Gregório de Matos
Anjo no nome, angélica na cara,
Isso é ser flor, e Anjo juntamente,
Ser angélica flor, e Anjo florente,
Em quem, senão em vós se uniformara?
Quem veria uma flor, que não a cortara
De verde pé, de rama florescente?
E quem um Anjo vira tão luzente,
Que por seu Deus, o não idolatrara?
Se como Anjo sois dos meus altares,
Fôreis o meu custódio, e minha guarda,
Livrara eu de diabólicos azares.
Mas vejo, que tão bela, e tão galharda,
Posto que os Anjos nunca dão pesares,
Sois Anjo, que me tenta, e não me guarda.
Quem sou eu
- Carlos Arnaud de Carvalho
- São Domingos do Prata, Minas Gerais
- E nestas lutas vou cumprindo a sorte, até que venha a compassiva morte, levar-me à grande paz da sepultura.
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Juvenal Antunes Encarnação da máxima bondade, Imagem de candura e de beleza, Fardou-te a perdulária Natureza Exemplo de ternura e castidade....
Pedro Onofre
- Mamãe, papai Noel é mesmo um bom velhinho?
Se ele em verdade existe, assim como é falado,
por que não se lembrou de mim, esse enjeitado
que pra calçar não tem sequer um sapatinho?
E aquela pobre mãe, cabelo em desalinho,
o olhar busca esconder, tristonho e marejado
do pranto que verteu. Encara com cuidado
o filho, preocupada em demonstrar carinho.
Tenta expulsar do rosto essa expressão sombria
e num sussurro diz ao filho de repente:
- Se acaso ele existisse, o que lhe pediria?
E a criança ao responder-lhe, incrédula sorri.
- Queria que me desse, mãe, como presente.
na Noite de Natal, o pai que nunca vi.
Oton Costa
Meus castelos, ergui-os cada dia,
Nas minhas ilusões de sonhador,
Dando-lhes tudo, todo o meu amor,
Sem notar que a mim mesmo consumia.
No meu entusiasmo de criador,
Nem sequer um momento compreendia
Que os meus castelos, cheios de esplendor,
Não passavam de pura fantasia...
Hoje, evocando as ilusões passadas,
Revejo essas paisagens desoladas
Como as ruínas tranquilas de uma aldeia,
E compreendo que fosse incompreendida
Uma alma que pensou fazer da vida
Uns castelos efêmeros de areia...
Olavo Bilac
Ao coração que sofre, separado
Do teu, no exílio em que a chorar me vejo,
Não basta o afeto simples e sagrado
Com que das desventuras me protejo.
Não me basta saber que sou amado,
Nem só desejo o teu amor: desejo
Ter nos braços teu corpo delicado,
Ter na boca a doçura de teu beijo.
E as justas ambições que me consomem
Não me envergonham: pois maior baixeza
Não há que a terra pelo céu trocar;
E mais eleva o coração de um homem
Ser de homem sempre e, na maior pureza,
Ficar na terra e humanamente amar.
porém não me arrependo desse crime,
que amar alguém e ser também amado
é o crime mais gostoso e mais sublime!
A confissão por certo não redime
a quem quer continuar a ser culpado,
e seu for, por acaso, condenado,
não há razão para que desanime.
Pelo contrário. Altivo, embora fique
meu coração partido em mil pedaços,
eu quero que a justiça se pratique...
Sou réu de amor, e julgo-me indefeso!
Pela justiça, entrego-me a teus braços:
eternamente quero ficar preso...
Vinícius de Moraes
Por seres quem me foste, grave e pura
Em tão doce surpresa conquistada
Por seres uma branca criatura,
De uma brancura de manhã raiada.
Por seres de uma rara formosura
Mau grado a vida dura e atormentada
Por seres mais que a simples aventura
E menos que a constante namorada.
Porque te vi nascer, de mim sozinha
Como a noturna flor desabrochada
A uma fala de amor, talvez, perjura.
Por não te possuir, tendo-te minha
Por só quereres tudo, e eu dar-te nada
Hei de lembrar-te sempre com ternura.
