Mauro Mota
Vejo-te morta. As brancas mãos pendentes.
Delas agora, sem querer, libertas
a alma dos gestos e, dos lábios quentes
ainda, as frases pensadas só em certas
tardes perdidas. Sob as entreabertas
pálpebras, sinto, em teu olhar presentes,
mundos de imagens que, às regiões desertas
da morte, levarás, que a morte sentes
fria diante de todos os apelos.
Vejo-te morta. Viva, a cabeleira,
teus cabelos voando! ah! teus cabelos!
Gesto de desespero e despedida,
para ficares de qualquer maneira
pelos fios castanhos presa à vida.
Quem sou eu
- Carlos Arnaud de Carvalho
- São Domingos do Prata, Minas Gerais
- E nestas lutas vou cumprindo a sorte, até que venha a compassiva morte, levar-me à grande paz da sepultura.
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Narciso Araujo
Como está triste aquela casa! Nela,
Meus olhos viam tanta vez, outrora,
Em purpurejos, rútila, a janela
Toda tocada de clarões de aurora.
Ali morou Maria, doce e bela
Conterrânea gentil, mimo de Flora,
Que perfumava, em outro tempo, aquela
Casa que eu vejo tão tristonha, agora.
Como está triste aquela casa! Quando,
Alheio a tudo, longamente a fito,
Uma saudade, dentro em mim chorando,
Recorda o feliz tempo, em que Maria,
Com o rosto alegre, juvenil, bonito,
Era, à janela, um sol que resplendia.
Artur Azevedo
No dia em que na terra te sumiram,
Eu fui ver-te defunta sobre a eça,
Fechados para sempre — oh, sorte avessa!
Aqueles olhos que me seduziram.
À luz do sol uma janela abriram,
E o jardim avistei onde, oh, condessa,
Uma noite perdemos a cabeça,
E as estátuas de mármore sorriram...
Saíste por aquela mesma porta
Onde outrora os teus lábios me esperaram,
Cheios do amor que ainda me conforta.
Quando o jardim saudoso atravessaram
Seis homens com o esquife em que ias morta,
As estátuas de mármore choraram!
Antero de Quental
Um dia, meu amor (e talvez cedo,
Que já sinto estalar-me o coração!)
Recordarás com dor e compaixão
As ternas juras que te fiz a medo...
Então, da casta alcova no segredo,
Da lamparina ao tremulo clarão,
Ante ti surgirei, espectro vão,
Larva fugida ao sepulcral degredo...
E tu, meu anjo, ao ver-me, entre gemidos
E aflitos ais, estenderás os braços
Tentando segurar-te aos meus vestidos...
— "Ouve! espera!" — Mas eu, sem te escutar,
Fugirei, como um sonho, aos teus abraços
E como fumo sumir-me-ei no ar!