compassiva morte, levar-me à grande paz da sepultura.
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Cláudio Manuel da Costa
Nise? Nise? Onde estás? Aonde espera
Achar-te uma alma, que por ti suspira,
Se quanto a vista se dilata, e gira,
Tanto mais de encontrar te desespera!
Ah se ao menos teu nome ouvir pudera
Entre esta aura suave, que respira!
Nise, cuido, que diz; mas é mentira.
Nise, cuidei que ouvia; e tal não era.
Grutas, troncos, penhascos da espessura,
Se o meu bem, se a minha alma em vós se esconde,
Mostrai, mostrai-me a sua formosura.
Nem ao menos o eco me responde!
Ah como é certa a minha desventura!
Nise? Nise? Onde estás? Aonde? Aonde...?
Vicente de Carvalho
Eu cantarei de amor tão fortemente
Com tal celeuma e com tamanhos brados
Que afinal teus ouvidos, dominados,
Hão de à força escutar quanto eu sustente.
Quero que meu amor se te apresente
— Não andrajoso e mendigando agrados,
Mas tal como é: risonho e sem cuidados,
Muito de altivo, um tanto de insolente.
Nem ele mais a desejar se atreve
Do que merece: eu te amo, e o meu desejo
Apenas cobra um bem que se me deve.
Clamo, e não gemo; avanço, e não rastejo;
E vou de olhos enxutos e alma leve
À galharda conquista do teu beijo.
Cruz e Sousa
Alma do Amor, cansada, erma e fremente,
Arrastando o grilhão das próprias dores,
Sustenta a luz da fé por onde fores,
Torturada, ferida, descontente...
Nebulosas, estrelas, mundos, flores
Rasgam, vibrando, excelso trilho à frente...
Tudo sonha, buscando o lume ardente
Do eterno amor de todos os amores!
Alma, de pés sangrando senda afora,
Humilha-te, padece, chora, chora,
Mas bendize o teu santo cativeiro...
Não esperes ninguém para ajudar-te,
Ama apenas, que Deus, por toda a parte,
É o sol do amor para o Universo inteiro.