Augusto dos Anjos
Uma vez um poeta, um tresloucado,
Apaixonou-se d’uma virgem bela;
Vivia alegre o vate apaixonado,
Louco vivia, enamorado dela.
Mas a Pátria chamou-o. Era o soldado,
E tinha que deixar p’ra sempre aquela
Meiga visão, olímpica e singela!
E partiu, coração amargurado.
Dos canhões ao ribombo e das metralhas,
Altivo lutador, venceu batalhas,
Juncou-lhe a fronte aurifulgente estrela,
E voltou, mas a fronte aureolada,
Ao chegar, pendeu triste e desmaiada,
No sepulcro da loura virgem bela.
Augusto dos Anjos
A Esperança não murcha, ela não cansa,
Também como ela não sucumbe a Crença.
Vão-se sonhos nas asas da Descrença,
Voltam sonhos nas asas da Esperança.
Muita gente infeliz assim não pensa;
No entanto o mundo é uma ilusão completa,
E não é a Esperança por sentença
Este laço que ao mundo nos manieta?
Mocidade, portanto, ergue o teu grito,
Sirva-te a Crença de fanal bendito,
Salve-te a glória no futuro - avança!
E eu, que vivo atrelado ao desalento,
Também espero o fim do meu tormento,
Na voz da Morte a me bradar; descansa!
Olavo Bilac
Em mim também, que descuidado vistes,
Encantado e aumentando o próprio encanto,
Tereis notado que outras cousas canto
Muito diversas das que outrora ouvistes.
Me amastes, sem dúvida...Portanto,
Meditai nas tristezas que sentistes:
Que eu, por mim, não conheço cousas tristes.
Que mais aflijam, que torturem tanto.
Quem ama inventa as penas em que vive;
E, em lugar de acalmar as penas, antes
Busca novo pesar com que as avive.
Pois sabei que é por isso que assim ando:
Que é dos loucos somente e dos amantes
Na maior alegria andar chorando.
Pe. Antônio Tomás
Cantam-lhe na alma ainda as sedutoras
Finais palavras do inimigo astuto: –
“Se o houveras provado um só minuto,
Deusa, decerto, e não mulher tu foras”.
E desprezando as iras vingadoras
Do céu, estende o braço resoluto
E colhe o belo, rubicundo fruto
De estranho cheiro e formas tentadoras.
Nas mãos o preme e, quando o vai partindo
Se lhe esguicha da polpa sumarenta
O róseo mosto sobre o seio lindo.
E em cada poma fica-lhe estampado
Um vivo timbre dessa cor sangrenta,
Como as insígnias rubras do pecado.
Cleômenes Campos
Uma casa de palha à beira de uma estrada.
Dentro, um pote, um baú, uma rede e uma esteira,
fora, dando alegria à casa, uma roseira.
Em torno, a solidão: a grande paz sonhada...
O homem acorda cedo ouvindo a passarada:
vai ao campo cantando uma canção brejeira...
fica a embalar o filho a humilde companheira;
em seguida, faz renda ou borda na almofada.
À tardinha, é o regresso. A criança, ao vê-lo grita.
Ela acha que o marido é bom como ninguém.
Ele acha que a mulher é a mulher mais bonita.
Tu não crês na ventura; ela existe, porém:
é nessa casa pobre onde a ventura habita;
se viveres assim, serás feliz também.
Humberto Rodrigues Neto
Do meu amor, meu sonho e tudo mais
te dei quanto quiseste e me pediste,
até a candura dos meus madrigais
que nunca de outro alguém talvez ouviste.
Neles não sei se alguma vez sentiste
a súplica sincera dos meus ais,
e agora vejo, desolado e triste,
que nunca creste que te amei demais!
Se vias em meu amor um contratempo,
não sei por que esperaste tanto tempo
pra me dizeres tal somente agora.
Só te desejo, ao ver meu sonho findo,
que nunca sofras o que estou sentindo
quando outro alguém levar teu sonho embora!
Martins Fontes
Amemos a mulher que não ilude,
e que, ao saber que a temos enganado,
perdoa, por amor e por virtude,
pelo respeito ao menos ao passado.
Muitas vezes, na minha juventude,
evocando o romance de um noivado,
sinto que amei, outrora, quanto pude,
porém mais deveria ter amado.
