Os Mais Belos Sonetos

Coletânea de sonetos escritos por poetas brasileiros, lusos e de outros paises

jan
31

Auta de Souza

Ah! se eu pudesse nunca ver teu rosto!
E nem sequer o som de tua fala
Ouvir de manso à hora do Sol posto
Quando a Tristeza já do Céu resvala!

Talvez assim o fúnebre desgosto
Que eternamente a alma me avassala
Se transformasse n’um luar de Agosto,
Sonho perene que a Ventura embala.

Talvez o riso me voltasse à boca
E se extinguisse essa amargura louca
De tanta dor que a minha vida junca...

E, então, os dias de prazer voltassem
E nunca mais os olhos meus chorassem...
Ah! se eu pudesse nunca ver-te, nunca!

jan
24

Alphonsus de Guimaraens

Caiu sobre o teu corpo a última pá de terra,
E ninguém surge aqui para velar-te o sono!
E depois, neste Morro onde a Alma em sonhos erra,
A Cruz tombada, e a cova a florir no abandono...

O luar, que viste em vida, irá, de serra em serra,
Clareando a mesma noite; o sol fulvo do outono
Há de dormir, sempre ao clamor da mesma guerra,
Num esquife de luz para erguer-se num trono.

Outros dias virão cantando o mesmo hinário,
E outras noites chorando o mesmo luar que sigo,
E onde vejo ondular o teu longo sudário...

Dentro de mim, porém, há de morrer, profundo,
O poente em funeral do teu olhar antigo,
Para não mais ressuscitar aqui no mundo...

jan
17

Florbela Espanca

Gosto de ti, ó chuva, nos beirados,
Dizendo coisas que ninguém entende!
Da tua cantilena se desprende
Um sonho de magia e de pecados.

Dos teus pálidos dedos delicados
Uma alada canção palpita e ascende,
Frases que a nossa boca não aprende,
Murmúrios por caminhos desolados.

Pelo meu rosto branco, sempre frio,
Fazes passar o lúgubre arrepio
Das sensações estranhas, dolorosas…

Talvez um dia entenda o teu mistério…
Quando, inerte, na paz do cemitério,
O meu corpo matar a fome às rosas!

jan
10

Cruz e Sousa

Há no estertor da morte uma beleza
Transcendente, ignota, luminosa,
Beleza sossegada e silenciosa,
Da luz branca da Paz, trêmula e acesa...

É o augusto momento em que a alma, presa
Às cadeias da carne tenebrosa,
Abandona a prisão, dorida e ansiosa,
Sentindo a vida de outra natureza.

Um mistério divino há nesse instante,
No qual o corpo morre e a alma vibrante
Foge da noite das melancolias!...

No silêncio de cada moribundo,
Há a promessa de vida em outro mundo,
Na mais sagrada das hierarquias.

jan
03

Augusto dos Anjos

Alma viúva das paixões da vida,
Tu que, na estrada da existência em fora,
Cantaste e riste, e na existência agora
Triste soluças a ilusão perdida;

Oh! Tu, que na grinalda emurchecida
De teu passado de felicidade
Foste juntar os goivos da Saudade
Às flores da Esperança enlanguescida;

Se nada te aniquila o desalento
Que te invade, e o pesar negro e profundo,
Esconde à Natureza o sofrimento,

E fica no teu ermo entristecida,
Alma arrancada do prazer do mundo,
Alma viúva das paixões da vida.

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