Os Mais Belos Sonetos

Coletânea de sonetos escritos por poetas brasileiros, lusos e de outros paises

Fagundes Varella

Desponta a estrela d’alva, a noite morre.
Pulam no mato alígeros cantores,
E doce a brisa no arraial das flores
Lânguidas queixas murmurando corre.

Volúvel tribo a solidão percorre
Das borboletas de brilhantes cores;
Soluça o arroio; diz a rola amores
Nas verdes balsas donde o orvalho escorre.

Tudo é luz e esplendor; tudo se esfuma
Às carícias da aurora, ao céu risonho,
Ao flóreo bafo que o sertão perfuma!

Porém minha alma triste e sem um sonho
Repete olhando o prado, o rio, a espuma:
Oh! mundo encantador, tu és medonho!

Cruz e Souza

Para as Estrelas de cristais gelados
As ânsias e os desejos vão subindo,
Galgando azuis e siderais noivados
De nuvens brancas a amplidão vestindo...

Num cortejo de cânticos alados
Os arcanjos, as cítaras ferindo,
Passam, das vestes nos troféus prateados,
As asas de ouro finamente abrindo...

Dos etéreos turíbulos de neve
Claro incenso aromal, límpido e leve,
Ondas nevoentas de Visões levanta...

E as ânsias e os desejos infinitos
Vão com os arcanjos formulando ritos
Da Eternidade que nos Astros canta...

Mário Pederneiras

Sob a meiga feição que nos conforta
Da velhice feliz destes Luares,
Sonoro um Sino plange e esta hora morta
Abre em Saudade Roxa pelos Ares.

E logo a Mágoa que este som comporta
Invade os Céus, oscila sobre os Mares,
E a Terra como que feliz suporta
O mais triste de todos os Pesares.

Nem uma sombra neste Céu - nem uma
E deste Eirado nem um som se evola;
Neste vale não afla uma só pluma...

Por esta Noite de alvos tons tristonhos
Em pesado tropel apenas rola
Toda a confusa legião dos Sonhos.

Mário Pederneiras

Da tua branca e solitária Ermida
Por caminhos de Céu que a Lua esmalta
Desces - banhada dessa Luz cobalta
O linho de Asa abrindo sobre a Vida.

Nada teu Passo calmo sobressalta
E quando a Mágoa as Almas intimida
Das Ilusões a turba renascida
Em ronda espalhas pela Noite alta.

E a claridade que se faz é tanta
Que logo a Terra fica cheia dessa
Sonora e estranha Luz que alegra e canta.

E iluminada de um Luar de Outono
A Alma feliz e impávida atravessa
A vasta e longa escuridão do Sono.

Luis Delfino

Quando vejo o teu corpo doentio
Tremer, como haste branda a vento forte,
Amortalha-me um hirto calafrio,
Como se me tocasse a asa da morte.

Um pensamento lôbrego e sombrio
De alguém, que o doce e tênue fio corte
De tua vida, assalta-me; mas rio,
Pensando que hei de ter a mesma sorte.

Tu não podes descer à sepultura,
Sem que leves as horas de ventura,
Que em ti achou minha alma, um vasto arneiro.

Em teu trespasse, pois, quando tu fores,
Morram os sóis no céu, no campo as flores...
E, olha, espera, até logo, eu vou primeiro...

Olavo Bilac

Engelhadas as faces, os cabelos
Brancos, ferido, chegas da jornada;
Revês da infância os dias; e, ao revê-los,
Que fundas mágoas na alma lacerada!

Paras. Palpas a treva em torno. Os gelos
Da velhice te cercam. Vês a estrada
Negra, cheia de sombras, povoada
De atros espectros e de pesadelos...

Tu, que amaste e sofreste, agora os passos
Para meu lado moves. Alma em prantos,
Deixas os ódios do mundano inferno...

Vem! que enfim gozarás entre meus braços
Toda a volúpia, todos os encantos,
Toda a delícia do repouso eterno!

Olavo Bilac

Foram-te os anos consumindo aquela
Beleza outrora viva e hoje perdida...
Porém teu rosto da passada vida
Inda uns vestígios trêmulos revela.

Assim, dos rudes furacões batida,
Velha, exposta aos furores da procela,
Uma árvore de pé, serena e bela,
Inda se ostenta, na floresta erguida

Raivoso o raio a lasca, e a estala, e a fende...
Racha-lhe o tronco anoso... Mas, em cima,
Verde folhagem triunfal se estende.

Mal segura no chão, vacila... Embora!
Inda os ninhos conserva, e se reanima
Ao chilrear dos pássaros de outrora... 

Luís Delfino

Eu dizia-lhe um dia: - Essa brancura
De tua carne outrora resplendente
Não vem de um sangue rubro, um sangue quente,
Como pedia a tua formosura.

Que mágoa funda os seios te amargura?
Ninguém sabe que sofres realmente,
Diz-me porém o coração ardente
Que em ti se encontra o amor que se procura.

Quanto mais em ti desço, e mais te sondo,
Quase louca paixão por ti eu sinto...
Aos dois pomos de neve as mãos te pondo,

Nua, e em pé, como estátua sobre um plinto.
Loura cabeça ao colo alvo e redondo,
Murmuraste, inclinando: - Eu nunca minto. 

Olavo Bilac Sonhei que me esperavas. E, sonhando, Saí ansioso por te ver: corria... E tudo, ao ver-me tão depressa andando, Soube logo o lugar para onde eu ia. E tudo me falou, tudo! Escutando Meus passos, através da ramaria, Dos despertados pássaros o bando: “Vai mais depressa! Parabéns!” dizia. Disse o luar: “Espera! Que eu te sigo: Quero também beijar as faces dela!” E disse o aroma: “Vai, que eu vou contigo!” E cheguei. E, ao chegar, disse uma estrela: “Como és feliz! como és feliz, amigo, Que de tão perto vais ouvi-la e vê-la!”

Luís Delfino

Morre: ninguém te há de querer tão fria,
Nem contigo dormir no mesmo leito;
Ninguém mais ouça, dentro do teu peito,
Bater-te o coração como batia.

Na tua alcova há de cantar o dia;
E o ninho, onde emplumou teu corpo, feito
Do que o céu tem de bom e há de harmonia,
Fique a estranho ludíbrio enfim sujeito.

Leva contigo a luz da tua aurora,
Leva a cruz branca dos teus braços, corta
Tudo que a ti me prende e vai-te embora.

Como és bela inda assim!... isso que importa?
Enquanto em torno tudo é triste e chora...
Oh! que alegria eu sinto em ver-te morta!...

José Albano

Ditoso quem foi sempre desamado
Nem nunca na alma viu pintar-se o gozo
Que lhe promete estado venturoso
Para depois deixá-lo em triste estado.

Já me de todo agora persuado
De que não pôde haver brando repouso
E do afeto mais doce e deleitoso
Se gera às vezes o maior cuidado.

Não quero boa sorte nem sonhá-la,
Pois logo passa, apenas se revela,
Com uma dor que outra nenhuma iguala.

Mas quem desconheceu benigna estrela,
Se não teve a alegria de alcançá-la,
Nunca teve o desgosto de perdê-la. 

Clicky