Choro. O remorso os nervos me sacode.
e, ao relembrar o mal que então fazia,
meu desespero, inconsolado, explode.
E a causa desta horrível agonia,
é ter amado, quanto amar se pode,
sem ter amado, quanto amar devia.
Silva Dultra
Eu vivo a cada instante a minha vida,
assim como quem vive a própria morte,
e levo esta existência dividida
entre o ser e não ser que me conforte.
Sou onde não estou; e a minha sorte
em coisas que não tenho está medida,
até que a mesma vida me transporte
à morte desde o início já sentida.
Vão-se-me os dias de desejos plenos
em horas que se somam sempre a menos,
por onde o tempo passa e a vida flui.
O meu destino escorre num sentido
e sobre o pó do que terei eu sido
repousa a sombra do que sempre fui.
Virgílius
Quem dera, o amor, que ela agora sente
Por alguém... Devotado e comprometido,
Fosse a mim, e apenas a mim, oferecido
Eu seria feliz... ... - E pela vida contente -
Quem dera, os seus lábios, docemente
Balbuciassem, mentindo, que me amava.
Dessa doce mentira eu me alimentava...,
Pra viver me enganando..., Eternamente.
Mas ela não sabe desse amor sentido.
- Devotado amor que eu trago comigo -
Até quando, não sei..., Só o tempo dirá.
E mesmo amanhã, ela lendo esses versos,
Há de ficar, por instantes, se perguntando:
- Que mulher será esta? E não saberá...!!!
Pe. Antônio Tomás
Nos canteiros orlados de verdura,
De mil gotas de orvalho umedecidas,
Cheias de viço e de perfume ungidas,
Desabrocham as rosas a ventura.
Mas a vida das rosas pouco dura,
E em breve a desgraça enlanguescida
A fronte curva nos hastis pendida,
A um raio de sol que além fulgura...
E vão perdendo as pétalas mimosas,
A um sopro mal dos vendavais infestos,
É o despojo final das tristes rosas...
E de cor vermelha pelo chão tombados
Fazem lembrar sanguinolentos restos
De pobres corações despedaçados.
Artur Azevedo
Todo o cuidado nestas rimas ponho;
Musa, peço-te, pois, que me remetas
Versos que tenham rútilas facetas,
E não revelem trovador bisonho.
Meia noite bateu. Sai risonho...
Brilhava - oh, musa, não me comprometas! -
O mais belo de todos os planetas
N'um céu que parecia um céu de sonho.
O mais belo de todos os prazeres
Gozei, à doce luz dos olhos pretos
Da mais bela de todas as mulheres!
Pobres quartetos! míseros tercetos!...
Musa, musa infeliz, dar-me não queres.
O mais belo de todos os sonetos!...
Alberto de Oliveira
A alma dos meus vinte anos noutro dia
Senti volver-me ao peito, e pondo fora
A outra, a enferma, que lá dentro mora,
Ria em meus lábios, em meus olhos ria.
Achava-me ao teu lado então, Luzia,
E da idade que tens na mesma aurora;
A tudo o que já fui, tornava agora,
Tudo o que ora não sou, me renascia.
Ressenti da paixão primeira e ardente
A febre, ressurgiu-me o amor antigo
Com os seus desvarios e com os seus enganos...
Mas ah! quando te foste, novamente
A alma de hoje tornou a ser comigo,
E foi contigo a alma dos meus vinte anos.
J. G. de Araujo Jorge
Te amei: era de longe que te olhava
e de longe me olhavas vagamente...
Ah, quanta coisa nesse tempo a gente sente,
que a alma da gente faz escrava.
Te amava: como inquieto adolescente,
tremendo ao te enlaçar, e te enlaçava
adivinhando esse mistério ardente
do mundo, em cada beijo que te dava.
Te amo: e ao te amar assim vou conjugando
os tempos todos desse amor, enquanto
segue a vida, vivendo, e eu, vou te amando...
Te amar: é mais que em verbo é a minha lei,
e é por ti que o repito no meu canto:
te amei, te amava, te amo e te amarei!
