Os Mais Belos Sonetos

Coletânea de sonetos escritos por poetas brasileiros, lusos e de outros paises

Luís Guimarães Júnior

Vejo-te ao pé de mim, horas e horas,
Fito os olhos nos meus olhos: - vejo
Teu alvo rosto, e escuto o leve harpejo
De tuas breves frases sedutoras.

Ora me ris somente, ora demoras,
Toda coberta de sublime pejo,
E eu sinto, amiga, do teu casto beijo
Roçar-me a fronte as asas tentadoras.

À noite, enquanto as pardas mariposas
Voam-me em torno, - e as horas surdamente
Vibram profundas, longas e piedosas,

Vens visitar-me, tímida, inocente,
Coroada de lírios e de rosas...
E há quem diga que tu estás ausente!

Juvenal Antunes

Vai-te. Toda paixão na nossa idade
E creio até que em idade mais madura
Por mais que dure não será tão dura
Que resista do tempo a tempestade

Recuperemos, pois, a liberdade!
Bendito o mal, e mais bendita a cura
Adeus, forma gentil de uma alma pura
Sonho que se desfez em realidade

Queres arcar com as leis do fatalismo
Toca decerto as raias do heroísmo,
A persistência com que tudo arrostas

Eu, no entanto, confesso-me vencido:
- não posso assim viver, de horror transido
Com um cadáver de amor pregado às costas.

Abel Gomes

Desaba o Velho Mundo em treva densa
E a guerra, como lobo carniceiro,
Ameaça a verdade e humilha a crença,
Nas torturas de um novo cativeiro.

Mas vós, no turbilhão da sombra imensa,
Tendes convosco o Excelso Companheiro,
Que ama o trabalho e esquece a recompensa
No serviço do bem ao mundo inteiro.

Eis que a Terra tem crimes e tiranos,
Ambições, desvarios, desenganos,
Asperezas dos homens da caverna;

Mas vós tendes Jesus em cada dia.
Trabalhemos na dor ou na alegria,
Na conquista de luz da Vida Eterna.

Augusto dos Anjos

Cansada de observar-se na corrente
Que os acontecimentos refletia,
Reconcentrando-se em si mesma, um dia,
A Natureza olhou-se interiormente!

Baldada introspecção! Noumenalmente
O que Ela, em realidade, ainda sentia
Era a mesma imortal monotonia
De sua face externa indiferente!

E a Natureza disse com desgosto:
“Terei somente, porventura, rosto?!”
“Serei apenas mera crusta espessa?!”

“Pois é possível que Eu, causa do Mundo,”
“Quanto mais em mim mesma me aprofundo,”
“Menos interiormente me conheça?”

Jorge de Lima

Lá vem o acendedor de lampiões da rua!
Este mesmo que vem infatigavelmente,
Parodiar o sol e associar-se à lua
Quando a sombra da noite enegrece o poente!

Um, dois, três lampiões, acende e continua
Outros mais a acender imperturbavelmente,
À medida que a noite aos poucos se acentua
E a palidez da lua apenas se pressente.

Triste ironia atroz que o senso humano irrita: -
Ele que doira a noite e ilumina a cidade,
Talvez não tenha luz na choupana em que habita.

Tanta gente também nos outros insinua
Crenças, religiões, amor, felicidade,
Como este acendedor de lampiões da rua!

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