Florbela Espanca
Deixa dizer-te os lindos versos raros
Que a minha boca tem pra te dizer !
São talhados em mármore de Paros
Cinzelados por mim pra te oferecer.
Têm dolência de veludos caros,
São como sedas pálidas a arder ...
Deixa dizer-te os lindos versos raros
Que foram feitos pra te endoidecer !
Mas, meu Amor, eu não tos digo ainda ...
Que a boca da mulher é sempre linda
Se dentro guarda um verso que não diz !
Amo-te tanto ! E nunca te beijei ...
E nesse beijo, Amor, que eu te não dei
Guardo os versos mais lindos que te fiz!
Francisca Clotilde
Luar de agosto, belo e resplandecente
Quando te espelha sobre o descompasso
Ao teu fulgor o coração que sente
Relembra o berço e os dias já passados.
Em céu sem nuvem - globo prateado
Se o teu reflexo vai suavemente
Beijar da flor o cálice orvalhado
Ou se combate nas águas mansamente.
Que de emoções despertas! Mais te amava
Se pelas serras, límpido brilhavas
Teu disco argênteo, em doce claridade.
Hoje tão longe, assalta-me o desgosto
E ao ver-te belo azul, luar de agosto,
Só me despertas mágoas e saudade
Vinícius de Moraes
Tu me levaste eu fui... Na treva, ousados
Amamos, vagamente surpreendidos
Pelo ardor com que estávamos unidos
Nós que andávamos sempre separados.
Espantei-me, confesso-te, dos brados
Com que enchi teus patéticos ouvidos
E achei rude o calor dos teus gemidos
Eu que sempre os julgara desolados.
Só assim arrancara a linha inútil
Da tua eterna túnica inconsútil...
E para a glória do teu ser mais franco
Quisera que te vissem como eu via
Depois, à luz da lâmpada macia
O púbis negro sobre o corpo branco.
Joagda Abib
Um copo de vinho, calor de momento,
O que era um incômodo torna-se alento,
Conforta-se o corpo...a alma se aquece...
É bom desfrutar do que a vida oferece.
O frio, o arrepio...tão bons de sentir,
O encanto do dia e da noite a surgir,
Beleza, mistério, desejo, paixão,
O clima perfeito, a mais bela estação.
Um misto de cores, perfumes, sabores...
Provocam, saciam, aguçam os sentidos...
Três meses pra ver, desfrutar e sentir.
E então as vontades, os sonhos e amores,
Pensados, criados, sentidos, vividos,
Esperam de novo a estação que há de vir
Guimarães Rosa
Quando sentires a saudade retroar
Fecha os teus olhos e verás o meu sorriso.
E ternamente te direi a sussurrar:
O nosso amor a cada instante está mais vivo!
Quem sabe ainda vibrará em teus ouvidos
Uma voz macia a recitar muitos poemas...
E a te expressar que este amor em nós ungidos
Suportará toda distância sem problemas...
Quiçá, teus lábios sentirão um beijo leve
Como uma pluma a flutuar por sobre a neve,
Como uma gota de orvalho indo ao chão.
Lembrar-te-ás toda ternura que expressamos,
Sempre que juntos, a emoção que partilhamos...
Nem a distância apaga a chama da paixão.
J. G. de Araujo Jorge
Voltaste, meu amor... enfim voltaste!
Como fez frio aqui sem teu carinho....
A flor de outrora refloresce na haste
que pendia sem vida em meu caminho.
Obrigado... Eu vivia tão sozinho...
Que infinita alegria, e que contraste!
- Volta a antiga embriaguez porque voltaste
e é doce o amor, porque é mais velho o vinho!
Voltaste... E dou-te logo este poema
simples e humilde repetindo um tema
da alma humana esgotada e envelhecida...
Mil poetas outras voltas celebraram,
mas, que importa? – se tantas já voltaram
só tu voltaste para a minha vida...
Raul de Leoni
Afinal, é o costume de viver
Que nos faz ir vivendo para a frente;
Nenhuma outra intenção, mas simplesmente
O hábito melancólico de ser…
Vai-se vivendo… é o vício de viver…
E se esse vício dá qualquer prazer à gente,
Como todo prazer vicioso é triste e doente,
Porque o Vício é a doença do Prazer…
Vai-se vivendo… vive-se demais,
E um dia chega em que tudo que somos
É apenas a saudade do que fomos…
Vai-se vivendo… e muitas vezes nem sabemos
Que somos sombras, que já não somos mais
Do que os sobreviventes de nós mesmos!…
Walter Pereira Pimentel
Sei o que quero, sei que te quero
Digo isto com pureza d’alma
Com paciência, com calma...
Sem me desesperar, te espero
Até quando valerá a pena te esperar?
Quando se sonha, se deseja, se quer, enfim
Quando se ama realmente, assim
Com entrega e paixão, esperar é amar
Saibas que te esperarei até quando puder
Nesta vida ou numa outra, se além desta tiver
Neste ou em outro plano
Na terra, no céu, na eternidade...
Pelos caminhos da felicidade
Onde possa dizer: te amo!
Olavo Bilac
Falei tanto de amor!... de galanteio,
Vaidade e brinco, passatempo e graça,
Ou desejo fugaz, que brilha e passa
No relâmpago breve com que veio...
O verdadeiro amor, honra ou desgraça,
Gozo ou suplício, no íntimo fechei-o:
Nunca o entreguei ao público recreio,
Nunca o expus indiscreto ao sol da praça.
Não proclamei os nomes, que, baixinho,
Rezava... E ainda hoje, tímido, mergulho
Em funda sombra o meu melhor carinho.
Quando amo, amo e deliro sem barulho;
E, quando sofro, calo-me, e definho
Na ventura infeliz do meu orgulho.
Alberto de Oliveira
Baixando à Terra, o cofre em que guardados
Vinham os Males, indiscreta abria
Pandora. E eis deles desencadeados
À luz, o negro bando aparecia.
O Ódio, a Inveja, a Vingança, a Hipocrisia,
Todos os Vícios, todos os Pecados
Dali voaram. E desde aquele dia
Os homens se fizeram desgraçados.
Mas a Esperança, do maldito cofre
Deixara-se ficar presa no fundo,
Que é última a ficar na angústia humana...
Por que não voou também? Para quem sofre
Ela é o pior dos males que há no mundo,
Pois dentre os males é o que mais engana.
Bernardino Lopes
Velho muro da chácara! Parcela
Do que já foste: resto do passado,
Bolorento, musgoso, úmido, orlado
De uma coroa víride e singela.
Forte e novo eu te vi, na idade bela
Em que, falando para o namorado,
Tinhas no ombro de pedra debruçado
O corpo senhoril de uma donzela…
Linda epoméia te bordava a crista;
Eras, ao luar de leite, um linho albente,
Folha de prata, ao sol, ferindo a vista.
Em ti pousava a doce borboleta…
E quantas noites viste, ermo e silente,
Romeu beijando as mãos de Julieta!
Jaime Guimarães
Fomos... E quem nos visse pensaria:
- Que almas felizes! que casal ditoso!
- Como ele vai a estremecer de gozo!
- E ela como é formosa! que alegria!
Voltei sozinho e ao meu passar ouvia:
- Que olhar magoado!... Como vai choroso!
E uma voz que sangrou meu peito ansioso:
- Louco daquele que no amor confia!
Falena! à luz de um riso eis-te perdido!
Foste cheio de fé, voltas descrido,
E o desengano teu caminho junca...
- "Hás de esquecê-la", ouvi dizer ao lado...
Meu coração responde estrangulado:
"Odiá-la, sim, mas esquecê-la, nunca!"
J. G. de Araujo Jorge
Não quis julgar-te fútil nem banal
e chamei-te de criança tão-somente,
- reconheço, no entanto, infelizmente,
que, porque te quis bem, julguei-te mal.
Pensei até, (e o fiz ingenuamente...)
ter encontrado a companheira ideal...
Quis julgar-te das outras diferente,
e és como as outras todas afinal...
Hoje, uma dor estranha me consome
e um sentimento a que não sei dar nome
faz-me sofrer, se lembro o amor perdido...
A dor maior... A maior dor, no entanto,
vem de pensar de Ter-te amado tanto
sem que ao menos tivesses merecido!...
Virgílio Brígido Filho
Vêm os dias de angústia; os mais amenos
Passaram... hoje a sorte que intimida
Põe nos meus olhos calmos e serenos
Uma ansiedade quase irreprimida.
Mas isto passa. Todos mais ou menos
Passam por isto: acalma-te, querida!
A vida é grande e somos tão pequenos
Que encontraremos um lugar na vida.
Ah! tu bem sabes! todo o mundo sabe
Que é natural que atrás desta parede
O pão nos falte e todo o vinho acabe.
Tudo nos falta, mas não nos consome,
Quem tem água nos olhos não tem sede,
Quem tem beijos na boca não tem fome.
Válter da Rosa Borges
Notivagando pela vida inteira
Tentas fugir da luz como o vampiro,
Buscando a negra noite em teu retiro,
Na mais completa e lúgubre cegueira.
Buscas achar no teu noturno giro
Restos de amor no corpo da rameira,
Tentando dar ao teu triste suspiro
Toda a expressão de uma ânsia verdadeira
E nestas rondas, pelas horas mortas,
Vives da Noite, pelas negras portas,
Na tua vida tão vazia e triste.
Inútil vagarás triste e sozinho
E morrerás, um dia, no caminho,
Sem contemplar a luz que nunca viste.
Guilherme de Almeida
Quando uma nuvem nômade destila
Gotas, roçando a crista azul da serra,
Umas brincam na relva; outras tranqüila,
Serenamente entranham-se na terra.
E a gente fala da gotinha que erra
De folha em folha e, trêmula cintila,
Mas nem se lembra da que o solo encerra,
Da que ficou no coração da argila!
Quanta gente, que zomba do desgosto
Mudo, da angústia que não molha o rosto
E que não tomba, em gotas, pelo chão,
Havia de chorar, se adivinhasse
Que há lágrimas que correm pela face
E outras que rolam pelo coração!
Cesare
Grita forte o sentimento no peito
Prenuncia o frio; mas ainda há calor!
Folhas caem formando o doce leito
E o coração bate temendo a dor!
Reverentes, corpos e almas se fundem
Na dança plena de amor e agonia!
Olhos ternos, inutilmente, escondem
A convicção do adeus ao final do dia!
O outono prosseguirá na memória
Sendo estação do renascer dos sonhos!
Haverá quadros moldando tal história
E o mais belo fala do querer tamanho
Capaz de arriscar a vida simplória
E renunciar aos versos que componho!
Raimundo Correia
Esconde-me a alma, no íntimo, oprimida,
Este amor infeliz, como se fora
Um crime aos olhos dessa, que ela adora,
Dessa, que crendo-o, crera-se ofendida.
A crua e rija lâmina homicida
Do seu desdém vara-me o peito; embora,
Que o amor que cresce nele, e nele mora,
Só findará quando findar-me a vida!
Ó meu amor! como num mar profundo,
Achaste em mim teu álgido, teu fundo,
Teu derradeiro, teu feral abrigo!
E qual do rei de Tule a taça de ouro,
Ó meu sacro, ó meu único tesouro!
Ó meu amor! Tu morrerás comigo!
Guilherme de Almeida
Infeliz de quem passa pelo mundo,
Procurando no amor felicidade:
A mais linda ilusão dura um segundo;
E dura, a partir daí, tristeza e saudade.
Repleto é o amor no íntimo mais profundo.
Onde esconde a linda jóia da verdade;
E só depois de vazia, mostra o fundo.
Só depois, embriaga-se a felicidade.
Eis aqui mais um enamorado descontente,
Escutando a palavra confidente
Que o coração murmura, e a voz não diz.
Percebo afinal meu pecado:
Quanto me falta para ser amado.
Quanto me falta para ser feliz.
Vinícius de Moraes
Enfim, depois de tanto erro passado
Tantas retaliações, tanto perigo
Eis que ressurge noutro o velho amigo
Nunca perdido, sempre reencontrado.
É bom sentá-lo novamente ao lado
Com olhos que contêm o olhar antigo
Sempre comigo um pouco atribulado
E como sempre singular comigo.
Um bicho igual a mim, simples e humano
Sabendo se mover e comover
E a disfarçar com o meu próprio engano.
O amigo: um ser que a vida não explica
Que só se vai ao ver outro nascer
E o espelho de minha alma multiplica…
Florbela Espanca
Aborreço-te muito. Em ti há qualquer cousa
De frio e de gelado, de pérfido e cruel,
Como um orvalho frio no tampo duma lousa,
Como em doirada taça algum amargo fel.
Odeio-te também. O teu olhar ideal
O teu perfil suave, a tua boca linda,
São belas expressões de todo o humano mal
Que inunda o mar e o céu e toda a terra infinda.
Desprezo-te também. Quando te ris e falas,
Eu fico-me a pensar no mal que tu calas
Dizendo que me queres em íntimo fervor!
Odeio-te e desprezo-te. Aqui toda a minh’alma
Confessa-to a rir, muito serena e calma!
Ah, como eu te adoro, como eu te quero, amor!…
Aécio Cavalcante
Lamento o me fitares sem a antiga
Ternura com que me o fazias antes
De serem meus ciúmes tão constantes,
E tu, mais amada que amiga...
Soubesse eu ontem que só intriga
Cupido guarda aos corações amantes,
E não haveríamos de chorar gigantes
Imposições a que o amor obriga:
Tu serias hoje a mais divina tela
Da natureza e da simplicidade
Que foste... - e muito mais bela.
E eu, livre o amor que me invade,
Seria outra vez feliz com aquela
Ilusão de ir além da amizade!
Gregório de Matos
Casou-se nesta terra esta e aquele.
Aquele um gozo filho de cadela,
Esta uma donzelíssima donzela,
Que muito antes do parto o sabia ele.
Casaram por unir pele com pele;
E tanto se uniram, que ele com ela
Com seu mau parecer ganha para ela,
com seu bom parecer ganha para ele.
Deram-lhe em dote muitos mil cruzados,
Excelentes alfaias, bons adornos,
De que estão os seus quartos bem ornados:
Por sinal que na porta e seus contornos
Um dia amanheceram, bem contados,
Três bacias de trampa e doze cornos.
Francisco Libânio
Por amor, entregou-se em fé cega
A alguém que parecia sem defeitos,
Alguém que condenava os feitos
Daqueles que o vício carrega
Por devoção, vangloriou os jeitos
Daquele que veementemente nega
O mal e tamanha foi sua entrega
Que ao ver o quão eram imperfeitos
Os laços entre discursos e ações
Quis morrer antes a acreditar,
Mas terminou aceitando a verdade
E viu que a fé é a porta da maldade
Invadir a alma e, vil, subornar
O amor que oculta dela as decepções
Carol Carolina
É bonita sorridente e encantadora,
Se traveste com ares de humildade,
No fundo grande malvada impostora,
Nossa velha conhecida a falsidade.
Mesquinha, mascarada e mentirosa,
Encenando disfarçada de amizade.
Descarada fingindo sinceridade,
Peçonhenta igual cobra venenosa.
Não há quem não a tenha conhecido,
Essa víbora com cabelos de medusa,
Por sua causa uma desilusão sofrido.
Aqui e ali sempre acaba tropeçando,
Cabeça oca, egocêntrica e obtusa,
Na própria corda acabará se enforcando.
Alphonsus de Guimaraens
Quando eu disser adeus, amor, não diga
adeus também, mas sim um "até breve";
para que aquele que se afasta leve
uma esperança ao menos na fadiga
da grande, inconsolável despedida...
Quando eu disser adeus, amor, segrede
um "até mais" que ainda ilumine a vida
que no arquejo final vacila e cede.
Quando eu disser adeus, quando eu disser
adeus, mas um adeus já derradeiro,
que a sua voz me possa convencer
de que apenas eu parti primeiro,
que em breve irá, que nunca outra mulher
amou de amor mais puro e verdadeiro.
Raul de Leoni
Tudo que te disserem sobre a Vida,
Sobre o destino humano, que flutua,
Ouve e medita bem, mas continua
Com a mesma alma liberta e distraída!
Interpreta a existência com a medida
Do teu Ser! (a verdade é uma obra tua!)
Porque em cada alma o Mundo se insinua,
Numa nova Ilusão desconhecida.
Vai pelos próprios passos, num assomo
De quem procura por si próprio o fundo
Da eterna sensação que as coisas têm!
Existe, em suma, por ti mesmo, como
Se antes da tua sombra sobre o Mundo
Não houvera existido mais ninguém!...
Vinícius de Moraes
Maior amor nem mais estranho existe
Que o meu, que não sossega a coisa amada
E quando a sente alegre, fica triste
E se a vê descontente, dá risada.
E que só fica em paz se lhe resiste
O amado coração, e que se agrada
Mais da eterna aventura em que persiste
Que de uma vida mal aventurada.
Louco amor meu, que quando toca, fere
E quando fere vibra, mas prefere
Ferir a fenecer - e vive a esmo
Fiel à sua lei de cada instante
Desassombrado, doido, delirante
Numa paixão de tudo e de si mesmo.
Alberto de Oliveira
Breve momento após comprido dia
De incômodos, de penas, de cansaço
Inda o corpo a sentir quebrado e lasso,
Posso a ti me entregar, doce Poesia.
Desta janela aberta, à luz tardia
Do luar em cheio a clarear no espaço,
Vejo-te vir, ouço-te o leve passo
Na transparência azul da noite fria.
Chegas. O ósculo teu me vivifica
Mas é tão tarde! Rápido flutuas
Tornando logo à etérea imensidade;
E na mesa em que escrevo apenas fica
Sobre o papel - rastro das asas tuas,
Um verso, um pensamento, uma saudade.
Olavo Bilac
Deixa que o olhar do mundo enfim devasse
Teu grande amor que é teu maior segredo!
Que terias perdido, se, mais cedo,
Todo o afeto que sentes, se mostrasse?
Basta de enganos! Mostra-me sem medo
Aos homens, afrontando-os face a face:
Quero que os homens todos, quando eu passe,
Invejosos, apontem-me com o dedo.
Olha: não posso mais! Ando tão cheio
Desse amor, que minh`alma se consome
De te exaltar aos olhos do universo.
Ouço em tudo teu nome, em tudo o leio:
E, fatigado de calar teu nome,
Quase o revelo no final de um verso.
Augusto dos Anjos
Cindindo a vastidão do Azul profundo,
Sulcando o espaço, devassando a terra,
A aeronave que um mistério encerra
Vai pelo espaço acompanhando o mundo.
E na esteira sem fim da azúlea esfera
Ei-la embalada na amplidão dos ares,
Fitando o abismo sepulcral dos mares,
Vencendo o azul que ante si se erguera.
Voa, se eleva em busca do infinito,
É como um despertar de estranho mito,
Auroreando a humana consciência.
Cheia da luz do cintilar de um astro,
Deixa ver na fulgência do seu rastro
A trajetória augusta da Ciência.
Cruz e Sousa
O ser que é ser e que jamais vacila
Nas guerras imortais entra sem susto,
Leva consigo este brasão augusto
Do grande amor, da grande fé tranqüila.
Os abismos carnais da triste argila,
Ele os vence sem ânsias e sem custo...
Fica sereno, num sorriso justo,
Enquanto tudo em derredor oscila.
Ondas interiores de grandeza
Dão-lhe esta glória em frente à Natureza,
Esse esplendor, todo esse largo eflúvio.
O ser que é ser transforma tudo em flores...
E para ironizar as próprias dores
Canta por entre as águas do Dilúvio!
Sylvio Von Söhsten Gama
Descamba a tarde a se arrastar tristonha,
envolve a Terra um tom esmaecido.
A Natureza perde o colorido,
é quase anoitecer… O mundo sonha.
Por entre as nuvens, pálido, perdido,
um brilho que escondeu-se de vergonha…
e a escuridão a se espalhar medonha
deixam, no espaço, o negro difundido.
Esperei por você com ansiedade,
custa-me acreditar que na verdade
o seu alheamento me tortura.
Nosso encontro não foi realizado.
Em mim ficou um coração magoado
e o gosto da primeira desventura.